Capítulo 5 - Aqui se faz, aqui se paga

Quinhentos reais apenas para falar a verdade. É por isso que sempre gostei de negociar com Sebastian. Assim que ele me soltou fui direto para a cozinha, um pouco mais feliz que o normal. Chegando lá, todos já estavam comendo o lanche que eu havia preparado.

– Poxa... Nem me esperaram. – Fingi estar triste.

– Ah, prima, fica triste não. Se você quiser me transformo em Chama e queimo o Sebastian. – Jogou um olhar assassino pro dito cujo que entrava na cozinha. - Você ficaria feliz?

– A razão me manda mentir, mas a minha vontade me manda dizer a verdade...

– Luiza! – Fui repreendida.

– Desculpa, vó, mas é verdade. Se eu minto, você briga, se eu falo a verdade, você também briga! – Me defendi.

– Luiza, por favor, não comece. – Revirei os olhos.

– Ah, que isso vó. Deixe-a continuar. Como você pode impedi-la de concorrer ao Oscar como melodrama do ano? – E mais uma vez Sebastian colocando lenha no fogo.

– Vou ignorar você novamente. – Avisei.

– Você tenta. – Sussurrou ao pé do meu ouvido, por trás de mim - Mas só tenta, porque não consegue. - Após terminar a frase me deu um tapa na bunda e saiu andando.

– TÁ SE DROGANDO GAROTO? PERDEU O JUÍZO? QUER MORRER? – Gritei

– Por quê? O que você pretende fazer? Vai falar com seus amiguinhos donos da boca de fumo? – Perguntou.

– Desculpa, não frequento os mesmos lugares que você!

– E quem te falou que eu frequento?

– Como se alguém precisasse me dizer. Você já tem cara de zé droguinha. – falei.

– SEGURA ELE! – Foi a última coisa que ouvi gritarem antes de ver uma pessoa pulando em cima de mim e apertando meu pescoço.

– Agora você morre! Nem que eu vá pra cadeia, mas eu mato você antes disso! Se eu fizer isso, posso ir até pro quinto dos infernos, mas vou feliz. – Todos tentavam tirá-lo de cima de mim, mas Sebastian era pesado.

Por fim, quando meus últimos suspiros de vida estavam se acabando, conseguiram me salvar. Dei graças a Deus por ainda estar viva. Respirei fundo para poder compensar a falta de ar e me levantei. Fui até a gaveta onde se encontravam os talheres e tirei de lá um facão de cortar carne.

– Não deixem ele fugir!!! - Comecei a correr atrás dele. – Vem cá seu, desgraçado! Vou cortar seu pinto!!!

– Vai, prima, pega ele! Mostra pra ele quem manda! – Ouvia o Biel gritar enquanto eu corria.

– Luiza, larga essa faca! Assim alguém pode se machucar! – Vovó gritava desesperada.

– E você ainda não percebeu que essa é a intenção dela? – Sebastian dizia.

– Parece que você não é tão burro quanto parece. Pelo menos já sabe o que vai acontecer aqui.

– É. Pode-se dizer que sou capaz de perceber o óbvio quando vejo uma maníaca correr atrás de mim com uma faca.

– Marcelo, segura sua neta!

– Agora é minha neta, né, Helena?

– Segura não, vô. Deixa a Lu matar ele! – E enquanto o povo discutia sobre salvar ou não a vida de Sebastian, eu continuava correndo atrás dele. Agora estávamos ao redor da mesa. Já disse como odeio mesas? Elas nos impedem de alcançar nossa caça. Dá a oportunidade de fuga a ela.

– Você também é um baba ovo do cacete, hein. – Dirigiu a palavra ao primo mais novo. - O que você fez pra deixar o moleque perturbado assim? – Fez menção com a cabeça na direção do Biel.

– Ele só precisava saber que nem tudo é como ele quer.

– Eu tenho outra hipótese. Você sequestrou a Eliza e tá fazendo chantagem com o garoto. –Mostrei o dedo do meio. Não era de recorrer a baixaria, mas eu já discutia com ele todos os dias, então acho que do fundo do poço a gente não passa. – Assim não vai receber dinheiro nenhum.

– Você sabe que eu posso muito bem chegar pro corno do namorado da Bia e contar tudo pra ele. – Ameacei. – E se ele quisesse te comer na porrada, o campus toda ia ficar sabendo. Consequentemente, suas pirainhas também tomariam conhecimento disso. Finalmente caindo em si e descobrindo que tudo o que você diz, não passa de mentira.

– Cof cof. – Pigarrearam. – Acho que eu não precisava saber disso. – Falou vovó.

– Ele só quer comer as garotinhas, isso não é novidade pra ninguém. – Falei. – Quero ver se pegar uma DST.

– Eu uso camisinha.

– Na hora do boquete não! – Pense numa cena em que todos pararam o que estavam fazendo e olharam pra uma pessoa, como se ela fosse a culpada. Foi o que aconteceu. Todos os olhos se voltaram para meu priminho.

– Biel, onde você aprendeu isso? – Perguntei.

– Ouvi a mamãe falando com a titia. – Devia ser a mãe do Sebastian. Só ela sabia essas coisas sobre o filho. - Elas não me viram enquanto eu ouvia a conversa, porque eu era o fantasmático.

– HAHAHAHA, não se preocupe! Seu primo é brocha mesmo.

– Como você sabe? Nunca te comi pra tu falar isso. – Falou.

– Não preciso que você me coma, ou melhor... Tente! As garotas que você deixou frustradas, falam por si só.

– Deve ser por isso que elas sempre pedem mais...  

– Jura? Pensei que fosse o gravador que você colocou na sua boneca inflável, gemendo por elas.  

– Vai se foder garota!

– Tá vendo? Depois quer falar de mim.

– Tem razão. A culpa é sempre do Sebastian! Tudo é o Sebastian. – Ele reclamou.

– Pois é, por que será? Esse povo injustiça as pessoas só por tentarem enforcar os outros, né? Que absurdo. – Falei irônica.

– Pelo menos eles não correm atrás das pessoas com uma faca! A chance de morte é muito maior.

– Olha o que você tá falando, garoto. E a maioria das pessoas só corre com facas na mão, quando acabam de escapar de uma morte por enforcamento.

– Maioria? Que seja... – Revirou os olhos. – Ela não inclui você mesmo!

– Pelo menos não sou eu que tento enforcar as pessoas sem motivo! – Retruquei.

– Sem motivo? – Perguntou indignado.

– É! Sem motivo.

– Tem razão! Mas agora você já me deu muitos. Posso te matar com razão agora?

– O que você acha? – Indaguei.

– Bate nele prima! – Biel falou.

– Fica na tua, cheira rabo.

– Fica você na tua... Seu brocha! – Gritou e saiu da sala.

– HAHAHAHAHAHHAHAHAHAHAHAHA, viu? Até ele sabe da verdade que você não quer admitir.

– Ele nem sabe o que é brocha! – Tentou se defender.

– Mas você sabe o que é. – Retruquei.

– BRUXA! É impossível alguém transformar um garoto atentado num baba ovo como ele apenas com um discurso poético!

– Não vou ficar aqui aturando vocês. Quando se resolverem, voltamos a conversar. – Vovó disse e saiu da sala junto com vovô.

– Agora somos só nós dois. – Falou.

– Agora é matar ou morrer.

– Exatamente! – Concordou.

Saiu ao redor da mesa e correu na minha direção, avançando em cima de mim. Pegou a faca com autoridade e a jogou em algum canto. Então começamos a “lutar“. Ele tentava me imobilizar, enquanto eu me debatia descontroladamente. Tentei dar um chute em suas bolas, mas ele percebeu e evitou que isso acontecesse. Sebastian me deu uma rasteira que me deixou no chão. A queda foi tão forte que bati com a cabeça. Ele tentou me enforcar novamente, mas segurei em seus cabelos e comecei a puxá-los até que me soltasse ou que eu finalmente morresse.

Começamos a rolar no chão, até que parei em cima dele. Bati em tudo o que vi pela frente, sendo Sebastian ou não, o golpeado. Já estava ficando com as mãos doloridas e fui cedendo aos poucos. Nessa hora ele se levantou, trocando nossas posições. Eu que antes estava por cima, agora me encontrava no chão, com as pernas em sua cintura, e ele que antes estava imobilizado, agora se encontrava de joelhos à minha frente, segurando meus braços no chão.

Pode-se dizer que aquela posição era um tanto... estranha para duas pessoas que queriam se matar. Eu que já estava ofegante, comecei a ofegar ainda mais. Então ouvimos alguém falar:

– Mas o que é isso aqui? – Olhamos para o homem parado na porta. Era o pai de Sebastian. Ele tinha voltado pro Brasil uma semana antes e conseguia ser mais irritante que o próprio filho. – Tão novos e já estão assim? Não imaginava que você fosse um santo, mas comer sua prima no meio da sala da sua avó...

– Entenda como quiser. – O dito cujo se transformou. Suas feições, seu comportamento e sua entonação haviam mudado. Ele se levantou e em momento algum olhou para o pai.

– Nossa, filho, pensei que você teria um gosto melhor para escolher as garotas! – Falou enquanto tirava o sobretudo e se jogava no sofá.

– Vai à merda Márcio. – Falei me levantando.

– E vejo que ainda por cima é desbocada.

– Só sou desbocada com quem merece. Agora já sei a quem Sebastian puxou. – Retruquei.

– Não me compare a ele! – Disse. – Agora se vocês me dão licença, vou para minha casa. – Nunca imaginei que o ódio que ele sentia pelo pai fosse tão sério.

– Ótimo, preciso descansar. Agora, vai pegar uma latinha de cerveja pro seu tio, vai? – Ordenou pra mim. Olhei pra ele com a maior cara de bunda da história esperando que ele se mancasse.

– Olha a minha cara de quem vai fazer isso. – Apontei para o meu rosto.

– Lu, posso falar com você? – Vovó apareceu na sala, interrompendo a discussão.

– Claro. – sorri e a segui. Quando chegamos à cozinha, ela parou.

– É o seguinte, Eliza não vai poder buscar o Biel hoje, só amanhã. Tem como ele dormir no seu quarto? Ele já está morrendo de sono.

– Tudo bem. Eu vou na frente pra ajeitar a cama para ele. – Avisei e fui para o segundo andar. Eu tinha uma bicama, o que ajudava muito sempre que recebíamos algum parente distante ou até mesmo alguma visita que tivesse que dormir em nossa casa, como no caso do Gabriel.

Ajeitei tudo e alguns minutos depois vovô apareceu na porta com ele no colo, já dormindo. Colocou-o na cama de cima, e saiu do quarto. Ele dormia como um anjo. Ninguém poderia imaginar que uma criança dessas arrumaria tantos problemas...

(...)

Acordei sentindo meus órgãos serem esmagados. Na verdade, isso quando eu consegui dormir, porque tava difícil. Além da cama ficar balançando a noite inteira, a criança também roncava. Quando achei que finalmente conseguiria dormir, lá estava ele, esmagando tudo o que podia. O ruim das bicamas é isso. Se por acaso a pessoa que está em cima cair, o acidentado vai ser quem estiver embaixo. Foi o que aconteceu comigo.

– Ai ai ai ai ai... – reclamei e me levantei antes que fosse agredida novamente. Voltar a dormir seria impossível.

Tomei um banho, arrumei as coisas pra ir pra faculdade e desci para tomar café. Não sabia se Márcio estaria lá, afinal, depois que colocamos Biel na cama, não saí mais do quarto. Ao menos quando cheguei à cozinha não o vi.

– Cadê o pai dele? – Perguntei.

– Dele quem? – Vovó parecia confusa.

– Daquela coisa que vocês chamam de neto. – Expliquei.

– Ah. Ele foi pra casa dele!

– Não creio que ele está no mesmo recinto que Sebastian e ainda continua vivo.

– Bom, eu disse que ele está lá, agora, se está morto ou vivo, já não é um problema meu. – Falou.

– O que ele veio fazer aqui? – Indaguei.

– Logo você saberá. – Um medo bateu em mim naquele momento. Ele voltar para casa e ainda por cima esconderem o motivo não era um bom sinal.

– Preciso ir! – Disse pegando um pedaço de pão. – Será que o vovô me leva na faculdade?

– Leva sim. É só falar com ele.

– Ok. Beijinhos, vó. – Me despedi e fui procurar pelo vovô.

Ele estava regando as plantas do jardim quando o encontrei.

– Bom dia, vô, o senhor pode me levar na faculdade? – Perguntei.

– Claro que sim, querida. Deixe-me apenas pegar as chaves do carro.

Avô falando “deixe-me apenas pegar as chaves do carro“= morrer esperando.

– Deixa que eu pego. – Não podia chegar atrasada. Não hoje que tinha que resolver o problema daquele inútil.

Voltei em casa e comecei a procurar as chaves.

– Procurando isso aqui? – Olhei para trás e vi Sebastian balançando o molho.

– Me dá! – Fui correndo buscar.

– Não! – Desviou.

Respirei fundo e falei de uma vez:

– Olha, não vamos brigar agora, pode ser? Ainda tá cedo e eu não quero chegar atrasada na faculdade, porque ainda tenho que falar com a sua peguete. Então me passa logo as chaves, fazendo o favor. – Fiquei surpresa pelo fato dele ter entregado sem protestar, mas antes que eu pudesse sair, ele me segurou pelo pulso e me puxou para si.

– Se alguma coisa sair errado... Acredite, eu terei pena de você. – Ameaçou.

– Isso é uma ameaça? – Perguntei incrédula.

– Entenda como quiser. – Soltou meu braço.

– Engraçadinho você, faz as merdas, eu conserto pra você, e ainda me ameaça se alguma coisa sair errado? Por que não morre? Seria mais fácil pra todo mundo. – Disse enquanto ia em direção à porta.

Ele deu um sorriso torto e falou:

– Não te daria esse prazer. Não é de o meu feitio te fazer feliz.

ARGH, como eu o odeio! Bati a porta com força e fui em direção ao carro.

– Vamos! – Chamei meu avô.

Até que a ida foi bem tranquila. Meu avô era o tipo de pessoa que só sentia vontade de falar quando estava com vovó. Fora isso, só abria a boca para falar o necessário. Cheguei à faculdade cedo, como eu esperava. Despedi-me do vovô e comecei a procurar Estela.

Sério, onde aquela garota se enfiou? Às vezes acho que ela tem alguma habilidade de se enfiar em becos, porque andei praticamente pelo campus todo e não consegui encontrá-la. Queria falar com ela antes que decidisse conversar com a Bia. Já tinha desistido de procurá-la. A faculdade era enorme e eu estava parecendo uma idiota de tanto rodar aquilo ali. Sentei num banco qualquer e fechei os olhos para tentar relaxar.

– LUIZAAAAAAAAAAAAAAAA! – Ouvi uma voz fininha. De quem mais poderia ser?

Respirei fundo e com a maior cara de assassina que tinha falei entre dentes:

– Não-grita-o-meu-nome... – Odiava quando as pessoas gritavam meu nome. Ninguém é obrigado a saber como me chamo. Aí aparece um doente qualquer e espalha aos quatro ventos. Sebastian fazia muito isso e sempre em lugares que falar alto é falta de educação: bancos, hospitais, empresas, cinema, shopping.

– Desculpa, desculpa, é que eu quero saber o que aconteceu no sábado! – Disse se sentando ao meu lado.

– Nada demais. Aquele traste só chegou em casa nu e, se não me engano, vi as luzinhas do carro de polícia ligado em frente a nossa casa.

– Sério? Tem certeza?

– Absoluta. – Não me aguentei, tive que rir. Mas para a alegria de uns e tristeza de outros, meu celular despertou e tivemos que subir para a aula.

– E aí, Luiza, estudou para a prova? - Pedro, um garoto quase tão inteligente quanto eu, perguntou.

– Pera aí, TEM PROVA HOJE? - Como assim???

– Ué, tem... Sebastian não te avisou? Ele disse que ia falar pra você. O professor avisou semana passada, no dia que você saiu mais cedo.

– Eu saí algum dia mais cedo? – Juro que não me lembrava.

– Sim! Se não me engano, na quarta.

– Ah sim, agora eu lembro. Tive que resolver um problema pra minha avó. Mas como assim hoje tem prova? Não, isso não pode!

– Pior que pode Lu, ele avisou... – Estela pela primeira vez havia se pronunciado.

– Eu não acredito que ninguém me contou! Pior, eu não acredito que vocês acharam mesmo que a praga do Sebastian avisaria pra mim!

Os dois abaixaram a cabeça e falaram ao mesmo tempo:

– Desculpa, Luiza.

– Eu devia matar vocês dois, isso sim!

– Bom dia, bom dia. – O professor entrou na sala. – Todos aos seus lugares. A prova é bem extensa, então quanto mais tempo vocês perderem, pior. – Pior do que já está não pode ficar. Pensei. Ah, mas eu não sabia como estava equivocada.

Recebi a prova e fui olhando folha por folha para ter uma noção do que eu enfrentaria nas próximas 2 horas. A prova tinha 6 páginas frente e verso, com 50 questões, sendo 60% múltipla escolha. Depois de constatar esses fatos só consegui pensar em uma coisa: que Deus tivesse piedade da alma de Sebastian, porque eu não ia ter.

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