1 - O retorno

SAMANTHA

Naquela noite. 

Eu estava sentindo minha pressão muito baixa, meu corpo estava imóvel e fraco, era como se eu estivesse paralisada do pescoço para baixo. Porém, minhas pálpebras estavam pesadas. Eu não conseguia abrir os olhos. Como uma apneia, onde um demônio te segura em cima da cama, até que tenha conseguido sugar toda a sua energia então recuperada durante o sono. Eu mal conseguia respirar. Não lembrava muito bem o que havia acontecido, mas ainda com consciência, mesmo que com os olhos fechados, eu sabia que estava viva, pois respirava. 

Eu não podia enxergar, mas podia ouvir muito bem o que se passava ao meu redor. O local onde eu estava tinha barulho de água, cheirava a umidade e terra molhada. Eu podia ouvir sons de gaivotas distantes, árvores se movendo com a ajuda do vento forte. Mas por que não conseguia me mover? Ou sequer abrir meus olhos… 

Ouvi uma voz feminina, mas não pude entender o que dizia. Não parecia uma língua comum.

— Xýpna! — ouvi então no final da frase. — Abra os olhos e enxergue. Acorde! 

Foi quando meus olhos se abriram enfim. E eu pude ver. Que merda de lugar é esse? 

— Bem—vinda de volta Samantha, já faz bastante tempo. — eu acompanhei a voz feminina que me dava as boas vindas. Uma mulher de meia idade, mas muito bem conservada, me encarava feliz há um metro de distância. Ela tinha a pele negra, usava um roupão velho e vermelho com capuz, onde suas grandes tranças escuras caiam dos lados. Suas mãos eram cheias de anéis. Ela não parecia uma mulher normal da civilização. Não parecia que vivia como uma pessoa normal. Ao meu redor, haviam paredes de pedra, úmidas e escuras. A cama era quente e macia. Eu Já não me sentia mais fraca. Me sentia estável e leve. Mas ainda não sabia onde estava. 

— Já pode se levantar. — disse a mulher. — Não precisa mais descansar. 

— Quem, quem é você? — perguntei assustada enquanto levantava depressa. — Onde estou? 

— Eu sou Analu Deveroux, estive cuidando de você nos últimos meses em que esteve adormecida. — Ela dizia coisas sem sentido. 

Últimos meses? Cuidando de mim? 

— O que aconteceu? — perguntei assustada, sentindo minha garganta seca. 

— Você foi enviada a nós pelo homem que nos prendeu aqui. Ele disse que você era uma pessoa muito importante e que deveríamos mantê-la adormecida.

— Meu marido, Thomas, meus filhos… onde estão? — eu estava começando a recordar dos meus últimos momentos. Eu lembro da minha mãe, Caroline, lembro de John morto. 

— Não sabemos nada sobre isso. Não tivemos esse tipo de informação. A única ordem que recebemos foi de cuidar do seu corpo. — respondeu ela chegando mais perto. 

— Há quanto tempo estou… hum… adormecida? 

— Bom, o tempo certo, de acordo com a sua condição, seria de cinco meses. Onde teria tempo suficiente pras suas células mudarem. E seu corpo se acostumar com… com suas novas habilidades. 

Novas habilidades? Do que ela tá falando? Cinco meses pra me adaptar em que? 

— Receio que não se lembre do que aconteceu antes, certo? Parece confusa. 

— Eu não sei se… se estou entendendo o que a senhora quer me dizer. Não sei o que está acontecendo. A última coisa que me lembro é de desmaiar com uma mordida no pescoço. 

— Sim. Temo que tenha sido mordida por um vampiro, mas quando ele a encontrou, você já estava limpa, sem marcas. 

— Quem é ele? O que aconteceu comigo, afinal? 

— Não podemos dizer seu nome. Mas você esteve dormindo por 9 meses. Era o desejo dele que ficasse aqui mais tempo, mas não posso mais permitir isso. Eu te mantive aqui por tempo demais. Não posso deixar que uma irmã viva sofra pelas coisas que nossos espíritos presos estão sofrendo. Precisamos de você lá fora. É uma Calerva, Samantha. Uma Bruxa.  Como nós.

Hãm? Como assim? ela… Ela também é uma Calerva? Bruxa? O que?!

— "Como nós."? — perguntei gaguejando, tem mais de nós? 

— Sim, dezenas. — respondeu ela como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. 

Arregalei meus olhos, sem acreditar no que havia acabado de ouvir. Como assim dezenas? Não era uma maldição? 

— Como? Como existem tantas? 

— Aqui temos poucas irmãs. Existem outras centenas por todo o mundo. 

— O que sabe sobre eu ter dormido por tanto tempo? 

— Não posso te dar tantas informações, preciso ser rápida antes que o notifiquem. Você precisa ir.

— Por que me ajudou por tanto tempo? 

— Somos iguais. Acredito que todas deveríamos ficar unidas e ajudar umas as outras. 

— Sra. Deveroux, eu não entendo. Por que me sinto diferente? 

— É o seu primeiro dia acordada depois de muitos meses. Vai melhorar com o tempo. Só tenha controle. 

— Controle sobre o que? — perguntei assustada. 

— Você vai descobrir em breve. Lembre—se, sempre exercite o controle. — Analu pressionou seu dedo indicador sobre minha testa e sussurrou palavras nas quais eu não conseguia traduzir. E num instante tudo ficou escuro mais uma vez.

Abrindo meus olhos devagar. Eu pude sentir o chão abaixo de mim. Meu rosto encostava nele, e bem a frente dos meus olhos havia um posto de gasolina bem distante. Levantei—me do chão com agilidade e caminhei em direção a esse posto meio desorientada. O sol queimava minha pele de uma maneira não muito agradável. 

Eu estava com as mesmas roupas do dia em que saí de casa com as crianças. O vestido amarelo florido. Mas estavam limpas. Em volta de mim não havia nada além de areia e grama seca. A não ser um posto. E eu precisava de um telefone pra ligar pro Thomas pois não fazia ideia de onde estava. 

Não sei qual a probabilidade de uma pessoa ficar com insolação tão rápido. Mas conforme o sol queimava minha pele eu sentia meu estômago embrulhar e ficava fraca. Com sensação de vômito, eu parei no meio do caminho porque me engasguei com o que subia pela minha garganta. Cuspi no chão e me assustei. Era sangue. Eu sabia que precisava de um hospital urgente.

THOMAS

Já haviam se passado alguns meses desde que Samantha desapareceu. Continuávamos procurando por ela em todos os lados. Não tínhamos nenhuma resposta. Ela simplesmente havia sumido do planeta terra. A família dela ainda colocava culpa em mim por tudo. Eu deixei os meninos aos cuidados de Clara, que estava grávida agora. Precisava encontrar Samantha e não podia fazer isso com eles. Sempre me preocupando com a segurança deles. E eu sei que com a família estariam seguros. 

Não faz muito tempo que os vi, sempre me mantenho por perto, pra eles não se sentirem completamente abandonados. Já estão sem mãe… Não poderia deixa—los sem mim também. 

Meu celular tocou, era um número grande. Provavelmente vindo de um telefone público. 

— Bart. — falei 

Ouvi uma respiração ofegante do outro lado. Mas não me responderam. 

— Quem é? — perguntei 

— Thomas… — a voz picotada do outro lado disse. Não podia ser. Eu não tinha mais esperança de receber esse telefonema. Fiquei imóvel e completamente sem palavras. — Thomas, sou eu… — Ela reforçou, como se eu não reconhecesse. 

— Sam? Sam, onde está? — perguntei sentindo a adrenalina tomar conta de mim. 

— Eu não sei. Que lugar é esse? — ouvi ela perguntar pra alguém longe do telefone. 

"um posto de gasolina" — disse um homem 

— Eu sei, idiota. Estou perguntando o endereço, cabeça de bosta. — respondeu ela irritada. Não houve resposta. — Hey, com licença, qual o nome dessa rua? — perguntou ela pra alguém de novo. — responderam algo que não consegui ouvir. 

— Tom, estou na Atridon, número nove. — sua voz parecia cansada e aliviada. 

— Estou indo te buscar agora. Não saia daí. — respondi desligando meu telefone e correndo pra fora do quarto de hotel onde eu dormia desde que a casa ficou vazia sem eles.

SAMANTHA

Ele parecia não acreditar por telefone. Sua voz estava falhando e ele falava muito rápido. Eu não estava me sentindo muito bem. O sol estava tão forte que doía sobre a minha pele. Parecia que eu não comia há dias. Meu estômago doía e minha garganta estava seca como o deserto. 

Me abriguei em baixo de uma tenda quebrada que estava ao lado do posto. Não haviam muitas pessoas ao redor. E eles não pareciam me notar ali. Então esperei até que Thomas viesse me buscar.  O barulho dos pássaros que passavam me incomodavam. Eles estavam muito barulhentos. Apesar do posto estar cheio, as poucas pessoas que ali estavam falavam todas juntas.

Uma caminhonete branca estacionou há alguns metros de distância. Eu pude sentir que era ele. Meu coração batia forte, me dando a sensação ruim de um ataque de pânico. Pensando que aquele momento eu já vivi repetidas vezes. Rever as pessoas que amo depois de passar muito tempo fora. Eu ainda me pergunto se um dia eu vou ter uma vida normal. Onde eu não fique sendo sequestrada ou sumindo, e todas as outras coisas ruins que me aconteceram. Será que eu ainda descanso? 

Nem cinco segundos depois de estacionar se passou e Thomas já estava fora do carro. Ele me encarava de longe. Com os olhos piscando rápido e a respiração ofegante. Eu pude ouvir de onde estava. Até que ele correu até mim e eu até ele. 

Nos abraçamos no meio do posto de gasolina. E eu não me contive mais. Meus olhos molhavam sua blusa branca enquanto ele me apertava forte. Como senti falta desse abraço. Eu não conhecia quase nada melhor do que aquilo ali no mundo. Eu finalmente estava em casa de novo. Porque eu morava onde ele estivesse. Praticamente soluçando de chorar eu perguntei pelas crianças. 

— Onde estão os meninos? 

— Forest Lake, com Clara. — ele respondeu me arrancando de seus braços para me olhar. — Precisei deixa—los lá para procurar por você. Não confiava mais na cidade. — ele respirou fundo. — Onde esteve? 

— Vou te contar tudo que sei no caminho. Mas preciso ir pra casa, não me sinto bem. — respondi puxando seu braço e caminhando em direção à caminhonete.

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