Multicor - Livro 2 - Te Prometo o Céu
Multicor - Livro 2 - Te Prometo o Céu
Por: Nathasha Chrysthie
Prólogo

“Eu vi o anjo no mármore e esculpi até que o libertei.”

(Michelangelo)

OLIVER

Nunca estive tão perto do céu como agora, como um imenso tapete azul acinzentado diante de mim, me convidando...

Faz um frio em Paris nesse fim de madrugada, quase tão intenso quanto o frio daquela noite. Os flashes de memória me doem os ossos mais do que o vento invernal. Balanço os pés e o ar se agita ao meu redor, fazendo um arrepio subir por meus braços. A mureta estreita embaixo de mim parece tremer com o meu movimento e seguro-me com mais cuidado, ainda hesitante em cumprir meu objetivo.

Fito o Sena correndo sob mim, a correnteza forte arrastando qualquer coisa que apareça em seu caminho. Qualquer coisa que caísse daqui de cima nessas águas turbulentas certamente seria engolida e sugada para o fundo, tragada para a inexistência. Encho os pulmões de ar gelado e depois solto, me munindo de uma falsa coragem.

A névoa da manhã paira sobre a Pont des Artes e é difícil ver muito além da margem, mas o suntuoso Louvre desponta entre a grossa neblina. Imediatamente meu pensamento vai para a garota brasileira que acaba de chegar em Paris para seguir um sonho: estudar artes. Melissa. Seu rosto ruborizado surge na minha frente. A face de um anjo esculpida em minha mente.

Tão delicada e frágil, mas como as aparências enganam... Nunca imaginaria que alguém de feições tão doces poderia carregar tamanho sofrimento na bagagem. O ex-namorado caçando-a e ela como uma loba protegendo sua cria, infelizmente veio cair justo no ninho do urubu. Ela precisa se livrar do Andrew, precisa seguir o meu conselho.             Não confiei nem um pouco na sua promessa, ela pareceu bastante satisfeita com a apoio daquele mau-caráter. Afinal, ela tem um segredo e ele tem poder para “protegê-la”. Não queria que ela descobrisse o verdadeiro Andrew embaixo daquela pele de cordeiro, espero que ele não use o segredo contra ela. A moça já passou por tanta coisa, ela merecia encontrar segurança aqui...

Suas palavras ficam ecoando na minha cabeça desde que saí correndo da república: “vai ficar tudo bem, eu sei que vai”. A boca rosada curvada em um sorriso cativante. Tão plácida e tranquila. Como ela tem certeza de que vai ficar tudo bem? Ela está grávida e sozinha em um país desconhecido, fugindo de um ex-namorado psicopata e entre as garras do Andrew Lambert! Ela não tem nenhum controle da situação, como pode estar tão convencida de que tudo vai acabar bem?

E ainda se mostrou preocupada comigo... Será que não dá conta dos próprios problemas? Por que se incomodar em me fazer sentir melhor quando o mundo parece desmoronar em sua cabeça? E mesmo assim a expressão de compaixão não deixou nem por um minuto o seu belo rosto. O rosto que permeia os corredores tortuosos da minha consciência.

Não! Estou divagando. Ela está me desviando do meu objetivo. Levanto-me e fico de pé sobre a mureta da ponte, focando no ponto mais longe do horizonte que é possível enxergar pela neblina. De repente, um helicóptero rasga o céu e joga luzes sobre mim, me assustando e fazendo escorregar...

Por muito pouco consigo segurar na mureta repleta de cadeados multicoloridos. Como se os percebesse pela primeira vez, passo a mão solta por eles – alguns com nomes ou corações gravados – e penso que cada um deles carrega uma história de amor. Como será que deve ser sentir que alguém te completa? Será que dá a vida algum sentido? Afinal, existe algum sentido em viver?

Não essa vida que se apresenta para mim. Não sem Charlie. Não há vida possível com um pedaço me faltando.  

Como um pêndulo agarrado a ponte, começo a sentir o punho esquerdo arder. Ele não vai suportar meu peso por muito tempo. É hora de deixar ir toda a dor e acabar com esse peso insuportável no meu peito de uma vez por todas. Respiro fundo mais uma vez e o ar queima minhas narinas.

Lágrimas brotam de meus olhos e o rosto do anjo novamente dança diante de mim. Será que um querubim tão belo quanto ela irá me receber no céu? Eu duvido.  

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