A amiga de infância

Raphael acordou extremamente cansado naquela manhã de domingo, ele não havia dormido direito e sua avó  o acordou cedo o chamando para tomar café. Ele vestiu a primeira roupa que encontrou dentro de uma de suas malas e se aprontou para descer. Ele estava surrado e precisando de um banho, os pesadelos constantes durante a noite o fizeram suar como se tivsse corrido uma maratona, antes de descer ele tomou um banho quente que não demorou muito e logo foi tomar café.

– O que tem para café vó? – Questionou ele descendo as escadas da casa.

– Na verdade, nada. Gostaria que você fosse a vendinha na cidade para comprar pães e uma carne para o almoço. – Ela respondeu lhe entregando vinte doláres. – Pode fazer isso pra mim?

– Claro vó... O que a senhora precisar.

Raphael subiu novamente, pegou um casaco e as chaves do carro e saiu pela porta da frente. Enquanto saia, notou um pó marrom avermelhado em formato circular na porta da casa, uma coisa que ele não viu no dia anterior. Um formato estranho para sujeira pensou ele, poderia ser o vento que trouxe. Porém não ligou muito e seguiu até seu carro.

Após abrir o portão da casa, Raphael tentou dar partida três vezes em seu Opala SS 1971 e só na terceira ele ligou. Era um carro velho que ele herdou de sua mãe, que herdou de seu falecido marido, que por sua vez herdou de seu avô, era um carro de gerações e agora a mais nova o dirigia. Pela cidade o motor do carro atentava os pedestres, seu barulho era forte porém não indicava que estava ruim, era algo caracterisco desse estilo de carro. Ele passou por restaurentes e pela prefeitura, quando finalmente chegou a vendinha, ela estava fechada e com um papel impresso com algo escrito em sua porta. Ele estacionou seu carro, deixou o motor rodando e desceu do mesmo e foi em direção a porta e o papel dizia.

Prezados cliente, desculpe-nos pelo transtorno.

Como devem saber, sua querida dona, a senhora Cecíl recentemente faleceu. A loja esta sem supervisão e seu neto está arrumando tudo para fecha-la.

Novamente, sentimos muito pelo transtorno.

Atenciosamente, seus funcionarios.

Raphael ficou extremamente encabulado com a situação. A senhora Cecíl era uma velinha banguela que desde pequeno cuidava daquela loja. Quando ele e sua mãe iam lá para comprar algo, Cecíl sempre brincava com ele e lhe dava doces. E novamente ele se culpou, ter saido da cidade e não ter ido no funeral de seu amigo e agora da senhora que ele adorava quando criança. Um sentimento de raiva e tristeza impregnou ele. Raiva de sua mãe por ter levado ele e tristeza por ela e todos da cidade que ele tinha algum laço, terem partido, sem nem ao menos ele dar um adeus. Ele entrou em seu carro e bateu a porta com força assustando alguns pedestres. Ficou dentro dele por alguns minutos antes de acelerar e ir ao mercado que ficava do outro lado da cidade. Ele estacionou novamente em uma das vagas em frente ao mercado e trancou o carro. Esse por sua vez estáva aberto, porém na entrada outro bilhete.

Precisamos de sua ajuda!

Estamos contratando para trabalhar conosco!

Traga seu curriculo até o final da semana e

seus documentos.

– Talvez venha entregar amanhã. – Disse ele baixinho.

No mercado haviam dez caixas porém só três estavam operantes, ‘‘ deve ser por isso o bilhete ‘‘, pensou ele. Comprimentou o guarda do estabelecimento e seguiu em direção a padaria e a sessão de frios. Ele já sabia onde tudo estava, já havia ido varias vezes com seu avô comprar coisas para casa e não durou nem dez minutos desde que entrou ele já estava pagando as mercadorias, passou os dedos dentro de seu bolso pela nota de vinte que sua vó o deu e pegou sua carteira, dela tirou o dinheiro correto do que tinha dado tudo e entregou para a atendente, que o comprimentou.

– Está gostando da cidade? – Perguntou a atendente.

– Sempre gostei. Ela é linda não é mesmo? – Respondeu Raphael.

– Então você é um turista assíduo, não é mesmo?!

– Na verdade eu já morava aqui quando pequeno, agora voltei. Sou neto da Amelia. Conhece?

– Você é o Raphael? Ela me contou que estaria voltando para casa. Que bom, ela se sentia tão sozinha.

– Fofoqueira como sempre ela né?

E os dois riram e se despediram, ele levou as sacolas e a pós no banco de trás, entrou no carro e deu a partida. Dessa vez pegou de primeira, porém fez um barulho de metal batendo, ‘‘ nada bom ‘‘, pensou ele, talvez fosse levar para o mecanico da cidade dar uma olhada.

Na volta parou em frente ao colégio e não viu ninguém, era domingo ele sabia que não teria ninguém, porém a vista parecia um lugar de filme apocaliptico e logo acelerou o carro. Ver novamente o colégio o trazia angústia.

Ele nunca gostou de estudar, porém era um rapaz muito inteligente, suas notas sempre eram as melhores. Mesmo aos desesseis já recebia cartas de faculdades e pulou um ano por conta de seus estudos. Era um pródigio. Porém algo mudou dentro dele quando completou desseseis, não queria mais ir ao colégio e passava o tempo todo com raiva. Acabou se metendo em muita confusão. No colégio foi que sua raiva estourou, agrediu diversos alunos inclusive um professor por conta de uma briga, o que causou na sua expulsão e em sua primeira prisão, ficou detido por três meses no centro de reabilitação para jovens infratores e após sair as coisas só pioraram, se envolveu com amizades erradas e foi preso novamente. Na reabilitação ele ficou mais três mêses e nesses mêses sua mãe havia falécido. E logo veio a primeira culpa, se culpava por não estar lá. Se culpava por não ter ajudado ela quando precisou.

Com sua ida para cidade, Raphael pões em sua cabeça nunca mais se estressar e entrar em confusão e claro, nunca contar para sua avó seu passado, não queria deixar seu único parente triste. Aquela é uma parte de sua vida que pretendia esquecer.

Depois do colégio não parou mais, e foi direto para a casa. Parou o carro na estrada, abriu o portão e entrou na casa. Na varanda ele viu uma bicicleta vermelha encostada no banco e estranhou. Enquanto entrava com o carro ele viu no jardim um moça agachada mexendo nas rosas e lírios, ela se levantou e olhou para seu carro de Raphael enquanto ele entrava, ela estava com um chapeu florido na cabeça igual o que Lia, sua amiga de infancia, usava antigamente.

– Lia? – Perguntou para si, enquanto manobrava o carro.

Desceu do carro e pegou as bolsas no banco de trás e a moça veio em sua direção.

– Bom dia, posso ajudar? – Perguntou ela, tirando o chapéu da cabeça.

– Lia é você? – Perguntou ele com as sacolas em mãos.

– Rafa? Raphael é você?!

– Sim, sou eu!

– Minha nossa ha quanto tempo! – Disse ela lhe dando um abraço forte. – Como você cresceu!

– Você também não é? Fazem dez anos. E o que você ta fazendo por aqui?

– Após a morte de seu avô tenho vindo algumas vezes por semana para fazer companhia para sua avó e cuidar de algumas coisas que a idade dela não permite mais.

– Que bom... É bom ver você.

– Vamos entrar? – Questionou ela apontando com o chapéu em mãos para a casa.

Eles entraram na casa encontrando sua avó na cozinha cozinhando o almoço mesmo na hora do café.

– Vejo que vocês já conversaram. – Disse Amelia se virando para trás, depois de cortar uma batata.

– Sim conversamos na entrada. – Respondeu Lia.

– Conversamos pouco vó. – Disse Raphael atrás de Lia, fazendo um sinal para sua vó em libras e apontando para Lia, dizendo que ela estava linda.

Raphael e sua vó sabiam falar a lingua de sinais, por conta de um acidente que sua mãe sofreu quando ele tinha apenas quatro anos, que a deixou completamente surda. Vó Amelia deu uma risada e Lia ficou sem entender, olhando para os dois, que juntos riram.

– Que foi gente? Fiz algo errado?! – Questionou Lia.

– Nada minha filha, ta tudo bem. – Respondeu Amelia rindo. – Venham, Raphael trouxe o café da manhã, vamos comer.

Enquanto os três se sentavam a mesa a conversa fluía como um rio. Como se os três sempre estivessem estados juntos, como se Raphael nunca tivesse partido. Ela fluiu até um certo ponto.

– Vó, posso lhe perguntar algo? – Perguntou ele entre mordidas em um pão.

– Claro meu filho.

– O que seria aquele pó marrom na entrada da casa?

– É complicado... Ha uma lenda aqui na cidade que cresceu recentemente. Uma lenda sobre um monstro, uma criatura terrivel que mora na floresta e que é afastado por pó de tijolo vermelho.

– Pó de tijolo vermelho? É o que está na entrada? Você acredita na lenda vó?

– Não é que eu acredite por completo, porém de um tempo pra cá vim me questionando isso e Lia também.

– Mas por que a lenda cresceu?

– Recentemente, algumas crianças da cidade estão desaparecendo, a policia cogita um sequestrador. E outras acreditam ser o monstro, como eu. – Disse Lia.

– Por que você acredita Lia? – Indagou Raphael.

E um silêncio reinou sobre a cozinha, as duas ficaram quietas, como se a pergunta tivesse picado elas como uma picada de escorpião.

– Minha irmã... Há um mês atrás minha irmã desapareceu. Eu quero acreditar que foi um monstro, não um desgraçado por ai... – Respondeu Lia levantando da mesa devagar e saindo pela porta da frente.

Um raio cortou o céu criando um barulhento trovão, iria chover a qualquer momento e Raphael entrou em choque. A culpa veio novamente em seu coração. A ideia novamente de ele não estar lá para ajudar Lia trouxe de volta memórias de quando sua mãe tinha morrido. Ele não estava lá quando sua mãe precisou e agora, nem aqui quando a irmã de Lia desapareceu. Como se tivesse sido amaldiçoado e a maldição fosse perder todas as pessoas que ama e não poder fazer nada.

Ele lembrava de quando criança ir na casa de Lia e brincar com sua pequena irmã Kate, que na época tinha três aninhos de idade. Então dez anos depois, com seus treze anos, ela foi levada para longe.

– Vai atrás dela meu filho... – Disse Amelia com os olhos cheios de lágrimas. – Depois que Thomas faleceu, ela ficou muito triste e agora com a perda de sua irmã.., Agora que você voltou, vá lá e conforte ela.

Raphael saiu pela porta da frente a procura de Lia e lá estava ela, no banco de pedra do quintal. Estava frio e goticulas começaram a cair em seus cabelos. Ela estava chorando e ele a entendia perfeitamente. Ele perdeu sua mãe a pouco tempo e não pôde fazer nada a respeito. A frustração de Lia era a mesma que a dele. Ele sabia também que ela gostaria de ficar sozinha assim como ele preferiu ficar. Mesmo assim ele foi até ela e sentou-se ao seu lado, olhou para o alto sentindo as gotas caindo em seus olhos e não disse nada. Apenas observou o céu cinza escuro que se formou acima deles. Por longos minutos lá eles ficaram, embaixo da chuva, sem trocar nenhuma palavra.

– Vamos achar ela. – Disse ele baixinho olhando para o céu.

– O que? – Disse ela entre fungadas.

– Agora eu to aqui, vamos achar ela.

– Mas como, eu rodei os bosques da floresta sozinha e não achei nem um resquício, como vamos achar ela?

– Vamos dar um jeito... Eu sei que vamos.

Lia deu um abraço apertado nele enquanto os dois observavam a chuva que caia. Para eles, aquele um minuto que ficaram abraçados parecia uma eternidade, um leve momento de paz em todo esse caos.

– Vamos entrar? – Perguntou ele. – Você vai ficar resfriada.

– Vamos... – Ela respondeu.

Eles entraram na casa molhados, Amelia já estava esperando os dois com uma toalha.

– Lia vá se trocar no meu quarto, deixei uma camisola para você, é de senhora, mas melhor do que ficar molhada. – Disse Amelia.

– Obrigada Amelia. – Agradeceu ela.

– E você Raphael, vá logo para seu quarto se trocar. Depois desçam os dois para tomar um chocolate quente que estou preparando.

Os dois subiram juntos um para cada lado. No corredor do segundo andar, Raphael disse novamente.

– Eu não estava tentando te confortar viu? Vamos procurar ela juntos, eu te prometo.

– Obrigada... – Disse Lia.

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