Capítulo 09 - Soretrat

NÃO PENSE QUE EU ESQUECI NOSSA CONVERSA DE HOJE CEDO, MILAN! — Danielle para do meu lado trajando seu vestido transparente e coloca as duas mãos na cintura.

Engasgo com o canudo de doce de leite e preciso recuperar o fôlego. Ela me ajuda dando batidinhas nas minhas costas.

— Você tá louca? — Entre tossidas e com a mão na boca, eu a repreendo. — Não vamos falar disso aqui, todos os escravos podem ouvir e os nobres e... a Jay. — Ergo as sobrancelhas enfatizando.

Danielle pensa um pouco e solta a cintura, vencida:

— Tudo bem. — Concorda, olhando para os lados. — Por hora quero apenas que me diga desde quando foram suscitadas suas suspeitas.

— Qual delas? — Dou um sorriso querendo dizer que são distintas e que também não sei se quero responder.

— Mãe! — Isis a filha mais velha de Danielle se mete entre nós. Ela está com os cabelos escuros presos em um penteado elaborado e usando um vestido cinzento de saia frondosa acima do joelho e um decote no busto. — Diga para o papai parar, ele está arruinando a minha vida!

— Filha, não diga isso. O que foi? Diga pra mamãe. — Danielle pergunta, abstraindo-se da conversa. Ufa!

— Ele quer que eu vista o casaco dele e disse que meu vestido é muito curto. — Isis cruza os braços aborrecida e bate o pé no chão algumas vezes. — Onde já se viu, tou parecendo uma velha, esse vestido tá arrastando no chão!

— Quando Dorian fez isso com Caedyn, ela simplesmente tirou a roupa e desfilou de lingerie. — Digo só para causar, pegando mais um docinho da mesa.

— Mesmo? Caedyn é demais! — Isis abre bem os olhos liláses encantada com a força feminista da prima e Caedyn é assim mesmo, do tipo que leva tudo para o lado pessoal e se vinga de alguma forma.

— Filha, você não precisa chegar a extremos para mostrar seu ponto de vista! — Danielle a repreende, antes que ela comece a tirar o vestido. Acho engraçado que Danielle se vista sempre de forma escandalosamente sexy, mas tenha repúdio em pensar em suas filhas fazendo o mesmo. — O homem é a cabeça da casa, mas a mulher é o pescoço e o pescoço vira a cabeça para onde quer.

— E como isso se aplica se ela for bissexual? — Pergunto sério, mas estou só brincando.

— Ainda assim, meu querido, nos sobram armas. — Danielle pisca um olho, sorridente. Do jeito que ela domou meu tio, acho que ela tem razão. Além do mais, Lucretia e Lennon usam essas armas contra mim o tempo todo.

— Ótimo! Então direi ao papai que aceite ou irei fazer igual Caedyn e tirar a roupa! — Isis ameaça energética, parece que sua mente parou na imagem de Caedyn enfrentando o pai e ela não absorveu nenhuma palavra do que Danielle disse, sobre virar o pescoço e bla bla bla.

Fico bem quietinho mastigando o doce, antes que o problema se torne meu, que dei a ideia! Logo os outros se aproximam, cumprimentando Danielle por sua conquista. Eu não partilho dessa empolgação. O que tem de bom em deixar outra consciência se apossar de seu sangue?

●●●

— Zane? — Román me chama, segurando no meu cotovelo. — Ocupado?

Román está de terno, mas sua expressão é um pouco tensa, preocupada, o maxilar endurecido, uma típica expressão de descontentamento.

— O que foi?

— Dá para você fazer alguma coisa? — Ele exige com sua voz firme de major, o que me pega um pouco de surpresa. Quando meu rosto reage, Román continua e aponta com o polegar por cima do ombro. — Seu ex-namorado está passando dos limites e estou por um triz de queimar aquela cara ridícula dele.

Minha mente nem processa. Olho para trás de Román para ver o que ele quer dizer: Kaiser está dançando com Thalise de forma íntima e a mão na lombar, a saia do vestido flamula.

— Ele não é meu ex-namorado, deixa de ser ridículo. — Olho sério para Román, sem paciência nenhuma para isso. — E sabe que Thalise te ama, ela não vai te trair nem nada do tipo.

— Confio em Thalise, não confio em Kaiser. — Román justifica, erguendo as mãos. — Ele já foi Bawarrod e portanto é um manipulador de merda.

— Bem, obrigado. — Pego um dos canudos de brigadeiro da mesa e reviro os olhos, levando o que ele disse como ofensa.

— Não foi isso o que eu quis dizer. — Román se conserta, mas foi o que ele disse!

— Não vou levar em consideração porque você está morrendo de ciúmes, mas acho que se quer que alguém os atrapalhe, esse alguém tem que ser você, meu amigo. — Dou dois tapinhas no ombro de Román e estreito os olhos numa careta de desprezo por sua causa. — Além do  mais, Kaiser não gosta tanto disso quanto você imagina.

Román pensa um pouco no que eu disse e toma fôlego:

— Quer saber, tem razão, vou lá! — Román até ergue as mangas da camisa, como se preparasse para a briga.

Espera!

— Román! — Tento chamá-lo numa tentativa fraca de que ele desista, mas ele me deixa falando sozinho.

Román é rápido e possante, como um touro enraivecido e muito cabeça dura, aliás. Ele se aproxima de Kaiser e Thalise e os atrapalha, puxando Thalise pelo braço como um grosso, ela leva uns tranquinhos como se empacasse. Kaiser fica sem entender nada e ergue as mãos, sem outra reação, enquanto Román tira Thalise de seus braços e da pista de dança. Tenho que esconder o rosto com a mão porque fico até com vergonha alheia da cena enciumada. Que rivalidade mais boba!

— O que foi isso? — Lucretia passa o braço por meus ombros, se jogando, ela tem que ficar nas pontinhas dos pés.

— Não estou interessado. — Meu coração até entra em aflição.

— Oh, mas eu estou! — Abrindo bem os olhos vermelhos como o sangue, Lucretia passa por mim, seguindo Román e Thalise. Os dois vão em direção à sacada, com caras emburradas.

— Lucretia! — Eu vou atrás dela, tento segurar em seu braço, mas ela me dá uma olhada de “fique quieto” que me deixa exatamente sem palavras. Ela se aproxima da janela, bisbilhotando e eu paro atrás da mesa de canapés. — Sinceramente, para uma Imperatriz, você é muito abelhuda.

— Cala a boca, cretino! Só estou curiosa com o bem-estar de Román, nunca o vi assim com garota nenhuma! — Lucretia pontua. Bem, ela tem razão. Chama a minha atenção o suficiente para que eu olhe pela janela também. Lucretia olha para mim. — Quer apostar quantos minutos eles demoram a se entender, cretino?

— Claro. Dez minutos.

— Dez? Nossa, eu acho que sua irmã dobra Román em seis! — Ela me dá língua.

— Mas que porcaria é essa Roman?! — Thalise berra irada com os braços para cima.

— Eu que pergunto! — Román berra de volta, apontando as mãos para ela. — Não é de hoje que você está cheia de dedos com Kaiser! Você se esqueceu de que é casada?

— Acho que quem se esquece disso é você. Já que anda me evitando como o diabo que foge da cruz! Não me culpe por estar dançando com alguém que queira dançar comigo. — Thalise cruza os braços.

— Ela está dizendo que eles não estão fazendo sexo? — Lucretia cochicha insinuante.

— Sei lá! Quer emprestar Lennon para eles?

— Não, Lennon é meu e não divido com ninguém. — Lucretia arqueja e me dá uma olhada enviesada.

— Pelo amor de Nether! De onde você tirou isso? Eu não estou evitando você! — Román se ofende. Ele agora coloca a mão no corpo, se apontando.

— Você tem arranjado coisas para fazer o tempo inteiro! Os poucos momentos que nós temos juntos você nem conversa comigo. Isso é tudo por que eu quero ter um filho?

— Ui, que durona. — Lucretia se diverte. Olho para ela com cara de tédio, por estar rindo da desgraça alheia. Thalise quer ter um filho e Román não, deve ser um ponto de divergência muito forte nesse relacionamento.

— Esta vendo? Você não sabe falar de outra coisa além desse maldito assunto. — Román cruza os braços, sentenciando como se fosse um crime.

— Não sei falar de outro assunto? — Thalise se ofende e coloca a mão no coração. — Okay, então faremos assim Román: se você não quer me dar o que eu quero, eu arranjo com outra pessoa! — E ela vira de costas ameaçando sair da sacada.

Eu e Lucretia entramos imediatamente em baixo da mesa para ela não nos ver quando passar pela porta. Preciso segurar a boca de Lucretia para ela não dar uma gargalhada. Ela morde minha mão, cravando os dentes.

— Ai, sua maldita! — Eu a empurro, batendo a cabeça na mesa. Seguro a mão, sentindo muita dor. — Por que você fez isso?

— Você perdeu, idiota! — Ela limpa os cantinhos da boca. — Ela levou cinco minutos.

Estreito os olhos irritado por ter perdido.

— Morda direito da próxima vez, cretina, ficou me devendo um orgasmo. — Reclamo.

— Hm, se você quiser eu te arranjo um agora mesmo. — Lucretia engatinha de jeito sexy se insinuando para mim, nessa posição, consigo ver por entre seus seios o que há dentro do seu vestido. Suas mãos delicadas alcançam minha cintura, querendo tirar meu cinto.

— Não em baixo da mesa em um salão cheio de nobres, sua indecente! — Seguro em suas mãos, impedindo.

— Deixe de ser chato, Zane. — Ela me mostra os caninos de vampiro, pronta para me morder. — Será como nos velhos tempos. — Sua boca encosta na minha, não resisto em passar a língua na pontinha de seus dentes. — Tenho certeza que você se lembra bem, safadinho.

— Claro que sim. — Não seguro o sorriso que ela arranca de mim e a encaro firme nos olhos. Ai, ai, viu. Quase um martírio resistir. — Mas acho que não preciso de mais motivos para atrair a ira dos nobres, meu amor. Tenho certeza que você concorda.

— Shhh, cale a boca e me beije agora. — Ela segura no meu rosto, seus lábios firmes se encostam aos meus e ela senta sobre mim, curvando as costas por causa da mesa.

— Vamos para a sala privativa? — Minhas mãos percorrem suas pernas, aperto suas coxas, Lucretia sorri enquanto nossas bocas se misturam.

— Hm, eis o problema: emprestei para Caedyn, ela está de paquera nova. — Ela diz.

— Ah, não! Mas então, tenho uma ideia. A Sala Riezdra fica sempre vazia.

— Sabia que você não ia resistir. — Lucretia canta vitória.

— Você me conhece bem, cretina.

— Cretino é você. — Ela dá um puxão no meu cabelo, agindo igual uma criança.

Deixamos a mesa para voltar ao salão de festas, todos parecem absortos em seus afazeres e não é difícil chegar até a sala privativa Riezdra. Como todas as salas que existem nos salões de festas, há um tapete vermelho com o caduceu dourado e um conjunto de sofás, um bar com várias garrafas de uísque e uma cama com um dossel, que é para onde vamos aos beijos, apertando nossos corpos um com o outro.

Lucretia retira minha gravata e se senta em cima de mim, puxando meus cabelos enquanto me afogo entre seus seios fartos e macios, beijando-a com saudade. Eu a jogo de costas no colchão macio, ela dá uma risadinha e invado a saia do seu vestido com as mãos, prensando-a contra meu corpo.

Ela estremece fragilizada em meus braços e seus olhos se abrem, como quem busca fugir de uma memória. Droga, sempre me esqueço. Quando era ainda criança, porém, de corpo desenvolvido, um escravo de sangue avançou sexualmente sobre ela, segurando em sua perna esquerda, tentando puxar sua calcinha. Detesto por fazê-la se lembrar disso agora.

— Está tudo bem. — Ela sorri, segurando no meu rosto aceitando meu silencioso pedido de desculpas e me beija forte, mordiscando minha boca, suas pernas ao redor da minha cintura, com o poder de me deixar louco.

Existe algo de extremo e intenso em ter o toque da empatia nas mãos, quando podemos sentir o desejo de outra pessoa tão palpável.

De lábios colados comigo ela puxa meu paletó pelos ombros enquanto morde a boca com desejo e abre de uma só vez os botões minha camisa, minha língua percorre de seu omoplata para o pescoço.

A porta da sala abre. Nós, que somos os invasores, trocamos rápidos olhares e fica claro o que temos que fazer. Escorregamos para baixo da cama, nos escondendo. Escuto a porta bater, um farfalhar de roupas, acho que um vestido e logo vejo dois pés, um de homem e um de mulher, com sapatos. A barra cinza do vestido e da calça.

Lucretia olha para mim insatisfeita por ter sido atrapalhada, mas sinceramente, ela que emprestou nosso canto para Caedyn! A cama sobre nós se dobra com o peso dos corpos, barulhos esquisitos que indicam pessoas se beijando e se amassando, uns gemidinhos. Os sapatos vão ao chão, depois um paletó.

— De quem é essa gravata? — Ai, não! Reconheço a voz do meu pai.

— Deixe pra lá. — Agora é a voz da minha mãe.

Meu queixo cai, em uma expressão de espanto e Lucretia abre um sorriso e os olhos, numa expressão de surpresa, mas não ruim como a minha, sabe? Lucretia coloca a mão na boca rindo e eu preciso fechar os olhos e cobrir os ouvidos.

— Oh, Devon. — Jay geme, a cama balança.

Nãaaao! Isso é demais para mim. Ninguém gosta de ouvir os pais fazendo sexo!

— Vocês dois! — Saio debaixo da cama, mas não tenho coragem nem de olhar o que está havendo na superfíce, tapando os olhos e andando as cegas.

— Ahhh! — Jay grita assustada.

— Zane? — Devon nem acredita que eu estava no quarto. — O que você está fazendo aqui?

— Com licença, também vou sair. — Escuto a voz de Lucretia, logo sinto suas mãos me guiando. — Tchauzinho! Continuem de onde pararam.

Ugh, por que ela precisa dizer isso? Lucretia abre a porta e saímos. Ela fecha a porta e encosto minhas costas, respirando.

— Essa foi a pior experiência da minha vida! — Confesso, olhando para ela, que não está nem um pouco abalada. — Não vou querer fazer sexo por uma semana depois disso.

— Até parece. — Ela revira os olhos e se afasta, girando. — Te dou uma hora e te espero no carro com Lennon. — Ela pisca travessa.

Mordo a boca segurando um sorriso e vou atrás dela. Mudei de ideia, dois minutos já basta.

●●●

— Realmente é diferente da nossa. — Danielle está com as mãos geladas nas minhas costas, analisando a marca que apareceu em mim. Em sua frente, seguro a camiseta e o sueter para cima. — Mesmo quando éramos pequenas, as nossas eram diferentes. Mas eu não descartaria que você é Sirena, só por isso.

— Qual é, você viu aquele mapa? — Aponto para a enorme tela de cristal atrás da minha mesa. Os pontos vermelhos que se estendem pela Costa Leste são a prova disso. — O planeta continua desequilibrado e eu nunca manifestei nenhum poder em todos esses anos. Estou convencido.

— Vocês disseram que as marcas se ativariam quando estivessem todos juntos novamente, certo? — Lucretia está sentada no sofá, de camisola.

— A marca de Aesis é concedida pela Deusa, quando vamos à caverna ao nascermos. — Danielle explica com seriedade. — Nunca soubemos de outra criança além de nós quatro com essa marca.

— E por acaso eu tinha essa marca quando eu era criança? Pois pra mim, apareceu lá na sala em N-D44. — Cruzo os braços e me afundo no sofá, sentando.

— É normal se sumir. Em algumas crianças os poderes se manifestam depois dos dez anos. — Danielle explica com um suspiro, batendo o dedo no queixo. — Mas essa não parece a marca de Sirena.

— Que marca é essa, então? — Lucretia pergunta.

— E quem é Sirena? — Pergunto na sequência. — Se encontrarmos, poderemos reestabelecer o equilíbrio do planeta?

— Podemos pesquisar sobre essa marca. — Danielle respira fundo colocando os pensamentos em ordem. — E sim, Sirena certamente está em algum lugar perto de nós, eu sinto meus poderes mais acentuados desde que chegamos a N-D44. Se não for você, temos que encontrar o outro Guardião.

— Pesquisei por toda N-D44 quem mais poderia ter uma marca dessas, mas não encontrei ninguém. — Lennon está sentado na minha cadeira, em frente a mesa, com as duas mãos na nuca e o corpo um pouco para frente, com as botas na pontinha da mesa.

— Talvez seja alguém que não esteve na caverna e por isso não tem a marca. — Danielle conclui, erguendo as mãos para frente.

— Como saberemos? — Lucretia pergunta de costas, encarando o mapa que apontei.

— Cruzando dados. — Lennon sentencia com um sorriso simples. — Todos aqueles que nasceram ou tiveram pais que nasceram entre a Noruega e a Finlândia.

— É alguém da mesma geração que nascemos. — Danielle aponta para ela e para mim, contornando a sala e se sentando em uma poltrona, puxando as extremidades da saia de seu vestido colado. — Alguém que tenha a nossa idade. Nossa idade real. Possivelmente não é um vampiro... Deve ter o quê? Por volta dos quarenta anos. E deve ser sidhe.

— Ótimo, começaremos por aí. — Lucretia gira, nos encarando, colocando as mãos na cintura fina.

— Podemos avaliar os registros de certidões de todos em N-D44, posso criar um sistema de busca. — Lennon diz enquanto as engrenagens de seu cérebro já trabalham em cima disso.

— E o que te faz levantar suspeitas sobre Bawarrod? — Danielle pergunta, me encarando. — Tenho que dizer que acho uma ideia fantasiosa, irmão.

— Quando Kaiser voltou, ficou claro. Obviamente ele não morreu, porque Bawarrod não deixou seu sangue, Lauralyn disse que o veneno era fatal. Isso é um ponto. — Engancho um dedo de uma mão com o de outra, contando. — O segundo ponto... — Engancho outro dedo. — É que durante as reuniões do Conselho, não entro em transe como os outros, simplesmente.

— Olhe para ele, há Bawarrod impregnado nele, certo? — Lucretia discorda, apontando para mim.

—  O que está dizendo é impossível! Durante sua Cerimônia de Passagem teriam como saber, Kaiser teria como saber. Além disso, existem coisas que somente com a presença dos representantes das Nove Casas o Conselho poderia decidir e Kaiser estava ausente por longos quinze anos. — Danielle diz, enumerando pequenos detalhes que podem fazer a diferença ou não.

— Não consigo pensar em uma explicação que seja mais plausível. — Dou de ombros. — Tenho recebido acusações de Kaiser, talvez ele saiba que ainda possui Bawarrod em suas veias e eu sou um impostar.

— Ele não possui, ele apenas desconfia que sofreu um golpe  por não se lembrar o quanto te ama. — Lucretia insiste aborrecida por eu não dar crédito a ela, batendo o pé direito. — Podemos solicitar uma checagem a Casa Blonard, se isso te deixar tranquilo.

— Não acho sábio alarmar o Conselho em meio às acusações de Kaiser. — Lennon a interrompe acertando a postura e descendo os pés, eles trocam um olhar. — E certamente se percebesse que a passagem não deu certo, Kaiser teria dito algo na época. O que aconteceu com ele é outro mistério que precisamos solucionar também.

— Provavelmente o veneno não o matou. — Lucretia abana a mão, rindo.

— Tenho certeza que matou, vimos os laudos e estive perto de seu corpo quando o velamos. Se estivesse vivo eu saberia e poderia curá-lo. Henri também examinou exaustivamente na época, o laudo foi real. — Danielle bate uma mão na outra. — Aquele homem, quem quer que seja, voltou à vida simplesmente!

— Ele poderia ser uma ilusão? Igual às borboletas na cerimônia? — Lucretia afasta-se do monitor e anda até a mesa, onde Lennon está.

— Que borboleta? O quê? — Danielle pergunta.

— Fiz uma ilusão no Templo de Nether, as borboletas. Mas, de alguma forma estranha, elas foram bem convincentes e sólidas. — Revelo.

— Não só isso. — Lennon sai da cadeira, pegando uma pasta em cima da mesa e anda até nós com uma pasta nas mãos.  — Uma amiga no laboratório fez o favor de examinar uma das borboletas que peguei da cerimônia e... — Ele me entrega a pasta. — São borboletas. O genoma, todos os sistemas biológicos de uma borboleta, enfim, é uma borboleta bem real, de fato.

— Uma ilusão que se tornou real. Talvez Bawarrod esteja em você e talvez você seja forte demais, Zane. — Lucretia abre um sorriso empolgado e se aproxima de mim. — Talvez Kaiser não seja ele mesmo, mas um clone criado por você e todas as acusações que ele faz seja porque você se sente culpado pelo passado.

— Cala a boca. — Atiro a pasta no colo de Lucretia, irritado — Como assim ele não é real, está pirada?

— Milan! — Danielle me repreende.

— Zane fica zangado quando está frustrado, já acostumei. — Lucretia dá de ombros e se senta na poltrona ao lado de Danielle.

— Se ele é uma maldita ilusão podia desaparecer e me deixar em paz. — Coloco as mãos na cabeça. — E depois o que? Os alienígenas e todo o resto do universo é uma ilusão que eu criei também? Vou acordar em um hospício?

— Uma ilusão é uma ilusão. Não pode ser real. Além do mais, se Bawarrod controla as ilusões que cria, então porque depois não consegue dissipá-las? — Lennon sugere.

— Não é uma ilusão. — Danielle revira os olhos. — Mas se foi algo que você fez, precisamos descobrir o que é. Pode ser perigoso e você está caminhando durante a luz do dia. Ou tem um incrível poder de regeneração ou os raios UV não têm efeitos em você.

— Não sinto nenhum tipo de dor ou incômodo quando caminho de dia. Não sei dizer se é uma regeneração ou imunidade, descobri sem querer. Fiquei no escritório até mais tarde, quando saí, notei que era dia. Até levei um tempo para perceber que isso tinha acontecido, pois como fui humano, achei natural, nem me lembrei. — Dou de ombros cruzando os braços e estico a boca em sinal de que não sei mesmo como explicar. E eu não sei.

— O que quer que seja, descobriremos. Um passo de cada vez. — Danielle decide colocando a mão para frente em um gesto que pede calma.

Alguém bate na porta com força, tomamos um susto pela surpresa e eu me aproximo da porta. Abro só um pouquinho, encarando os olhos dourados de Jaylee, que busca pela fresta, percorrer todo o interior para saber o que estamos conversando.

— O que vocês estão tramando? — Jay pergunta, astuta. Ela fareja essas coisas como um lobo fareja sangue e carne!

— Estou ensinando Danielle o que é um beijo triplo para que ela possa fazer com Dorian e Izobel.  — Abro a porta, com uma das mãos na cintura e um sorriso safado.

— Milan! Não seja indecente, eu não faria isso! — Danielle horrorizada, protesta. Lucretia abraça a pesquisa sobre a borboleta por baixo de uma almofada. — O que Jay vai pensar de mim?

— A questão é, o que ela pensa de você agora? — Só fazendo intriga, mesmo!

— Não mude de assunto. — Jay estreita os olhos desconfiada, sabendo que não estamos dizendo a verdade. — Vim trazer isso para Danielle, acho que é de Kateus.

Ela estende um envelope prateado com um selo de cera vermelha. As cartas são sempre para Danielle, bem que Kateus podia pelo menos uma vez na vida me responder, né?

— Oh. Será que algo aconteceu? — Danielle se aproxima e pega a carta, abrindo o selo com pressa. Ela retira o papel de seda dobrado, fico me segurando de vontade de espiar. Será que ele comentou algo de mim dessa vez? Danielle percorre com os olhos os escritos e olha para nós. — Kateus está avisando que chegará hoje, ao meio dia.

— Uau. Irado! — Fecho o punho comemorando. — Finalmente! Estou morrendo para conhecê-lo.

— Não acho que a recíproca é verdadeira, então se controle, Zane. — Lucretia revira os olhos, sempre mau-humorada.

— Por que você precisa ser tão estraga-prazeres? Essa é a melhor notícia em dias! — Olho para ela inconformado, fazendo cara de vítima.

— Acho falta de educação que ele venha ao meio dia. — Lucretia olha para as próprias unhas, esmaltadas.

— Acho que ele apenas se esqueceu. — Danielle o defende.

— Vou arrumar as coisas para sua chegada. — Jaylee diz virando-se e saindo. — Acho que um quarto na Ala Bawarrod é uma boa. Patuk! Patuk!

— Vou avisar Lauralyn e Thalise. — Danielle sai atrás dela.

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