O Egípcio
O Egípcio
Por: Sandra Rummer
A Festa

Karina Michael

Entro em casa apressada, preciso trocar de roupa rápido, não quero chegar atrasada à festa de Raissa, ela me pediu para que eu chegasse um pouco mais cedo.

A família de Raissa é popular por dar festas que deixam todos a falar por uma semana. Festas inesquecíveis, talvez por ela descender de árabes. E os egípcios adoram uma festa extravagante.

Hoje a festa era em homenagem ao seu irmão que chegou dos Estados Unidos para ficar. Segundo ela, Hassan, que significa bonito em árabe, concluiu seus negócios depois de seis meses afastado.

Hassan é dono de três hotéis na Inglaterra. E a cada novo hotel aberto ele viaja e acompanha todo o processo. Desde a construção, decoração, contratação de funcionários etc.

Segundo Raissa, ele é um solteirão convicto. Isso fora um desgosto para o seu falecido pai. Hassan nunca se esforçou para formar uma família, e hoje com seus 40 anos ele é considerado um aventureiro no quesito “mulheres”.

Eu nunca tive oportunidade de conhecê-lo, pois minha amizade com Raissa nascera quando ele já havia viajado para os EUA. Sempre tive muita curiosidade em conhecê-lo. Raissa despertou mais ainda essa curiosidade em mim com a descrição que ela me fez dele. Embora em momento nenhum ela me descreveu sua aparência. O pouco tempo que convivo com Raissa, conheci um pouco da cultura egípcia. Eles valorizam a nobreza e os predicados de um homem acima de sua aparência. Eles aprendem desde cedo a olhar as pessoas com os olhos do coração, e não apenas a aparência. Não que não se importassem, mas, como muitos casamentos antigamente eram arranjados, isso ficou presente na cultura deles.

Raissa me contou que seu irmão é um homem vibrante e inegavelmente charmoso, além de excelente companhia. Segundo ela, Hassan às vezes pode ser rude, egoísta. Desumano quando se trata de negócios e de mulheres. Ele não tem problema nenhum em prejudicar alguém em benefício da família.

Na cultura árabe, a família está em primeiro lugar, o resto é apenas um mero detalhe.

Quanto às mulheres, elas são simples objetos na mão dele, para seus caprichos. Hassan é duro e irascível, não tem compaixão nenhuma de terminar o relacionamento com elas quando lhe dá na telha.

Ele não costuma se envolver com elas. Foge totalmente às regras da cultura nesse sentido. E ela acredita que isso tem uma razão, mas ela nunca conseguiu arrancar isso dele.

Então com lágrimas nos olhos me falou do outro lado de seu irmão. Seu brilhantismo, seu cuidado para com ela, sua alma gentil, e confessou que o ama com todas as forças.

Eu estremeci ao imaginar Hassan. Ele com certeza significa problemas e parece ser um homem extremamente perigoso.

Depois de tomar banho, seco meus cabelos longos rapidamente com o secador. Eles são sempre elogiados por Raissa, que ama a cor deles, castanho-dourados.

Vestida com um roupão felpudo branco, olho meu guarda-roupa e as várias opções de vestidos. Indecisa, experimento alguns.

Fiz 25 anos, sou formada em Design de Moda, trabalho para uma grife de roupas, a Felicitá, onde faço modelos exclusivos para exigentes clientes.

Todos os meus vestidos foram desenhados por mim. Os modelos vão desde vestidos para o dia a dia até os mais refinados, para festas e casamentos.

Eu pego um tomara que caia preto que adere bem ao meu corpo, marcando o meu busto e minha cintura que brilha por pequeninos paetês e desce com um tecido mais fino que se abre dando leveza ao vestido. O comprimento ficava um pouco acima dos joelhos.

Vou até o espelho do banheiro e observo meus enormes olhos verdes. Aplico uma sombra marrom, rímel e lápis. Um batom vermelho telha nos lábios e estou pronta.

Hoje não foi necessário muita coisa. Eu estou levemente corada, pois passei o dia à beira da piscina, afinal hoje é sábado. Dia de ficar à toa, sair, se divertir.

Checo as horas. Oito horas! Suspiro e calço os sapatos. Um scarpin preto. Coloco uma joia de família para adornar meu pescoço. Herança de minha avó. É um colar com pequenas esmeraldas que valorizavam meus olhos verdes.

Quando deu oito e vinte, desço as escadas. Avisto meu pai em frente ao bar se servindo de uísque. Se minha mãe o pegar bebendo, lhe dará um sermão. Meu pai sofre de pressão alta e não pode abusar.

Jonas é um homem de 50 anos, esbelto, grisalho, cabelos castanhos puxados para o dourado como os meus. Seus olhos são de um lindo azul-esverdeado.

Ele me observa e sorri.

— Filha, esse vestido que você desenhou é lindo.

— E a mulher dentro do vestido? Não está bonita?

Jonas sorri e se aproxima mais de mim. Com admiração, ele passa os olhos pelos meus cabelos, que estão soltos, brilhantes, observa o enrolado que ele forma nas pontas. Depois foca nos meus luminosos olhos verdes.

— Com certeza, linda como sua mãe. Você sabe que você tem a beleza dela.

— Por falar em mamãe, onde ela está?

— Está entretida. Lendo algum livro na biblioteca, mas deixe-a, senão ela controla meu aperitivo.

— Papai, ela quer o seu bem, e ela está certa, o senhor não pode abusar.

Jonas dá de ombros. Depois me olha com preocupação.

Ele já mudou de assunto, agora o foco está em mim.

— Não chegue muito tarde.

— Pode deixar, papai, farei como a cinderela. Venho cedo para minha carruagem não se transformar em abóbora.

Jonas sorri e comenta:

— Sua amiga vem pouco aqui.

— É, ela prefere que eu vá mais à casa dela. A mãe dela quase não para em casa e o irmão está sempre viajando — atenta à reação de meu pai, pergunto: — Hoje chega o irmão dela, já ouviu falar de Hassan Hajid?

Jonas suspira.

— É claro. Quem não ouviu falar nele? Ele, com 30 anos, já tinha dois hotéis famosos na Inglaterra. E hoje com 40 anos ele é o homem mais respeitado no mundo hoteleiro, ele soube usufruir de seus conhecimentos do mundo árabe. Você sabia que os hotéis dele são especializados em receber essa gente?

Pelo jeito o cara é famoso. Meu pai ia falar mais alguma coisa, mas eu o corto. Quando começa a falar, meu pai não para mais.

— Papai, preciso ir — eu lhe dou um beijo no rosto e saio.

Depois de vinte minutos, estou em frente à mansão dos Hajid. Os seguranças me conhecem, quando me veem abrem sem pegar minha identidade e checar em sua lista.

Do portão até a entrada segue um caminho de paralelepípedos iluminados por postes de luz até uma área verde coberta de grama seguido por um grande bolsão que serve para estacionar os carros.

Logo encontro um lugar vago. Vaga que não falta para estacionar, mediante a grandiosidade da área externa.

De onde estou já posso ouvir o som de música árabe, bem animada. E, pelo enfeite de lenços coloridos na entrada, já imagino o que me espera.

Insegura, olho meu vestido.

Será que estou usando o vestido certo? Ou deveria ter colocado um mais colorido e leve?

Eu entro no hall da mansão e sigo até a sala, depois até o grande salão de baile, lindamente decorado em estilo oriental. Embora eu já tenha ouvido histórias sobre as festas extravagantes dos Hajid, o glamour do lugar é de tirar o fôlego. Essa porta sempre esteve fechada. Nunca entrei aqui, é a primeira vez.

O pé-direito é alto e está coberto por um tecido branco, e me lembra uma tenda. A iluminação vem de candelabros nas laterais e de um lustre que projeta luz da mesma cor das velas.

No centro do salão dançam algumas dançarinas de dança do ventre, todas cobertas por véus coloridos. Uma delas dança no meio coberta por véus vermelho forte.

As pessoas, contagiadas pela dança, batem palmas. Toda a casa está enfeitada por folhagens e véus coloridos. As pilastras, decoradas por fitas douradas.

Os convidados são um mar de homens com roupas típicas árabes, muito elegantes.

As mulheres, glamorosas. Há muitos jovens. E adultos de todas as idades.

Percebo que a maioria é de origem árabe. As mulheres são exóticas. Os cabelos longos e negros.

Então percebo que estou na maior concentração de pessoas atraentes que já vi.

Embaraçada, passo as mãos pelos meus cabelos. A mãe de Raissa, Helena Hajid, quando me avista dá um sorriso. Ela caminha em minha direção com a leveza e beleza de um lindo cisne.

A comparação que fiz é devido ao seu longo vestido branco, brilhante. Ela está ornamentada com várias joias. Isso faz parte da cultura árabe, as mulheres valorizam muito as joias, os ornamentos; embora ela seja inglesa, parece ter assimilado parte da cultura do marido. Ela é uma senhora alta, os cabelos são pintados de castanho escuro, os olhos, azuis. Ela deve ter uns 65 anos, mas aparenta bem menos.

Os árabes costumam preservar a cultura e a religião muçulmana com bastante rigor. Segundo Raissa, eles esperavam que o pai dela, Rashid, se casasse com uma moça árabe escolhida por eles, preservando o costume e a cultura. Mas Rashid Hajid contrariou a todos da família egípcia ao casar-se com Helena. Ele acabou saindo do Cairo e se mudou para a Inglaterra, deixando todos os seus familiares em nome do amor.

Sim, o amor de Rashid por Helena foi tão grande a ponto de ele assumi-la, sem se importar com as dificuldades e seu distanciamento da família; embora eles valorizem muito a família, o amor de Rashid transcendeu a tudo isso.

Helena Hajid se aproxima de mim e diz alto, por causa do volume da música árabe da festa:

— Karina, que bom que você veio. Raissa já vai descer. Gostou da decoração?

Eu sorrio e passo os olhos por tudo. Dou um suspiro e digo alto:

— Está tudo tão lindo! Eu amei a decoração.

Raissa nessa hora aparece ao lado da senhora Hajid.

— Aí está ela. Vocês agora me dão licença — Helena Hajid, sorrindo, se afasta.

— E então, gostou? — Raissa pergunta, sorrindo.

— Meu Deus, eu gostei muito, por isso suas festas são tão faladas — falo em tom alto.

— Eu sempre te convidei. Você é que nunca veio.

Eu dou um sorriso.

— Raissa, você sabe que eu me formei agora. Quando eu te conheci, eu estava fazendo as provas finais.

Raissa sorri e rodopia na minha frente.

— Reconhece este vestido?

Eu abro meu sorriso. Sim, ela usa um vestido que eu desenhei para ela. Branco e leve. Cheio de véus coloridos presos a ele.

— Ficou lindo em você. Parece que quando desenhei esse vestido eu estava prevendo esta festa.

Raissa ri, com gosto, jogando os cabelos negros para trás.

— É verdade. Vem, quero te apresentar a algumas primas minhas por parte da minha mãe.

Eu assinto e a sigo, pensativa.

Conheci Raissa na loja em que trabalho como designer de moda. Foi em um dia de verão e a vendedora não estava conseguindo agradar à Raissa na escolha de um vestido.

Eu passei pela loja para ir em direção aos fundos dela, onde fica meu ateliê. E percebi a dificuldade da vendedora. Então observei o físico de Raissa e na hora escolhi o vestido certo. Raissa tem os seios pequenos e os quadris largos. Peguei um com enchimento e pouco volume na saia. Ela ficou tão satisfeita com a minha ajuda e começou a conversar comigo. Então abri para ela que eu desenhava os vestidos da loja.

Raissa, que não é nada boba, me contratou. Comecei a desenhar roupas exclusivas para a minha amiga egípcia, me atentando ao formato de seu corpo, estilo de vida e personalidade. Uma coisa ela me deixou claro: embora ela goste de cores alegres, nenhum de seus vestidos poderia ser acima dos joelhos, ter decotes e mangas curtas.

Não foi difícil agradar à Raissa. No fundo, ela é uma garota simples, apenas insegura e muito carente também. E assim nasceu uma grande amizade. Quase todo final de semana passo com Raissa. Nós conversamos, ouvimos músicas, vamos ao shopping, teatro, cinema, trocamos livros etc.

Raissa tem 20 anos, sou cinco anos mais velha do que ela. Ela nunca namorou. Eu não sei até que ponto isso é uma influência dos costumes deles, ou se Raissa não se interessa mesmo pelos rapazes.

Com tristeza, lembro-me do meu último namorado. Um rapaz que se mostrou no início tão maravilhoso, um príncipe, mas se tornou um sapo. Afasto a imagem de Heitor, ele não merece nem estar dentro dos meus pensamentos. 

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