Ela cresceu...aquela menininha se foi.

Miguel

Eu a observo em secreto. Há algo diferente nela, reparei nisso desde que eu coloquei os meus olhos na sua linda figura. 

Ela cresceu...aquela menininha se foi.  Não parece mais a garota que vivia atrás de mim na fazenda e que eu sabia tudo sobre sua vida e ela da minha. Meus olhos descem para seu colo branquinho e o formato de seus seios evidenciados pela camisa um pouco justa que ela usa. Firmes, no tamanho exato para caber na palma da minha mão.

Minha respiração se intensifica, meu coração se agita no peito e uma onda de culpa me aperta então o estômago. Com dificuldade desvio meus olhos dela.

Foi um baque quando a reconheci na rodoviária. Ela ainda tem em seu rosto aquela docilidade de tempos atrás e que tanto me atrai. Quando seus olhos azuis, os mais lindos que eu já vi na vida, marcados hoje com a leve maquiagem pousaram em mim, eu não pensei em mais além da grande vontade de beijar seus lábios cheios e delicados.

Na hora me repreendi.

Ver a jovem Laura surtiu o efeito de fogo me queimando.

Forte demais.

 Devastador.

Quase incontrolável.

Se ela pudesse ler meus pensamentos, eu estaria ferrado.

Dios! Não posso permitir que meu desejo me domine. Tenho que conter esse reboliço, extinguir essa chama.

A imagem dela ainda está fresca na minha cabeça a forma como ela se mexeu desconfortavelmente no banco da rodoviária, a como colocou atrás de sua orelha a mecha loira que estava sobre seu rosto.

Eu não posso alimentar nada por ela. Digo a mim mesmo novamente.

Aperto com excessiva força o volante.

Minha geração passou anos e mais anos servindo a família Graham. Além de tudo, eu sempre ouvi direto a conversa de Mark Graham, o pai de Laura, com os pais de John Reynolds. A vontade deles é unir as famílias.

John é um playboy boa pinta, cinco anos mais novo que eu. O sonho dessa união é coisa antiga. Tudo porque o lago pedra Alta está secando e futuramente teremos que usar o rio que pertence à família de John para dar de beber ao gado. Com essa união se unificaria as duas propriedades e seria extremamente vantajoso para a família Graham. Além disso, John é considerado pelo senhor Graham, um homem cheio de virtudes. O cara estudou agronomia e o diabo a quatro.

Quem era Miguel Álvares, se não um simples capataz, que estudou até o primário em relação a esse cara?

Não, definitivamente, Laura não é para mim... por isso, quero me manter distante dela. Para que ela definitivamente se afaste. Que pense que sou um ignorante, um cara insensível, um bruto.  Laura é humana demais, aliás, como a família dela. Eles nos tratam como se fôssemos da família, se eu não colocar limites, eu perderei a cabeça e sairei machucado nessa história.

Laura

Observei Miguel, ele está pensativo. Ele não me dirigiu a palavra durante o restante do caminho, e como ele mal responde o que pergunto, então desisti de tentar conversar.

Às dez e quarenta e cinco entramos na propriedade. Eu suspiro em alívio.

Seguindo por um caminho estreito de paralelepípedos, finalmente a camionete alcançou um bolsão em frente à casa principal que é imponte, bem alta, revestida de pedras em alguns lugares em outros pintados de branco, seu telhado cinza lhe dá uma aparência magnífica. Como eu amo esse lugar!

—Aqui estamos, bem-vinda a fazenda Pedra Alta. —Ele diz sério me olhando por um tempo, então sai do carro.

Ele abre a porta para mim.

Até que enfim vejo algum cavalheirismo em seu gesto. Eu desço da caminhonete e  logo vejo meu pai saindo do interior da casa,  e depois surge Maria.

Meu pai agradece a Miguel afetuosamente. Depois caminha em minha direção, eu encurto a distância também me aproximando dele.

— Laura, minha filha! —Ele exclama com voz emocionada. — É tão bom ver você!

Eu também fico emocionada. É sempre assim quando nos revemos. Ele me toma nos braços e eu o envolvo com os meus num aperto forte, apoiando a cabeça no seu ombro forte, cheirando tabaco e sabonete.

— É bom ver você também. — Respondo ainda emocionada, enquanto ele se afasta para me olhar melhor.

— Vem filha. Vamos falar com Maria.

Ele me conduz até onde Maria me espera ao lado de Miguel. Este, está calado ao lado dela apenas observando toda a cena.

Maria é uma mulher magra, com a tez bronzeada, os cabelos negros brilhantes são pintados. Ela detesta demonstrar a idade que tem.

— Laura querida. Que saudades.

Maria me abraça apertado, me dando um beijo no rosto. Me afasta para me olhar.

—Está mais linda do que antes.

—Obrigada.

Papai sempre viaja com Vitor para me ver, acompanhando meu desenvolvimento, mas Maria e Miguel não. Já faz um ano que não nos vemos. Desde as minhas últimas férias.

 Miguel então, nesse tempo todo, em três anos, só me viu de longe. Minha mãe tinha morrido há pouco tempo na época e eu fiquei mais com meu pai.

— Venha, vamos entrar — Maria coloca um braço no meu ombro para me conduzir para dentro da casa.

Miguel se dirige ao carro para pegar minha mala.

— Onde está Vitor? —Pergunto, olhando o interior da casa.

—Vitor está para chegar. Ele não vê a hora de te ver, mas ele está separando o gado. Eu estava até agora com ele. Só voltei para cá, pois eu sabia que você já estava para chegar. —Meu pai diz com um sorriso bonachão.

Miguel passa por nós e vai direto para o corredor com minha mala na mão. Meu pai se senta no grande sofá florido da enorme sala confortável, em frente à uma linda lareira branca. Tapete grande da cor bege e um lustre enorme pende no centro da sala.

 Ele bate no lugar a seu lado, me convidando para eu me sentar com ele, mas antes que eu o fizesse, Miguel surge na sala e logo em seguida Vitor do outro lado.

—E aí, maninha! Enfim, de volta ao lar.

Eu sorrio e corro até ele, me atirando em seus braços. Ele retribui me abraçando apertado e rodopiando comigo na sala.

—Vitor, que saudade.

Ele me afasta.

—Ficará esse ano inteiro conosco?

Eu procuro meu pai com os olhos. Eu não sei que planos meu pai tem para mim. Se eu ficarei o ano ou apenas o semestre.

—Não sei. Ainda eu e papai não falamos a respeito disso. Tia Susan me disse que era para eu resolver com ele. As portas estarão sempre abertas para mim.

—Filha sente-se aqui. —Meu pai pede, me indicando o lugar novamente. —Vitor, ela acabou de chegar e você já está falando de ela ir embora?

Eu me sento ao lado dele e procuro com os olhos Miguel. Ele pega um suco gelado que Maria oferece para ele. Agora ela vem com a bandeja na minha direção. Eu pego o copo do suco dizendo:

—Não tenho pressa nenhuma para ir embora.

—Vamos matar a saudade. —Meu pai diz satisfeito.

Bebericando devagar a bebida gelada, ergo meus olhos procurando os de Miguel, mas ele se vira e deixa a sala. Vitor se senta ao meu lado.

—E tia Susan? Está bem?

Tia Susan era solteira por opção. Irmã de nossa falecida mãe.

—Está bem. Ela é aquele jeitão que conhecemos. Aposentada, levanta tarde, come fora dos horários, e eu só não peguei o ritmo dela por causa da escola.

Fico um bom tempo conversando com papai e Vitor, até a hora que Maria nos chama para o almoço.

Eu me sinto cansada, e nem tanto por causa da viagem em si, mas pelo clima tenso que eu passei com Miguel. Não consegui relaxar nem um pouco com ele.

Na sala de jantar percebo que a mesa está arrumada para cinco pessoas.

—Maria, você chamou Miguel para almoçar conosco? Hoje quero que vocês participem conosco.

—Sim. Ele já está vindo. Olha ele aí.

Miguel surge na sala quando eu ocupo meu lugar. Todos se sentam ao redor da mesa. Miguel ocupa um lugar à minha frente.

Afasto um instante os sentimentos ruins em relação a ele e como calada a lasanha que Maria fez e que está uma delícia.

Miguel me atrai, isso é claro. Na verdade, ele sempre me atraiu, mas antes de um jeito diferente. Hoje meus sentimentos mudaram, antes eu o olhava como uma criança que gostava do rapaz mais velho, um amigo de todas as horas. Hoje...Deus! Ele...me tira o fôlego. Procuro seus olhos, ele não olha para mim e está concentrado na comida, não me permitindo fazer a leitura desse novo homem. Antes ele era um doce de pessoa, agora ele está tão amargo...

Lembro-me da minha adolescência com Miguel. Quando fiz onze anos começamos uma amizade que durou até os quatorze anos, então eu fui mandada a casa de minha tia para estudar. Até então eu vivia atrás dele. Literalmente eu o perseguia.

 Eu adorava conversar com ele sobre o gado, sobre a fazenda. No começo ele ficava incomodado, mas quando viu minha persistência mesmo com seus protestos para eu me afastar dele, sucumbiu à constatação que não adiantava me expulsar de sua vida.

Depois de chegarmos a um acordo com isso, ele ficou bem. – Eu só podia conversar com ele à tardinha, quando ele finalizasse seu trabalho. Então para mim, esse jeito hostil dele é algo inusitado. Sinceramente, eu não esperava, pois nem com meu irmão, eu tive tanta intimidade e conversei sobre tantas coisas como com Miguel. Mesmo porque, meu irmão na época estudava fora, como eu.

Tento entender seu jeito arredio.

Puxa! Ele me tratou como uma estranha. Nem me abraçou na rodoviária. Foi logo se afastando de mim.

Como ele pode me colocar de escanteio assim em sua vida?

Eu era praticamente a sua sombra!

 Lembrei-me que uma vez fiquei doente e não fui procurá-lo como eu fazia toda tarde. Ele estava tão acostumado comigo que foi até meu pai para saber de mim. Eu sei disso, porque bem na hora eu estava na sala e ouvi toda a conversa dos dois. Eu tinha quatorze anos na época.

Nunca me senti um peso para ele e no entanto o jeito que ele me tratou e falou comigo hoje, percebo que eu estava enganada. Ou há algo muito sério acontecendo com ele.

Bem, isso não deixa de ser decepcionante.... Está certo que às vezes eu me meti em encrencas. Como subir em uma árvore e depois não conseguir descer. Tomar chá de sumiço na fazenda. Etc..

 Miguel sempre se mostrou severo nessas horas, sempre ouvia uma espécie de sermão, mas sempre dosados com muito amor e humor. Eu adorava provoca-lo, adorava chamar sua atenção. Acho que por isso me metia tanto em encrencas. Ele não era o brucutu de hoje.

Suspiro entre nostálgica e infeliz com os pensamentos.

—Está cansada?

Eu encaro Maria.

—Estou.

—Não gostou da minha comida?

—Imagina, está uma delícia.

—Você está tão distraída.

—Sim, estou pensando na época da adolescência.

Fito Miguel que ainda me ignora completamente. Que coisa!

Então eu me lembro da festa que fui convidada pela garota da lanchonete.

—Ah, Vitor. Eu fui convidada para uma festa na casa de Emma, depois da manhã. Karen me convidou quando eu e Miguel paramos na lanchonete que ela trabalha.

— Sério? Eu conheço Karen. —Ele diz abrindo um sorriso. — Inclusive eu fui convidado também.

—Eu sei, ela me disse.

—Maninha, você é incrível. Mal voltou para casa e já tem uma festa para ir.

Eu sorrio e encaro Miguel que agora despertou com as minhas palavras e me olha carrancudo.

—Não acho que será uma boa ideia Laura ir. —Miguel diz para Vitor e encara meu pai.

Uma onda de raiva me domina.

Meu pai que estava comendo atento a conversa, bebe um pouco seu suco e procura os olhos de Miguel tentando entender suas palavras.

—Por que Miguel? Fará bem para Laurinha sair.

—É uma festa que ela não está acostumada. E o senhor conhece esse tipo de festa. As pessoas bebem e passam dos limites.

Vitor o encara surpreso.

—Miguel, não vejo mal nenhum. E Laura não estará sozinha, ela estará comigo. E você vai, não vai?

Miguel me encara sério.

— Não sei, pouco provável.

Eu fiquei incomodada com a atitude dele.

—Miguel está achando que terá que me olhar, como nos velhos tempos. Acho que ele não se deu conta que eu cresci.

Todos riem, menos ele. Maria sorri, sem graça.

—Miguel, deixa disso. Larga de ser desmancha prazeres. Se está tão preocupado, deveria ir então. Emma Thompson não é a garota que trabalha de caixa no supermercado?

—Essa mesma.

Maria abriu mais o sorriso.

—Ela é uma ótima pessoa. Eu conheço a família dela. Não vejo problema nenhum.

Eu encarei Miguel com um brilho de vitória nos olhos.

—Tudo bem. Não está mais aqui quem falou. Só achei que Laura não iria gostar do ambiente. São pessoas simples, falam sem pensar. Não é lugar para uma... uma... moça como Laura.

Franzi o nariz para esconder meu desapontamento. Para quem me tratou com frieza, ele está muito preocupado com minha vida e minha integridade moral.

 Estudo o cara à minha frente. Ele parece desconfortável sob meu olhar. Ele então, desvia seus olhos do meus e corta um pedaço da carne e leva aos lábios, me ignorando novamente.

—Miguel, acho então que você deveria ir. Se acha que Laura passará por algum tipo de constrangimento e ficar com ela. — Meu pai então encara Vitor. — E eu te conheço Vitor. Você vai acabar deixando sua irmã sozinha.

Eu que encarava meu pai, volto meus olhos para Miguel. Louca para saber a resposta dele.

—Eu...eu não sei se poderei ir.

Maria encara Miguel surpresa.

—Posso saber por quê?

Miguel dá de ombros.

—Eu não estou com disposição para festas. Estamos numa época de seca, e a travessia do gado até o rio tem exigido muito de nós.

—Não seja por isso. Tire esse dia de folga. Eu faço essa tarefa com os homens. —Meu pai diz para ele sério.

Eu volto meus olhos para Miguel esperando sua resposta. Ele está com as sobrancelhas levemente erguidas sem saber o que dizer, ainda encarando meu pai.

—Se é tão importante que eu vá na festa, eu irei. Mas não precisa me tirar do trabalho. Eu gosto do que faço.

Eu me sinto eufórica e ainda não entendo porque, desde que cheguei ele só me distratou.

—Está resolvido então. —Meu pai diz finalizando a conversa.

Fico olhando para Miguel, intrigada. Tentando entender o que se passa na cabeça desse homem.

Miguel gira sua cabeça e olha para mim, calado, enigmático. Eu fico nervosa e torço minhas mãos debaixo da mesa, mas mantenho meu olhar fixo no dele. Miguel, ao contrário do que pensei o mantém nos meus até que eu me sinta constrangida ao ponto de desviar meus olhos dos dele, ruborizada.

Depois da morte de mamãe, os verões que voltei para a fazenda, falei muito pouco com Miguel.

Será que ele não entendeu que não o procurei mais como antes, por causa da nossa perda e que fiquei com papai pois eu sentia que ele precisava desse conforto?

Eu mesma senti essa necessidade de estar com ele, quando ela se foi. E tinha mais um agravante, sem querer, criou-se em mim, um certo constrangimento de procurá-lo da mesma forma que eu o procurava na minha adolescência.

Lógico que a distância e a minha maturidade contribuíram muito para isso. Mas, mesmo assim, o pouco que falei com ele, encontrei um Miguel mais receptivo.

Era difícil encontrar qualquer semelhança entre o homem que conhecera e o homem de agora. Está difícil encarar essa nova realidade. Agora ele me olha como se eu fosse um transtorno desagradável.

Eu tenho sim uma personalidade impulsiva, dificilmente conseguirei controlar a minha língua, principalmente em uma situação como essa. Então, com certeza, na primeira oportunidade eu irei questioná-lo.

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