PARTE 09

Algumas pessoas começaram a dançar. Inclusive o diretor Müller, que mexia todo o seu corpo, como aqueles bonecos infláveis que ficam na frente das lojas, quando há descontos, chamando a atenção das pessoas.

Esther observou de longe Fogueira atravessar a porta de entrada. Ele parou, olhando para todos os lados antes de bater seus olhos na garota. Ela percebeu. Ele estava indo em sua direção.

— Oi! Esther. — O sorriso dele se mistura às palavras, ecoando aos ouvidos da garota.

— Oi! — Aquela palavra saiu arrastada, enquanto ela pensava no encontro inesperado de hoje mais cedo.

Ela pensou por dois segundos antes de continuar a conversa com uma pergunta que não se encaixava muito bem:

— De boas com seu pai?

Fogueira respirou profundamente estampando um sorriso a fim de evitar o nervosismo.

— Ele é um homem de poucas palavras. — O garoto balbuciou as palavras, trocando de assunto em seguida. — O pessoal caprichou na decoração. Tá simplesmente incrível!

Esther deu uma olhada ao redor mais uma vez.

— Sim, verdade. — Ela disse, olhando para a mesa com bebida antes de questionar. — Quer uma bebida?

— Claro. Do que será? — Indagou, já fuçando a mesa.

— Não tenho certeza. — Não, naquele momento ela não queria se abaixar e cheirar a bebida. Definitivamente não. 

— Ah! É maçã verde. — Fogueira disse, servindo um copo para ela.

— Obrigada. — Agradeceu.

— Sabe, isso é puro açúcar, mas é ótimo. — Ele respondeu rindo, servindo um copo para si mesmo.

Esther provou, e pela sua cara, aquilo estava bom.

— Sim, é um ótimo sabor realmente. — Ela assegurou, enquanto sorriu para ele.

Esther tomou mais um gole, desta vez satisfeita com o suave sabor que se desmanchava em sua boca.

Uma segunda música começou a tocar. Ainda no repertório de The Strokes.

— Sabe, eu curto muito esta música. — Ele falou em um tom de voz empolgado, enquanto mexia o pescoço de lá para cá, em sincronia com suas mãos. Em seguida, ele colocou o copo sobre a mesa e retirou o da mão dela, colocando no mesmo lugar.

— Anda. Você vai adorar dançar isto! — Ele disse, puxando-a suavemente pela cintura e colocando-a bem próxima de seu corpo. Ela pôde sentir instantaneamente o cheiro de seu perfume. Daquele ângulo, ela conseguia ver com mais detalhes seus belos olhos, que brilhavam ao som de Hard The Explain.

— Eu não sei dançar.

— Nem eu. Mas eu sei mexer o corpo. — Ele disse dando um exemplo. Fogueira não dançava daquele jeito desde a última festa em sua antiga cidade.

O garoto riu de sua própria falta de coordenação motora.

— Mexe estes braços. — Ele continuou, balançando os mesmos, ainda segurando as mãos de Esther. Elas suavam frio. Quase escorregando das palmas dele.

Esther começou uma vergonhosa e frustrada tentativa de dança. Até que arrastar o pé e bater as mãos era divertido. 

Fogueira riu dela, fazendo-a gargalhar também. Eles estavam ligados pela música envolvente e dançante. 

— Está ótimo. — Ele incentiva, sacudindo os braços dela, enquanto sorria.

Ele a puxou para o meio do salão, enquanto cantava com a música, mexendo os lábios. Em uma espécie de dublagem. 

Todos que estavam ali presentes, começaram a observá-los. Cochichos e olhos atentos se espalharam. 

— Ai meu Deus. Todos estão olhando para nós. — Esther disse, tentando não reparar os olhares quase que desnorteantes da galera. 

Fogueira parecia não ligar muito para todos que estavam ali. Ele olhou para todos, mas não deixou de dançar. Ele ignorava.

— Faça de conta que eles não estão aqui e solte mais o corpo. — Ele falou em um tom de voz moderado, em que ela pudesse ouvir. 

Eles continuaram a maluca dança, agora em ritmo mais acelerado, que logo contagiou as demais pessoas, que se juntaram a eles, na pista, e começaram a seguir seus dessincronizados passos.

— Eles estão adorando, vê? — Fogueira disse, enquanto sorria e a fez rodopiar em um passo improvisado.

De longe Esther avistou Elis, que aplaudia sua apresentação surpresa e cheia de improvisos.

Assim que a música terminou eles pararam de dançar, e todos que estavam ali começaram a aplaudir e assobiar em euforia.

— Viu? Nem foi tão difícil. — Ele falou, tomando fôlego antes de pronunciar. — Só um instante. Preciso ir ali.

Ele apontou com a cabeça para a banda, sorrindo para ela em seguida.

— Tudo bem. — Respondeu à garota, tentando recuperar seu fôlego. Aonde ele está indo?

Esther voltou para seu lugar próximo à mesa de bebidas e Elis se aproximou dela com um sorriso imenso em seu rosto.

— Aquele era o Fogueira? — Ela indagou, enquanto o acompanhava com os olhos. Ele conversou com o Estevão por alguns segundos, depois deu o fora pela porta principal.

— Sim. — Arfou, procurando seu copo que estava sobre a mesa.

— Longa história. — Ela continuou ao notar que Elis fez uma cara em que pensava muitas coisas sobre eles dois.

— Vou adorar saber tudo direitinho, depois...

Esther fez que sim com a cabeça, economizando palavras. 

— E ele foi aonde? — Ela perguntou-a.

— Também gostaria de saber. — Ela respondeu, tomando um gole de sua bebida.

— Você está gostando dele? — Ela insistiu no assunto não muito lúcido e real para Esther. Do que aquela magrela estava falando? 

— Não... Ele só é um conhecido em comum. Meu pai trabalha com o pai dele, no Clube. E outra. Ele agora j**a no time, o que faz tecnicamente de meu pai, seu técnico. — Esther respondeu, pondo mais bebida em seu copo. Aquilo estava aumentando sua energia.

— Uau. Eu consigo entender. — Elis disse, refletindo a informação.

— O que está tomando?

— É um troço de maçã verde. Quer? É bem gostosinho. — Esther destaca a última palavra.

— O Fogueira? — Elis esbugalhou os olhos ao indagar. Sua cabeça era mais proibida e suja que a Deep Web.

— Não, garota. O drink!

Esther o puxou delicadamente pelo braço antes de dizer:

— Vem. Vamos dar uma volta.

— Você quer procurar o Fogueira?

— Não. Eu quero um pouco de ar. Dá para parar de falar do Fogueira?

— Está bem. — Ela fez um gesto como se estivesse fechando sua boca com um zíper. 

Elas andaram em direção ao estacionamento aberto do colégio, que ficava logo depois de uma porta corta-fogo, que estava do outro lado do salão.

— Acho que não podemos sair por lá — Elis advertiu, apontando para a porta.

— Vamos tentar.

Elas foram em direção à porta e a empurraram, assim que chegaram. Do outro lado havia o estacionamento e elas se deparam com uma garota que beijava descaradamente um rapaz em cima do capô de um carro.

— Desculpe-me. — Esther disse, fechando a porta e voltando para o mesmo lugar.

— Você anda bem inquieta, sabe? — Elis murmurou, assim que Esther terminou de respirar profundamente.

— Você acha?

— Sim!

— Minha mãe também acha. Mas são coisas de suas cabecinhas. — Ela acrescentou, sentando-se nas cadeiras que tinham logo abaixo da arquibancada do ginásio.

— Não não não... Não é hora de desanimar-se! A festa está só começando. — Elis disse, fazendo-a se levantar da cadeira.

— Logo logo o Fogueira estará por aí novamente. — Ela completou, dando-lhe umas pequenas cotoveladas, com aquela carinha de sem-vergonha. 

— Você tem razão. Vamos aproveitar a festa. — Esther falou, estendendo um sorriso. 

Naquele ínterim, o Estevão e sua banda começaram a tocar uma suave música em estilo rock'n'roll.

— Eles começaram! — Elis gritou com empolgação, acenando para eles.

Para uma festinha beneficente de ensino médio, até que estava animada. Fazendo todos esquecerem de seus eventuais problemas e preocupações.

A festa havia realmente levantado o dinheiro da meta anual. A quadra seria reformada.

Era oito e meia da noite e a festa acabara no horário previsto. 

Fogueira não voltara, para a inquietação dela, fazendo-a pensar e formular a ideia de que ele é craque em desaparecimentos.

Elis ia ficar mais um pouco no colégio, queria ajudar seu amigo com a arrumação. Ela sabia mesmo investir em uma pessoa...

— Você tem certeza de que está bem? — Elis a perguntou, enquanto a acompanhava até o carro.

A chuva dera uma trégua, mas o céu ainda estava carregado e o clima frio.

— Sim... Está tudo ótimo comigo. — Esther disse um pouco aérea, enquanto entrava no automóvel. 

— Não esqueça de me m****r uma mensagem quando chegar em sua casa. — Elis pediu, sorrindo e soltando-a um beijo no ar.

— Certo. Até breve. — Esther sorriu ao dizer.

Esther dirigiu por quatro quadras, e para em um posto de combustível.

— Boa noite. A senhora poderia ir mais adiante, na bomba verde, por favor? — Disse o frentista, assim que ela encostou na primeira bomba.

— Você poderia me apontar qual delas, por favor. — Ela pediu, até porque não saberia diferenciar qual delas é a verde.

— Aquela verde, ali. — O homem apontou, com uma cara de nervoso.

— Tudo bem...

Assim que ela parou próximo à bomba, ele pegou a chave do carro e abriu a tampa do tanque, abastecendo-o a partir da informação da quantidade de litros que ela pediu. 

— Pronto! — Ele entregou a chave pela janela. 

— Obrigada.

Já era um pouco tarde, por volta das nove e vinte da noite, e sua mãe já estava ligando-a.

— Já estou chegando. — Esther disse ao atender a ligação no celular.

Elas se falaram por alguns segundos, sobre algumas outras coisas antes de encerrar a chamada.

A chuva começou a cair, ficando mais intensa gradativamente, e passando-a a leve impressão de que não cessaria tão cedo.

Esther diminuiu a velocidade do carro e virou a esquina uma rua antes da avenida principal. Ela estava vazia devido ao pequeno temporal.

Os faróis do carro apresentaram-lhe uma silhueta logo à frente. Com a aproximação, ela percebeu que a pessoa que usava um grande casaco de couro e capuz na cabeça, corria em direção oposta a do carro. 

Assim que a pessoa passou por ela, ela mudou de expressão, recolhendo aquele rosto.

Ela olhou pelo retrovisor, e por um impulso instintivo, pisou no freio rapidamente, parando o carro. 

A pessoa percebeu e também para de correr, caminhando até o carro, e chegando rapidamente a porta do passageiro da frente. A pessoa encostou o rosto no vidro da janela e deu três batidas rápidas no mesmo.

Era o Fogueira...

— Fogueira? Para onde está indo? — Esther perguntou ao abrir o vidro da janela do carro.

— Acho que posso explicar melhor se você me deixar entrar no carro. — Ele respondeu, enquanto ria.

— Ah sim! Claro. Desculpe. — Ela abriu a porta e ele se adentrou rapidamente. 

— Você parou e eu reconheci o carro. Só não tinha certeza que poderia ser você — Ele falou, retirando o casaco e colocando-o sobre o colo.

— Estou indo para casa. Se quiser te levo à sua. — Ela ofereceu carona. 

— Bom. Meu colega me deu cana. — Fogueira disse, ligando o ar condicionado na função aquecedor e colocando as mãos em frente a uma das saídas de ar. 

— Se importa?

— Não. — Ela aumenta a potência do ar, girando o botão. 

— Eu sinto muito, mas sou péssima com gírias. Quando você diz que seu amigo lhe deu cana, o que significa? — Ela completou. 

— Ele simplesmente esqueceu-se de me pegar na festa e me levar para casa. — Ele respondeu.

Fogueira hesitou por um segundo antes de indagar:

— E você, gostou da festa?

— A festa beneficente do colégio? — Ela retrucou, questionando-lhe com mais ênfase, a fim de saber se estavam falando da mesma festa.

— Sim. — Ela respondeu quase que sem abrir a boca. Ele apenas expressou um sorriso em seguida.

— Ótima. — Ela respondeu, puxando todo o volante para o lado e entrando em uma rua.

Eles ficaram em silêncio por alguns segundos. 

— Onde você mora mesmo? — Ela perguntou, assim que iniciou o trajeto para a casa dele.

— Não estou indo para casa. Você poderia me deixar na casa deste meu colega? — Ele retrucou com uma expressão de preocupado.

— Claro. Se eu não estiver fazendo parte de um plano maluco. Por mim tudo bem. — Ela respondeu, enquanto segurava uma risada simples.

Ele riu em concordância.

Esther seguiu as instruções de localização de Fogueira, e dirigiu por ruas afastadas.

O silêncio às vezes reinava por longos minutos, durante um destes momentos de total falta de palavras.

— Pare! — Fogueira exclamou, fazendo Esther frear freneticamente.

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