Dia difícil

Cheguei na escola junto com Théo e Bia. Ele precisou comparecer a secretaria e então eu fui para a sala com Bia. No caminho fomos interceptadas por Sue.

Ela me jogou contra a parede e apertou meu pescoço com o braço. Bia foi segurada pelas outras duas.

- Acha que você e o novato vão se safar? Não vai demorar para terminar a minha detenção e eu pego os dois! Sua louca. Demente!

- Me deixa em paz! Só o que eu quero é que me deixe em paz!

- Ain ela quer que a deixemos em paz...o que acham meninas?

-Hahahahah!

Ela me soltou e eu olhei Bia nos olhos. Então corri para o banheiro. Me tranquei em uma das cabines. Eu podia sentir a crise de pânico vindo.

Era uma sensação conhecida. Era horrível. Esqueci de tudo e todos. Era inesplicável o que eu sentia. Minhas mãos suavam, minha pele esquentava. Tontura, enjoos. Só queria sumir, apodrecer em algum canto escuro. Melhor, queria nunca ter existido. Nunca ter nascido. Olhava ao meu redor, imaginando como poderia ser o mundo sem mim. Uma imagem no meu celular me mostrava quando ainda era feliz e não precisava botar um sorriso falso no rosto para convencer a sociedade. Abro minha bolsa, e lá eu encontro a minha amiga. A única que se importa comigo nesse momento. Minha lâmina. Imagino os cortes no meu braço, o sangue descendo. Vários cortes, não um só. Como se fosse um trilho de trem, com seus dormentes.

Sou retirada de meu transe por uma batida na porta.

- Vai embora!

- Mell, sou eu Théo.

- Vai embora Théo!

- Abre a porta por favor.

- Eu não vou abrir. O que você quer?

- Não ligue para ela. É uma estúpida.

- Eu sei que ela é.

- Então, abra a porta.

- Não.

- Você quem sabe.

Fez silêncio do outro lado, então eu ouvi a porta da cabine ao lado da minha abrindo. Do nada Théo pulou a divisória, quase caindo em cima de mim. Eu sorri disfarçadamente.

- O que foi? Por que se trancou aqui?

- Não quero falar disso.

- Respeito seu espaço.

Então ele desceu os olhos até a lâmina que ainda estava em minhas mãos.

- Você ia fazer de novo? Ia tentar se matar?

- Não quero falar sobre isso, já disse.

- Por que não?

- É uma situação difícil.

- Imagino.

- Você não tem noção.

Começo a chorar e ele me dá um abraço. Me sinto flutuar, vejo aquela sensação ruim de momentos antes desaparecer. Ergo a cabeça e vejo dentro dos olhos verdes dele. Posso me enxergar na sua íris. Nossos rostos se aproximam. Eu quero beija-lo. Nossos lábios chegam bem próximos. Lembro de quando terminei com Tony  e me afasto.

- O que houve?

- Você não vai entender.

- Se você me explicar eu entendo. Já passei por um monte de coisas.

- Não pelo que eu passo.

Bia bate na porta. Salva pelo gongo.

- Tá tudo bem aí?

- Tá sim Bia. Melhor a gente sair Mell.

Ele abriu a porta e nós saímos.

Fiquei aliviada de não ter que estender o assunto. Mas eu sabia que ele ia insistir. Eu via nos olhos dele.

A sensação de estar próximo a ele me deixou desnorteada. Eu queria beija-lo, me sentia como em um porto seguro quando ele estava próximo. Sentia as borboletas no estômago, mas eu não queria me envolver. Apesar de o conhecer a tão pouco tempo, percebi que o que eu sentia por ele era muito mais forte e intenso do que o que eu um dia senti por Tony. Mas ele me magoou. No início era exatamente igual ao Théo. Cuidadoso e atencioso. Me apoiava e cuidava de mim durante as minhas crises. Depois começou a perder a paciência. Apesar de que a simples presença de Theodore, espantava a agonia das crises de pânico. Mas eu não precisava de um namorado agora. E eu não queria um.

Bia ficou em silêncio até chegarmos a sala de aula. Ela nos olhava com um sorrisinho nos lábios.

- O que foi Bianca?

- Nada Theodore.

- Nada?

- Nada.

- Então me explique esse sorrisinho ridículo na sua cara.

- Sorrisinho? Que sorrisinho?

- Eu tô...

A professora de artes entrou na sala e paramos a conversa.

- Hoje vamos falar sobre teatro. Formem duplas. Precisa ser um rapaz e uma garota. Vamos estudar sobre a história do teatro e vocês farão uma apresentação no mês que vem. Isso será um teste, para saber qual será a peça de fim de ano. O casal que melhor se desempenhar será o casal protagonista. E a peça será a mesma que for apresentada por eles em sala de aula. Vale de zero a dez. E é obrigatória para todos os alunos. Vocês só precisarão fazer uma cena. Escolham suas duplas.

Na mesma hora Théo pegou na minha mão. Eu olhei para nossas mãos unidas.

- Dupla Mell?

- Feito.

Um garoto veio até Bia e ela aceitou. A sala ficou barulhenta durante alguns minutos até todos escolherem suas duplas.

- Pronto? Todos têm duplas? Cloe?

- Vou fazer dupla com o Dave, ele não veio hoje.

- Certo. Quero que se organizem para escolher a cena. Quero que no final da aula todos já tenham escolhido. Lembrem-se que será necessário o figurino. Mas antes vou passar um texto que fala sobre a história do teatro. Peguem uma folha e passem as outras para trás.

Quando as folhas chegaram em mim peguei a minha e a do Théo depois passei as outras adiante. Comecei a ler o texto.

          O teatro no Brasilsurgiu no século XVI, tendo como motivo a propagação da féreligiosa. Dentre uns poucos autores, destacou-se o padre José de Anchieta, que escreveu alguns autos (antiga composição teatral) que visavam a catequização dos indígenas, bem como a integração entre portugueses, índios e espanhóis.Exemplo disso é o Auto de São Lourenço, escrito em tupi-guarani, português e espanhol.Um hiato de dois séculos separa a atividade teatral jesuítica da continuidade e desenvolvimento do teatro no Brasil. Isso porque, durante os séculos XVII e XVIII, o país esteve envolvido com seu processo de colonização (enquanto colónia de Portugal) e em batalhas de defesa do território colonial. 

                         Foi a transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, que trouxe inegável progresso para o teatro, consolidado pela Independência, em 1822. O ator João Caetanoestimulou a formação dos atores brasileiros e valorizou o seu trabalho e formou, em 1833, uma companhia brasileira. Seu nome está vinculado a dois acontecimentos fundamentais da história da dramaturgia nacional: a estreia, em 13 de março de 1838, da peça Antônio José ou O Poeta e a Inquisição, de autoria de Gonçalves de Magalhães, a primeira tragédia escrita por um brasileiro e a única de assunto nacional; e, em 4 de outubro de 1838, a estreia da peça O Juiz de Paz na Roça, de autoria de Martins Pena, chamado na época de o "Molière brasileiro", que abriu o filão da comédia de costumes, o gênero mais característico da tradição cênica brasileira. Gonçalves de Magalhães, ao voltar da Europaem 1867, introduziu no Brasil a influência romântica, que iria nortear escritores, poetas e dramaturgos. Gonçalves Dias(poeta romântico) é um dos mais representativos autores dessa época, e sua peça Leonor de Mendonça teve altos méritos, sendo até hoje representada. Alguns romancistas, como Machado de Assis, Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar, e poetas como Álvares de Azevedo e Castro Alves, também escreveram peças teatrais no século XIX.

                       O século XXdespontou com um sólido teatro de variedades, mescla do varietéfrancês e das revistasportuguesas. As companhias estrangeiras continuavam a vir ao Brasil, com suas encenações trágicas e suas óperas bem ao gosto refinado da burguesia. O teatro ainda não recebera as influências dos movimentos modernos que pululavam na Europa desde fins do século anterior.Os ecos da modernidade chegaram ao teatro brasileiro na obra de Oswald de Andrade, produzida toda na década de 1930, com destaque para O Rei da Vela, só encenada na década de 1960 por José Celso Martinez Corrêa. É a partir da encenação de Vestido de Noiva, de Nélson Rodrigues, que nasce o moderno teatro brasileiro, não somente do ponto-de-vista da dramaturgia, mas também da encenação, e em pleno Estado Novo.Surgiram grupos e companhias estáveis de repertório. Os mais significativos, a partir da década de 1940, foram: Os Comediantes, o TBC, o Teatro Oficina, o Teatro de Arena, o Teatro dos Sete, a Companhia Celi-Autran-Carrero, entre outros.

                     Quando tudo parecia ir bem com o teatro brasileiro, a ditadura militar veio impor a censura prévia a autores e encenadores, levando o teatro a um retrocesso produtivo, mas não criativo. Prova disso é que nunca houve tantos dramaturgos atuando simultaneamente.Com o fim do regime militar, no início da década de 1980, o teatro tentou recobrar seus rumos e estabelecer novas diretrizes. Surgiram grupos e movimentos de estímulo a uma nova dramaturgia.

Nós espetáculos, a platéia costumava vir a cavalo, e como ficavam muitos animais na frente do teatro, também ficava muitas fezes. Então ficou comum nos bastidores, ao invés de se desejar sorte aos artistas, desejar "merda", porque se ouvesse muita merda de cavalo, o show seria um sucesso, pois haveria muita gente.

Terminei o texto ao mesmo tempo que o sinal tocava.

Saímos da sala e no corredor demos de cara com Sue.

- E aí gringo idiota? Acha que eu esqueci que me denunciou?

- Sou mais brasileiro que você. Agora saia da nossa frente.

- Não vou sair.

- Algum problema senhorita Clark?

- Nenhum diretora.

- Que bom. Então você já pode ir para a sua detenção.

- Já estou indo.

Ela saiu acompanhada das amigas.

- Ela continua te incomodando senhor Miller?

- A mim ela não incomoda, mas Mell sofre muito com isso.

- Ah, Mellany Alves...sei.

Ela saiu e Théo torceu o nariz para mim.

- O que houve aqui?

- Não é nada.

- Ela acha que Mell gosta de chamar a atenção.

- Bia!

- Ela chegou a dizer que Mellany tomou os comprimidos da outra vez para fugir das provas.

- Comprimidos?

- Sim. Da outra vez que a Mell tentou se matar.

- Bia! Cala a boca!

- O que eu disse de errado?

- É Mellany, o que ela disse de errado? Que seus pulsos não foram a primeira tentativa para se matar?

- Isso não é da sua conta!

- Realmente não é. Mas eu me importo.

- Quer saber Théo? Me deixa! Me deixa tá bom?

Sai correndo. Não queria que ele me visse daquele jeito. Quando cheguei em casa já me sentia um nada. Fui para o meu quarto e me tranquei lá. Peguei meu celular e comecei a pesquisar formas de me matar. Eu não queria mais viver. Nada podia me manter viva. Nem Théo. Era estranho que de repente alguém se importasse tanto.

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