Capítulo 2

MELISSA

Saio correndo do quarto e desço os dois andares aos pulos, de dois em dois degraus. Ao chegar no térreo estou arfando, me curvo e apoio as mãos nos joelhos buscando desesperadamente inflar meu pulmão de ar. Sinto uma mão em meu ombro, mas apenas levanto um dedo, pedindo que a pessoa espere um segundo enquanto eu tento recuperar o fôlego.

Quando enfim consigo me erguer vejo que é um dos rapazes que me ajudou com as malas ontem, Mateo. Meu coração bate descompassado e seguro em seu braço, pedindo por sua ajuda. Eu preciso fazer alguma coisa ou então aquele homem irá se matar. Eu tenho que impedi-lo.

- Você está bem? – Ele me pergunta e me guia até o sofá me segurando pelo cotovelo.

- Eu sim, mas vai acontecer uma tragédia! Não, não, não, eu não posso me sentar, eu preciso de ajuda. Ele esteve aqui e... não quis me contar muito, mas parecia estranho, nervoso. Eu... eu até achei que ele estava fugindo, mas não era nada disso. Ele vai se matar! Não podemos deixar. A gente precisa fazer alguma coisa rápido, muito rápido! – Ele me olhava como se eu fosse uma louca.

- Calma aí, vou pegar uma água para você.

- Não, volta aqui, pelo amor de Deus!

Ele se foi e me deixou sozinha nessa sala enorme. O ambiente ainda está escuro e adormecido. Fico atônita, sem saber o que fazer ou para que lado ir. Eu preciso achar uma cabine de polícia ou ligar para a emergência, ou sei lá, mas eu não conheço nada aqui.

Outros moradores estão descendo as escadas, bocejando e esfregando os olhos como se tirados da cama cedo demais. Bem, realmente é cedo demais.

- O que está acontecendo aqui? Que gritaria é essa? – Pergunta uma menina baixinha e loura do alto da escada.

Quando abro a boca para responder, Mateo retorna da cozinha e me entrega o copo de água. Com um olhar firme, ele me obriga a sentar e beber.

- O que foi isso, Mateo? - Alguém pergunta no meio do aglomerado que se formou ao pé da escada.

- Eu peguei no sono no sofá e alguns minutos atrás ouvi a porta da frente bater. Isso me despertou, daí eu estava subindo para o meu quarto quando ela desceu as escadas praticamente voando e começou a falar um monte de coisas desconexas. Eu não entendi nadinha.

Me levanto abruptamente e a atenção de todos se volta para mim. Ótimo, agora só preciso que alguém me ajude.

- Precisamos ligar para a polícia. Temos que impedir um desastre! O rapaz vai se matar, é verdade, eu não estou mentindo. Por favor, alguém me diz o número da emergência, da polícia, dos bombeiros, sei lá, alguém me ajuda a fazer alguma coisa!? – Eu estava berrando agora e outras pessoas começavam a aparecer na sala, curiosos para saber o que estava acontecendo.

Todos me olhavam como se eu fosse um extraterrestre e não moviam um músculo para me ajudar. Senti minhas bochechas arderem de raiva. Por que ninguém me responde? Alguns trocam olhares entre si e cochicham. Ouço alguém dizer “Ela não fala nada com nada” e “mas que língua é essa?”.

Nesse momento minha ficha cai. É lógico que ninguém me entende, meu desespero é tão grande que nem me importei em falar francês. Acabo de descobrir que não tem nenhum brasileiro nesse lugar.

- Desculpe, eu fiquei nervosa e desandei a falar português. – Digo no meu melhor francês. Tomo mais um gole da água para limpar a garganta e continuo. – Um rapaz esteve em meu quarto mais cedo. Ele parecia atormentado, nervoso. Eu tentei conversar com ele e entender o que estava acontecendo, mas ele não parecia querer alarmar ninguém. Ele queria escrever um bilhete para a irmã, a Sophie. Ele queria se despedir. – Eu respiro fundo antes de continuar. – Seu nome era Oliver.

- Oliver? – A voz vem de trás de mim, a porta bate em seguida. Viro-me e observo aqueles mesmos olhos oceânicos me sondarem. Ela acabara de entrar e está retirando o pesado casaco de inverno. – Meu irmão está aqui?

Eu busco apoio nas pessoas que estão ali, mas ninguém parece compreender realmente a situação e ficam aguardando minha resposta.

- Não, ele esteve, mas já se foi.

- E você, quem é?

- Melissa.

- Ah! Minha nova colega de quarto, certo?

- Sim. Mas não temos tempo para uma apresentação adequada agora. Precisamos fazer alguma coisa!

- Mas o que aconteceu? Foi com o meu irmão? Ele prometeu que viria me ver. Ele esteve aqui e se foi tão rápido assim? E o que todos vocês fazem de pé tão cedo? Até parece que as aulas já começaram. – Ela sorri largamente, sem perceber a gravidade da situação. Meu coração se aperta por ter que lhe dar a notícia que precisa ser dada.

- Sophie, seu irmão lhe deixou um bilhete. – Todos apenas me encaram e eu sinto minhas mãos tremendo em meu colo.

- Este bilhete? – É Mateo que agora está voando escada abaixo, com a folha de papel em uma das mãos. Eu nem tinha percebido que ele havia saído do meu lado. Pelo terror em seus olhos, estava nítido que ele já tinha lido.

- Deixe-me ver isso. – Ela pega o bilhete das mãos de Mateo.

Ela lê e relê, vira a folha amassada dos dois lados. Em seguida ela cobre a boca com uma das mãos e seus olhos se enchem de lágrimas. As pernas fraquejam e ela cai sentada no sofá ao meu lado.

- Ah, meu Deus! É isso, então? Ele lhe disse algo mais além de deixar esse bilhete? Comentou para onde estava indo? Qualquer coisa... – Ela segurou minhas mãos com força e seus olhos vidraram nos meus, aguardando que eu tivesse qualquer informação que pudesse ajudar a encontrá-lo, mas eu só conseguia mexer a cabeça negativamente.

Sophie agora apertava o papel contra o peito e as lágrimas rolavam como uma represa, enquanto seus ombros chacoalhavam. Em um segundo todos estavam ao redor dela e eu só conseguia pensar por que ninguém estava ligando para a polícia. Ela pode ser confortada depois, quando ela tiver o irmão são e salvo, quem sabe. Mas algo tem de ser feito AGORA.

Nesse momento Andrew entra e observa a cena a sua frente sem nada entender. Eu imediatamente corro para ele e o abraço, precisando urgentemente do conforto de algum conhecido. Sinto seus braços se fecharem firmes ao meu redor, suas mãos correndo por meus braços. – O que houve por aqui, querida? – Ele pergunta e ouço as palavras de Oliver ecoarem em minha mente. “Preste atenção em suas ações e palavras. Desconfie até da sombra de Andrew Lambert!”. Meu corpo endurece e de repente estou em alerta.

Eu me desvencilho de seu abraço e lhe explico o que aconteceu. Ele pega o celular, disca alguns números e o ouço falar com um policial. Agradeço mentalmente por finalmente alguém fazer alguma coisa.

Ando até Sophie e ela olha para mim de um jeito que me corta o coração. Ela está sentada no sofá e eu sento de frente para ela, tentando não desabar.

- Diz que ele te disse mais alguma coisa, Melissa. Me dá alguma esperança, por favor? – Ela suplica.

- Sinto muito, mas ele não me deu nenhuma dica do que estava prestes a fazer. Ele parecia tão atormentado. Achei que estivesse querendo se despedir de você para passar um tempo sozinho e que fosse viajar, sei lá. Ele estava sofrendo, não é? Ele estava com algum problema?

- Algum problema? – Ela suspira. - Ele está mergulhado em problemas há muito tempo. Eu fui uma egoísta e fiquei distante, indiferente. Eu até me forcei a acreditar que ele estava melhorando. Realmente parecia que ele estava melhor, mas ele só estava disfarçando.

- Calma, ele vai voltar. Acredite que ele não fará o que pretende. Se Deus quiser, ele não fará. – Eu digo mais para mim mesma do que para ela.

- Isso é o pior de tudo. Eu acredito que ele terá coragem de fazer isso, sim. Por um bom tempo todos achamos que ele se entregaria, mas ele foi forte, aguentou firme. Acho que ele não pode mais suportar a dor.

Lágrimas automaticamente descem pelo meu rosto. Por quê? Por que isso está acontecendo agora? Porque comigo aqui? O que tudo isso quer dizer? Eu só o vi uma única vez e já sinto tão forte sua perda. Como se o conhecesse... 

A sala agora está quase vazia. Algumas pessoas saíram em duplas ou trios pelos arredores para procurá-lo. Outros estavam no telefone, espalhando a notícia ou buscando informações sobre o seu paradeiro. O clima ainda é tenso, de repente todos foram abatidos pela tristeza.

Andrew senta-se atrás de mim e segura meus ombros. Eu pulo do sofá ao sentir seu toque e fico de pé. É impressionante, mas parece que os avisos de Oliver estão piscando em neon na minha mente.

- Meninas, eu já avisei à polícia. Eles estavam relutantes, dizendo que só podem procurar uma pessoa depois de pelo menos 48 horas de desaparecimento, mas eu expliquei que a situação era muito delicada e que envolve um possível suicídio. – Vejo Sophie ficar ainda mais pálida antes de esconder o rosto nas mãos. – Bem, eles estão a caminho para avaliar o bilhete que o Oliver deixou.

- Que bom, espero que cheguem logo. – Eu digo.

- Melissa, eu tenho que apresentá-la na Escola hoje. O diretor está esperando.

- Mas não podemos esperar os policiais chegarem? Eles vão querer saber o que aconteceu e eu pretendo contribuir com tudo que eu sei. Mesmo que não seja muito.

- Eu entendo, mas não posso deixar de te levar hoje.

- Mas se você disser o que houve, eu sei que ele vai entender e...

- Melissa, posso falar com você um minuto, lá na cozinha?

- Ok. – Eu engulo em seco e aperto de leve uma das mãos de Sophie antes de levantar.

Eu o sigo até a cozinha, sem entender o porquê de ele não poder falar o que quer que seja na frente dela. Ele enche uma xícara com o café da cafeteira em cima da bancada e se recosta nela.

- O que foi, Andrew?

- Melissa, você é nova por aqui, mas eu conheço a história da família Delacroix há algum tempo. O histórico deles não é bom. Oliver está totalmente perdido, não há nada que você possa fazer.

- Eu não estou te entendendo.

- Eu quero dizer que não vale a pena você ficar assim por causa dele. É bem provável que a polícia não possa fazer nada e eu acredito que ele até já tenha cometido o suicídio a uma hora dessas.

- Nossa, isso é horrível. Como você pode falar assim? A Sophie tem esperanças de recuperar o irmão e eu também acredito que ele vai voltar.

- Melissa, ele não vai voltar. E, sinceramente, talvez seja melhor assim. Se ele morrer estará finalmente descansando do sofrimento.

Não consigo esconder o meu espanto com as palavras de Andrew e ele percebe. Anda até mim e segura minhas mãos.

- Me desculpe, isso soou muito insensível. O que eu estou tentando dizer é que não tem porque você se envolver nisso. O seu objetivo aqui é o curso e desenvolver o seu maravilhoso talento. E, além disso, você não pode se aborrecer. Lembre-se de que a sua gravidez é delicada e não é bom que você se preocupe à toa.

- Mas isso é muito sério, Andrew! Um jovem está prestes a acabar com a própria vida e isso não é preocupante?

- Não para você, querida. Nada dessa confusão deve lhe afetar. E eu preciso lhe apresentar ao diretor hoje sem falta. Amanhã começa o ano letivo e, se ele não te conhecer, você estará fora do programa. – Ele segura o meu queixo e aproxima o meu rosto do dele. – Então, suba, se arrume rapidinho, tome o seu café da manhã e eu estarei te esperando no carro.

Ele coloca a xícara na pia e sai. Eu fico estática, não é possível que ele esteja falando sério. Será que ele não entende a gravidade da situação? Subo arrastando os pés e abro minha mala no centro do quarto, procurando o que vestir. Tomo uma ducha rápida, lembrando que poucas horas atrás eu estava nesse mesmo banheiro planejando um banho de espuma enquanto Oliver escrevia seu bilhete de despedida.

Talvez se eu tivesse prestado mais atenção na sua postura vacilante, ou se tivesse apenas pegado o bilhete antes que ele deixasse o quarto...

Prendo os cabelos em um coque alto e me visto com agilidade, tentando afugentar a culpa que me domina de repente. Ponho um dos meus vestidos favoritos, todo em camurça creme e de mangas compridas. Paro rapidamente em frente ao espelho, o tecido sobre minha barriga parece levemente esticado e isso me faz sorrir. Saindo de um caos e entrando em outro, desde que soube dessa gravidez não tive um minuto de tranquilidade, não pude fazer planos ou apenas curtir a gestação. “Oh, meu Deus, quando isso vai acabar?”.

Desço e passo direto pela cozinha, já que não tenho apetite algum depois de toda essa tensão, e saio pela porta da frente me envolvendo no grosso sobretudo de lã. Andrew está dentro do carro, provavelmente aproveitando o aquecedor. Eu entro e me sinto envolta de um calor delicioso.

- Pronta?

- Não. Mas isso faz diferença?

- Melissa, me desculpe por ter sido duro com você, mas se prejudicar por Oliver não irá ajudar em nada. Vamos, esse é seu sonho, menina, vista seu melhor sorriso, pois hoje Paris lhe dará boas-vindas.

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