Mansão dos Hajid

Karina

Chego à mansão às duas horas da tarde. Os seguranças, logo que avistam meu carro, já abrem os portões para eu passar. Meu coração está agitado, desde o momento em que resolvi que eu viria à casa de Raissa me sinto perturbada.

Sempre que eu vou à casa dela vou entrando, já tínhamos combinado assim. Então abro a porta da mansão e entro no hall espaçoso, sigo até a sala e dou de cara com Hassan sentado no sofá, inclinado, os cotovelos apoiados nas pernas, segurando sua cabeça.

Fico ali sem ação ao vê-lo, sem saber se me esquivo e dou a volta passando por suas costas e vou direto para o quarto de Raissa ou chamo sua atenção o cumprimentando.

Como se pressentisse minha presença, ele se ergue. Quando me vê, muda imediatamente sua postura. Seus olhos percorrem meu corpo, observando meu vestido creme com preto tubinho que modela meu corpo. O decote é quadrado, um pouco acima dos joelhos.

Eu também reparo nele. Hassan está usando uma calça jeans e a camisa branca está um pouco aberta no peito. Antes de ele se levantar, eu vou logo perguntando:

— E Raissa?

Hassan me estuda, ele nem parece o mesmo homem da festa de ontem, e na hora tive a impressão de que há muitos segredos escondidos atrás desses olhos.

— Oi, Karina. Boa tarde para você também! — ele diz, jocoso.

Eu suspiro.

— Desculpe-me, boa tarde, é que Raissa me ligou e parecia urgente — tento explicar minha falta de educação.

— Entendo — ele dá um sorriso lascivo.

Entende mesmo? Eu me pergunto.

Ele se levanta do sofá, eu estremeço. O cheiro dele e seus olhos intensos sobre mim são uma combinação inebriante. Isso me deixa um pouco desequilibrada.

— Eu vou lá falar com ela — digo, para fugir da presença dele.

— Eu lhe dei um sedativo.

Eu, que me dirigia para a escada, paro e o encaro. Meu coração bate mais duro contra meu peito.

— Você lhe deu um sedativo? Mas ela sabia que eu viria aqui.

— Eu diluí no suco que ela tomou. Ela estava muito nervosa.

Eu solto um suspiro nervoso.

— Você lhe deu um calmante sem seu consentimento? — por alguma razão, sabia que minha pergunta iria incomodá-lo.

Hassan me encara duramente.

Silêncio.

— Sim.

— É mais fácil, não é? Mais fácil do que conversar — falo, em reprimenda.

Eu assisto seu rosto se transformar em uma carranca profunda.

— Você não sabe o que está dizendo! — ele diz, em tom cortante.

Eu tinha cruzado a linha? Estamos agora em uma situação estranha. Há tensão entre nós.

— Bem, então eu não tenho mais nada a fazer aqui — digo, antes mesmo de saber qual será o passo seguinte do homem com um grande magnetismo à minha frente.

Eu me viro em sentido à saída. Hassan barra meu caminho.

— Por favor, fique. Eu dei metade de um comprimido. Quando Raissa acordar, vai querer te ver, falar com você — ele diz tudo com aquele sotaque carregado, lindo de viver.

Eu o encaro ofegante, sem lhe dar uma resposta.

— Por favor — pede, mas, pelo seu tom, percebo que ele não gosta muito da palavra.

Um homem como Hassan, com seu poder orgulhoso, pedindo por favor?

Eu reflito. Se ele me desrespeitar, vou embora! 

— Tudo bem. Eu espero.

Volto para a sala e me sento em um sofá de um lugar. Hassan, quando vê meu gesto, sorri. Aqueles olhos negros examinam meu rosto, e em seguida caem para as minhas pernas e depois sobem para o meu rosto novamente.

— Quer água? Café? Suco?

Tomo algumas respirações e respondo, desviando dos olhos lindos dele, incomodada por meu coração ainda estar tão descompassado:

— Não, obrigada.

Ele, então, se senta no outro sofá e me encara.

— Sei por que está tão esquiva comigo. Então quero me desculpar por ontem. Eu agi por impulso, você me ofendeu, mas isso não justifica o que eu fiz.

Eu o encaro sem ação por um momento, perturbada demais por ele ter tocado nesse assunto e ao mesmo tempo admirada por ele se desculpar.

— Tudo bem. Não vamos mais falar sobre isso — digo, e desvio os olhos dos dele.

Deus, esse homem é viril.

— Quantos anos você tem? — ele de repente pergunta.

Eu o encaro, limpo a garganta e me mexo desconfortavelmente no sofá.

— Vinte e cinco.

Ele ergue as sobrancelhas, surpreso.

— Na minha cultura, você já estaria ficando velha para casar. As moças se casam muito cedo.

Eu pisco…

Essa é boa! Ele está me chamando de velha?

Fico olhando para ele sem falar, então me levanto:

— Acho melhor eu voltar outra hora.

Hassan se levanta também.

— Allah! Parece que não acerto uma! Não me interprete mal. Foi só um comentário, só para você conhecer um pouco minha cultura. Saiba que não foi minha intenção te ofender ou te chamar de velha.

De repente, me dá aquela vontade de desafiá-lo.

— E quanto aos homens? Eles podem se casar com a idade que quiserem? As mulheres os aceitam, mesmo sendo bem velhos?

Hassan sorri diabolicamente, não parece afetado pelas minhas palavras. Minhas pernas ficam moles.

— Sim, na minha cultura o homem mais velho é considerado mais sábio. Geralmente são bem prósperos e, portanto, considerados mais atraentes.

Mais?

Só na fila de beleza e masculinidade, ele passou milhares de vezes para chegar à perfeição que ele é.

Reparo nele melhor… E pensar que esse homem tem 40 anos. Mas ele parece ter apenas trinta e poucos. Seus músculos são bem definidos, ele é forte como um pugilista, os cabelos negros como carvão, com apenas alguns grisalhos nas laterais.

Sem rugas! Acho que é tão conservado assim pelo fato de não beber, nem fumar.

— Terminou a inspeção? — Hassan diz, com o mesmo sorriso presunçoso nos lábios. Os dentes muito brancos.

Eu me sinto de repente envergonhada e desvio meus olhos dos jocosos dele. 

— Bem, vou indo. Diga para Raissa…

— Karina, por que faz isso? — gelo, muda, e o encaro. Ele caminha em minha direção com o andar de uma pantera, exalando força e graça. — Por que resiste? Você sabe o que aconteceu quando nos vimos pela primeira vez? Vamos deixar de joguinhos. Olhe para mim e responda.

— O que há de errado com você, Hassan? Acha tão estranho haver uma mulher neste mundo que possa resistir a você?

— Eu notei a forma como me olha, você se sente como eu.

Fico abalada até a alma com suas palavras. Fico imóvel, seu olhar quente tem o poder de me congelar no lugar, por dentro estou queimando por ele.

Deus! Ele me deixa tão atordoada.

Busco algo na minha cabeça para dizer e encontro. Está na minha cara a resposta, estou aqui por causa de Raissa!

— Nós não deveríamos estar tendo esta conversa. Deveríamos estar falando de Raissa. É por ela que eu estou aqui. Você deveria estar preocupado com sua irmã, e não em me assediar.

Meu tom acusatório parece não lhe agradar. Seu olhar se torna gélido, cruel, possessivo. E, por causa de sua postura tão rígida e altiva, sei que algo está errado:

— Não estou preocupado, porque está tudo resolvido. Eu já tomei uma decisão. Eu não vou me afastar de Raissa. Vou criar raízes aqui, na Inglaterra. Inclusive, quando ela acordar, gostaria que a tranquilizasse — seus olhos negros brilham com uma emoção indescritível e suas palavras me atingem mais do que eu gostaria, só de imaginar sua estadia permanente aqui.

Hassan continua:

— Agora voltando ao que eu dizia antes. Sei quando uma mulher me olha com desejo.

É claro que sabe, isso não deve ser comum para ele. Eu ofego ante seu olhar quente.

— Olha, Hassan, eu não estava paquerando você, não foi algo proposital. A verdade é que não sei o que aconteceu comigo. Desculpe se passei a impressão errada.

Nessa hora, Helena surge na entrada da sala, nas costas de Hassan. Ela quase dá meia-volta, mas, como eu seguro meus olhos nos dela, ela vem ao meu encontro. Hassan se vira na direção dos meus olhos. Quando ele a avista, fecha a cara e se afasta. Ele parece aturá-la.

— Karina, querida, boa tarde. Veio ver Raissa?

— Boa tarde. Sim. Mas Hassan disse que ela está tirando um cochilo — digo, com um sorriso, e usei “cochilo” para amenizar as coisas.

Ela encara Hassan, que está ofegante. É impressão minha ou ele parece nem conseguir olhar para a cara dela? Hassan olha para mim e diz secamente:

— Vou ver se Raissa está acordada — ele parece estar louco para sair dali.

Eu assinto e encaro Helena, que sorri para mim.

— Caso ela ainda esteja descansando, não se apresse. Fique à vontade. Vou dar uma saída agora. Combinei de passar na casa de uma amiga.

— Está certo — digo, achando um absurdo ela sair e deixar a filha assim.

Ela espera Hassan subir completamente as escadas e me diz baixinho:

— Hassan anda tão tristinho, faça companhia para ele nesse meio-tempo. Ele parece gostar bastante de você. Bem, eu vou indo — ela diz, com outro sorriso, e vai em direção à saída.

Deus! Ela está preocupada mesmo com Hassan ou está me jogando para os braços dele?

Minutos depois, ouço passos na escada. É Hassan. Ele para a poucos metros de mim e diz:

— Raissa pediu para você esperar alguns minutos e depois subir.

Antes, quando vim para cá, a resolução era ignorá-lo, mas agora resolvo entender toda essa situação antes de falar com Raissa.

— Por que Raissa estava tão nervosa? Por que você e a sua madrasta não se dão bem?

Hassan me encara por um tempo, consigo ver uma espécie de dor nos olhos dele.

— Isso é um assunto particular. O que você precisa saber já foi falado. Pretendo ficar, isso já é o suficiente para Raissa se alegrar.

Para minha surpresa, começo a sentir pena dele… Ele me parece um homem fechado, solitário. A impressão que dá é que posso até tocar sua solidão, ela é tão densa, que parece palpável.

No mundo de Hassan, tudo depende do dinheiro, e as amizades podem ser interesseiras, talvez isso o faça agir assim.

— Acho que deu o tempo que ela pediu. Vou subir.

Hassan se coloca na minha frente. De repente, tudo paralisa. O único som que se ouve é a minha voz alterada.

— Karina, pense no que eu te disse.

— O que disse mesmo? — faço-me de desentendida.

Era para eu me sentir estranha por ser envolta nessa nuvem de desejo por alguém que mal conheço. Contudo, sinto como se o tivesse conhecido há mais tempo.

Hassan ergue sua mão e tira uma grande mecha e coloca atrás da minha orelha com delicadeza. Seu olhar desliza pelo meu rosto, se detendo a todos os detalhes dele. Meu coração bate com força surpreendente nas minhas costelas.

— Allah! Quero você! — ele diz, ofegante, olhando minha boca e depois procurando meus olhos. A intensidade do desejo dele me faz prender o ar. — E sei que me quer também.

Solto o ar, tremendo de nervoso.

— Hassan…

— Não forçarei nada — ele dá mais um passo na minha direção. — Quero que confesse que quer ser beijada. Só então terá meus lábios sobre os seus, minha língua tremulando na sua, nossos corpos unidos como deve ser…

Com suas palavras, meus olhos deixam seus olhos negros, lindos, por sinal, e descem até seus lábios, focando neles. A vontade de tê-lo sobre os meus é muito grande, e a adrenalina que corre entre nós só estimula mais meus sentidos e tudo se torna para lá de excitante.

Hassan parece perceber que estou por um fio para pedir para ele me beijar.

— Karina… — ele diz meu nome, rouco, e se aproxima mais de mim. — Por Allah! Somente diga as palavras… Peça-me que eu te beije. 

Deus! Ele parece um vampiro, que só entra na casa se for convidado… Nunca conheci um homem que me desafiasse dessa forma, deixando-me entre desconcertada e desejosa.

Seus lábios carnudos são tão convidativos…

Deus!

— Beije-me… — eu me vejo pedindo, ofegante, minha razão se evaporando, e agora eu sou toda movida pelos sentimentos.

O olhar de Hassan parece escurecer, e ele me puxa pela cintura, sorri enquanto contempla nossos corpos colados. Grunhe com a respiração alterada, apertando-me mais entre seus músculos, e toma a minha boca com paixão. Seus lábios se movendo sobre os meus se impõem, sem que eu me sinta forçada, minha cabeça fica leve e rodopia com a sensação maravilhosa de ter os lábios úmidos e fervendo de Hassan sobre os meus. Ele me sujeita com decisão, me levando a uma completa rendição. Parte de mim percebe o quanto ele está se controlando, mesmo ante seu beijo tão apaixonado, pois suas mãos não se movem sobre o meu corpo, ele apenas me segura firmemente, é como se ele tivesse medo de me assustar. E eu começo a corresponder, o jogo vira, e, de beijada, passo a beijá-lo. Só que eu não tenho tanto pudor assim, minhas mãos visitam suas costas fortes, sinto cada músculo debaixo de sua camisa. Hassan ofega, quando eu aperto o seu peito forte e seus lábios deslizam pelo meu pescoço, suas mãos, antes comportadas, correm meu corpo e comprimem meu bumbum. E isso soa como um alerta, que isso está errado.

Deus! O que eu estou fazendo? Onde eu estou com a cabeça para brincar com fogo assim?

— Hassan — digo, ofegante, baixando meu rosto e enfiando em sua camisa perfumada e segurando as mãos dele. — Melhor pararmos por aqui. Vou ver Raissa.

Ele não me segura quando eu me afasto. Trêmula, firmo meus passos e subo as escadas sem olhar para trás. No corredor, paro ofegante e me apoio na parede. Dou um tempo para me recompor antes de entrar no quarto de Raissa.

Eu nunca me senti tão tensa e confusa como nesse instante. Todos os meus centros nervosos estão em colapso.

Deus! Que poder tem esse homem? Cadê minha resolução de ficar longe dele? O que aconteceu com meu detector de cafajestes ambulante? Eu me pergunto ainda ofegante, o coração agitado.

Bato na porta e a abro. Logo vejo Raissa sentada em uma cadeira na sacada. Ela se levanta e vem em minha direção.

A salamo a-leikom. A paz esteja com você — Raissa me diz com um sorriso.

Aleikom es Salam. A paz esteja com você também — digo, eu tinha aprendido com ela como responder ao cumprimento.

Ela pega a minha mão e me leva para a sacada. Nos sentamos nas cadeiras em frente a uma mesa que do alto eu podia ver os fundos da mansão, onde uma linda piscina brilha convidativa irradiando os raios do sol da tarde. Eu a encaro com um sorriso.

— Você me parece bem melhor, diferente da garota que me ligou em casa.

Ela me dá um sorriso sem graça.

— Desculpe ter feito você vir até aqui. Mas, quando te liguei, eu estava dentro do mármore do inferno. Hassan nervoso, gritando com mamãe, dizendo que iria embora.

— Tudo bem, amiga é para essas coisas — eu falo, com compreensão.

Raissa continua:

— Quando te liguei, eu estava muito nervosa. Hassan tinha saído de casa cantando os pneus com a Ferrari, mamãe gritando que seria bom que ele sumisse mesmo. Allah! Orei tanto para ele voltar, eu não suportaria sua ida novamente. Então, meia hora depois que eu te liguei, ele voltou. Parecia mais calmo, trouxe até um suco de laranja para mim. Disse para eu me acalmar e me fez deitar em seu colo. Ficou comigo dizendo para eu ficar bem, que ele não irá embora. Eu só sei que eu apaguei. Desculpe-me.

Com certeza ela não sabe do calmante que Hassan colocou no seu suco. Ele parece ser do tipo que não sabe lidar com os seus próprios sentimentos, e isso se reflete em lidar com os sentimentos dos outros também. 

Era mais fácil acalmá-la com artifícios do que enfrentar o problema.

— Karina, eu me sinto tão sozinha. Mamãe sai toda hora, eu não gostaria de ficar sem Hassan. Ele é o único que me entende e me dá atenção e carinho. E você, é claro…

Eu peguei as mãos de Raissa.

— Hassan e eu conversamos. Ele disse para te tranquilizar e dizer que ele criará raízes aqui. Para você não se preocupar.

Ela vira imediatamente a cabeça, tentando entender se me ouviu direito:

Mash'Allah — “Graças a Deus”, ela diz entre lágrimas. — Eu pensei que ele tivesse dito isso para eu me acalmar. Então é verdade?

— Sim.

— Passei seis meses pedindo a Allah para meu irmão voltar. Seria terrível ver ele ir embora novamente.

Eu fungo. Hassan deve ter um grave motivo para agir assim.

— Raissa, desde quando ele age assim com sua mãe?

— Desde sempre. Desde que me conheço por gente, eles têm antipatia um pelo outro.

— E seu pai? Como via isso?

Raissa solta o ar.

— Teve um tempo em que meu pai não conversava com Hassan, ele protegia minha mãe. Ele não gostava de ver o lar dividido e culpava Hassan por isso.

— Você não acha estranho isso?

Raissa me encara séria:

— Não sei. Hassan é filho de meu pai com a primeira mulher. Nós somos meio-irmãos. Meu pai vivia no Cairo e casou-se muito novo. Os casamentos lá são arranjados. Quando Hassan tinha 15 anos de idade, sua mãe morreu do coração. Depois de um ano, meu pai conheceu minha mãe. Ele enfrentou toda a família e casou-se com ela, e, com o dinheiro que ele tinha conseguido como comerciante de tapetes, ele veio para a Inglaterra, com ela e Hassan.

Então, com os olhos marejados de lágrimas, falou do irmão.

— Então acho que Hassan é um revoltado. Ele sofreu muito para se adaptar ao país. Sempre arisco, rebelde. Ele não queria ter saído do Cairo. Quando eu nasci, Hassan já tinha 20 anos. Então eu não acompanhei muito essa fase de adaptação dele.

Eu a olho pensativa.

É isso mesmo? Isso é revolta? Mas já teria passado essa fase, afinal hoje ele parece ter se adaptado bem ao país, aos costumes. Bem, mas talvez tenha ficado um ranço entre eles por todos esses anos.

— Vocês são tão prósperos. Por que essa rixa ainda?

— E eu entendo? Meu pai, com o dinheiro, comprou um hotel pequeno, e com o passar do tempo ele comprou um terreno baldio ao lado e aumentou o hotel. Hassan estudou Hotelaria e, com o seu conhecimento e de meu pai na cultura e língua árabe, eles atraíram os árabes para o hotel. Com todos os requisitos que um árabe está acostumado. Inclusive as janelas voltadas para Meca, para onde nosso povo era direcionado. Então eles juntos aumentaram a fortuna, construindo mais hotéis. Hoje os nossos hotéis são conhecidos por todo o Cairo. Agora meu irmão abriu um nos Estados Unidos. Mas eu sei que ele pode fixar residência aqui, e suas viagens poderiam ser esporádicas.

— Seu pai morreu há um ano, não é isso?

Raissa aperta os lábios com tristeza.

— Sim.

— E você nunca perguntou para ele por que sua mãe e Hassan brigavam tanto?

— A guerra entre Hassan e minha mãe não era declarada. Hassan sempre respeitou muito meu pai. E eu nunca pensei que a raiva entre eles fosse tão grande. Apenas com a morte de meu pai eu senti o quanto eles se odiavam.

— Mesmo assim, você nunca perguntou para o seu pai por que eles não se gostavam?

— Sim, um dia comentei isso com meu pai. Ele desconversou. Fugiu do assunto, essa é a verdade.

— Entendo…

Raissa balança a cabeça em negativa.

— Não, você não entende. Meu pai sempre protegeu minha mãe. O homem árabe, quando ama sua mulher, ama para valer. Eles se entregam de corpo e alma e meu pai a venerava. Entendeu?

De repente, me dá vontade de entender um pouco mais de Hassan.

— E Hassan? Ele segue a religião do seu país?

— A religião ao pé da letra não, embora lemos o Alcorão e cremos em Allah. Mas não há em nós um fanatismo. Ele se desprendeu um pouco da religião quando veio para cá.

De repente, eu me vi louca para saber tudo sobre o homem que conseguiu me fazer pedir para ser beijada por ele e que virou minha cabeça em tão pouco tempo. Desde que eu o conheci, ele não saía da minha cabeça, eu me sinto totalmente abalada por ele.

— E quanto à cultura de vocês e às tradições?

Raissa riu.

— Hum, está muito interessada?

Eu fico vermelha.

— Imagina! Eu só estou tentando entendê-lo, para ver se consigo entender essa rixa com sua mãe.

— Que bom. Geralmente as mulheres ficam loucas por ele, mas sei que você não é assim. E é bom mesmo, pois Hassan não se envolve seriamente com uma mulher. Ele não as leva a sério. Quando as coisas esquentam, ele cai fora.

— Não, eu sei — digo, tentando controlar minha respiração e as batidas do meu coração.

Raissa graças a Deus não percebe nada e me diz:

— Se Hassan seguisse os costumes, já estaria casado, e não galinhando por aí, mas aí é que está, isso se aplica a ele, mas com relação às mulheres eu acredito que ele tem mente fechada. Um dia, quando ele resolver se casar, ele irá procurar uma moça das nossas origens, toda certinha, que se veste toda coberta e virgem.

As palavras dela me decepcionam um pouco. Acho que no fundo eu estava sonhando que ele realmente estivesse interessado e que pudesse me levar a sério, mas pelo visto eu sou uma aventura para ele.

Deus! É claro que sou! O cara é árabe. Viveu até uns 18 anos no seu país de origem, o que ele vai querer com uma garota como eu?

Raissa boceja.

— Desculpe-me. Você acredita que eu ainda estou com sono?

Eu sorrio para ela.

— Bom! Agora que está bem, e está mais tranquila, eu vou embora. Amanhã preciso ir cedo à loja.

— Não! Vamos tomar o café da tarde juntas.

Eu respiro fundo.

— Bem, só se for aqui no seu quarto.

— É claro, pode ser, sim. Vou ligar para a cozinha e pedir para elas providenciarem isso.

— Ah, gente rica é outra coisa! — digo, com um sorriso.

Raissa sorri e liga para o ramal da cozinha e pede para servirem o café no quarto.

Não demorou muito, o nosso café chegou. Graças a Deus o clima no quarto já tinha melhorado e muito, pois o nosso assuntou mudou, conversamos sobre várias outras coisas e Hassan não estava incluso no assunto.

Que luxo!

Sentada na sacada com uma brisa gostosa batendo, uma paisagem maravilhosa abaixo de nós e a perdição dos doces e salgados árabes dispostos na mesa.

Hum, que delícia.

Agora estou me deliciando com Yat habibty, harisa de maiz, vários tipos de folhados. Uns com ricota e mel, outros com avelã e chocolate…

— Deus! Raissa! Como esses folhados são bons. Se eu tivesse uma mesa dessa, com certeza eu não caberia nos meus vestidos. Toda vez saio daqui com a consciência pesada, achando que exagerei. Mas é impossível comer um só, fora a vontade de experimentar todos.

Raissa sorri do outro lado da mesa.

— E eu não sei? Você pensa que como isso todos os dias? Eu evito, hoje só mandei servir porque você está aqui. Morro de medo de engordar.

Eu me sirvo um pouco mais de café, dizendo para mim que já comi bastante. Sai, tentação! Hoje ela está muito aflorada dentro de mim. No fundo, estou descontando na comida as minhas frustrações.

Então olho o relógio.

— Raissa, eu vou indo. Se não daqui a pouco fico para o jantar. E curta seu irmão. Fique com ele. Espero que cada vez mais vocês se unam a ponto de ele se abrir com você.

Raissa me abraça com um sorriso.

— Obrigada por ter vindo.

Eu retribuo com um abraço apertado.

— Não foi nada.

A salamo a-leikom. A paz esteja com você — ela diz.

Aleikom es Salam. A paz esteja com você também.

Saio do quarto de Raissa ainda pensando no que ela me falou do seu meio-irmão, sigo o corredor e desço as escadas devagar. A conversa que eu tive com ela só reforçou a imagem que tenho dele.

Logo que desponto na escada, vejo Hassan na sala. Ele está inquieto, pois anda de um lado para o outro, pensativo. Meu coração dá um salto no peito ao vê-lo, me lembrando também o quanto esse homem mexe com meus sentidos. Vestido com uma roupa típica árabe, uma espécie de camisolão de linho branco e sandálias, viril, lindo. Há algo nele que me atrai, talvez seja seu olhar intenso e profundo, ou a maneira como ele exala força animal, selvagem. E isso me lembra mais o árabe que ele é, e eu sei que lugar eu tenho na vida dele.

Quando ele me vê, para e me olha com uma expressão sombria. Meu coração se agita ainda mais.

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