CAPÍTULO 2 - ENOQUE VOS

            - Boa noite, Central da Polícia de Maité, em que podemos ajudar? - disse uma voz feminina e um pouco rouca do outro lado da linha.

            - Ouvimos três disparos de arma de fogo na casa das nossas vizinhas e o meu marido saiu para ver o que aconteceu! - informou Madalena, uma rechonchuda e baixa mulher de aparentes cinquenta anos etários com a pele muito clara, olhos castanhos por trá dos óculos de grau, cuja armação retangular era quase da mesma cor que os seus cabelos tingidos de vermelho acajú e cortados em estilo pixie - Ele é policial aposentado! - complementou, mexendo impaciente na gola da sua camisola de botão de renda, enquanto espiava pela janela sem tirar os olhos do seu marido, que cautelosamente atravessava a rua naquele momento.

            Alfredo era um homem alto, de pele muito escura e sete anos mais velho que Madalena, mas fazia questão de manter o porte atlético dos tempos em que atuou como policial, embora os cabelos o tenham abandonado quando ainda tinha trinta anos. Trajando apenas as calças do pijama e chinelos, ele tinha em mãos a sua espingarda de estimação, Cátia, enquanto trotava em direção à casa de Clara e Débora, cujo portão estava aberto e os muros verdes, que não eram altos, permitiam ver que a porta da casa estava escancarada.

            Naquele momento, o mais importante para Alfredo era prestar os primeiros socorros a quem quer que estivesse ferido ali dentro. Além disso, o policial aposentado acreditava que cabia aos detetives e oficiais ativos o dever de ir atrás da figura encapuzada que ele viu saindo daquela residência.

            - Certo, senhora, a sua denúncia foi registrada e um alerta está sendo repassado para os oficiais que estão próximos ao endereço informado. - Madalena ouviu a atendente da Central de Polícia de Maité lhe dizer - Uma viatura deverá chegar em breve ao local. O Departamento de Polícia de Maité agradece pelo seu reporte. - concluiu a oficial, encerrando a chamada após passar um alerta para viaturas próximas do endereço informado por Clotilde e outro para os computadores e dispositivos móveis cadastrados no Departamento de Homicídios de Maité, já deixando os detetives alertas para o caso de o relato não ser falso, ou melhor, o detetive, pois àquele horário só deveria haver um em todo o prédio.

                                                                  ***

            - Enoque!

            Uma voz distante e não identificada subitamente chamou pelo homem, enquanto ele, que trajava roupas sociais sem paletó, mais uma vez corria por uma rua deserta, tentando evitar ser pego por misteriosos homens engravatados e sem rosto.

            - Enoque!

            Outra vez chamou a, agora, próxima e aparentemente masculina voz, fazendo com que  o homem parasse de correr, sem se importar com o cenário se esvaindo em meio às trevas ao seu redor.

            - Enoque! Acorda, cara! - disse o oficial Reinaldo, um pouco antes de usar um jornal enrolado para bater no peito do detetive que dormia em sua própria cadeira, com os pés sobre a mesa e um chapéu fedora preto cobrindo o rosto.

            - O que foi, Rei? Aconteceu alguma coisa? - indagou Enoque, enquanto tirava o chapéu do rosto e o colocava sobre o teclado do computador, abrindo brevemente os olhos para ver o rosto de quem o acordou e voltando a fechá-los, tomado pela preguiça.

            - Pra quem praticamente mora no Distrito de Polícia porque diz que ‘tá louco pra pegar um caso que preste e mostrar que é o maior detetive de toda a Novolanda, tu ‘tá dormindo no ponto. Literalmente! - disse Reinaldo, quase sussurrando e com o rosto perto do de Enoque, empurrando o peito dele com o dedo indicador enquanto falava - Olha pra tela do computador, chegou um alerta envolvendo disparos de arma de fogo dentro de uma residência e a viatura já até deve ter chegado ao local. - explicou, fazendo com que Enoque quase desse um pulo da cadeira, tirando os pés de cima da mesa e colocando o rosto rente à tela do computador.

                                                                  ***

            Da calçada em frente à sua casa, Madalena viu a viatura chegar com as luzes da sirene acesas e estacionar em frente ao portão da casa do outro lado da rua, no qual o seu marido se encontrava encostado, segurando Cátia de maneira que seu cano apontasse para o chão.

            Alfredo, que não tirou os olhos da viatura desde que a sua aproximação se tornou perceptível devido às luzes dos sinalizadores, logo reconheceu os policiais que atenderam ao chamado e esperou que eles viessem ao seu encontro e o cumprimentassem, chamando-o pela patente que ele alcançou na polícia: capitão. Só então que ele contou o que ouvira e vira, concluindo com um:

            - O que eu vi lá dentro, vocês vão querer ver com os próprios olhos! - e deu um passo para o lado, permitindo que eles passassem pelo portão.

            Uma vez no interior da casa, que estava apenas com as luzes da sala acesas, a dupla de oficiais mal olhou para a cena do crime e já entendeu a dimensão do problema. Um deles se agachou para poder ver melhor, enquanto o outro sacou o rádio para se comunicar diretamente com a Central de Polícia.

                                                                 ***

            O oficial Reinaldo Sanches, cujos conhecidos o chamavam de Rei, era um homem alto e magro, com a pele de um tom intermediário entre o escuro e o claro, usando seus cabelos pretos em corte asa delta e barba balbo. Sempre fardado em serviço, como era de se esperar dos oficiais, ele, diferentemente dos demais, se dava bem com o detetive Enoque, em grande parte porque eles se conheciam desde a infância.

            Enoque Vos, por sua vez, tinha estatura média e era um pouco forte, possuindo uma pele alva com algumas sardas e os olhos verdes, usando os cabelos vermelho-ferrugem num corte pompadour e nenhuma barba ou bigode. Sendo um investigador, ele podia se dar ao luxo de permanecer à paisana mesmo em serviço, dando preferência a uma calça jeans bootcut azul com tênis preto e camisa de manga longa quase sempre preta e por cima da qual frequentemente usava uma já gasta jaqueta jeans azul, como era o caso naquela noite.

            Depois de ter sido acordado pelo amigo e ter lido o alerta que seu computador exibia, Enoque não demorou para sair de sua mesa e ir procurar um pouco de café, mas nem bem ele encheu a caneca e já sentiu o seu celular vibrar no bolso direito da calça. Era uma atualização do alerta anterior, chamando algum investigador para o local.

Diante disso, Enoque só fez m****r todo o café extremamente quente goela abaixo e saiu andando apressado, passando por Reinaldo no caminho e aproveitando para dizer a ele:

            - Liga pro Vini e passa os detalhes para ele!

            - Ele não vai gostar disso… - comentou Reinaldo, achando que Enoque não o ouviria.

            - Eu não me importo, apenas liga pra ele, ok?! - respondeu o investigador ruivo, lembrando-se de como o seu parceiro era um dos vários policiais que lhe enchiam a paciência, o chamando de moralista e inconsequente por questionar a Pax Maitensis.

            - Você sabe que mesmo que o Vini me atenda, ele só vai dar as caras aqui pela manhã! - disse Reinaldo, quase gritando, um pouco antes de Enoque sumir de sua vista no corredor.

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