CAPÍTULO 3

“Lutar pelo amor é bom, mas alcançá-lo sem lutar é melhor...”

William Shakespeare

DONOVAN DEIXOU JANE em sua mansão e, logo depois de beijá-la pela última vez naquela noite – ele nem imaginava que seria a última vez que faria isso com ela – foi visitar um grande amigo seu desde a mais tenra infância e de longa data de sua família – Ferdinand O’Toley –, um dos grandes artistas contemporâneos de sua época em Londres.

          Ele estava trabalhando em uma nova pintura, mas parou  por alguns instantes para tomarem algumas xícaras de chá e contarem as novidades que ambos andavam vivendo em suas tão agitadas vidas.

          O que não eram poucas...

          — Assisti ao seu último ensaio, está tocando muito bem, Donovan, meus mais sinceros parabéns, seu pai estaria muito orgulhoso do filho talentoso se estivesse aqui.

          — Obrigado, Ferdinand, você não tem noção do quanto ele faz falta.

          — Claro que tenho noção, ele era meu amigo.

          — É até estranho ouvir isso.

          — Mas é verdade, éramos tão diferentes um do outro que ninguém acreditava.

FERDINAND SEMPRE FOI UM BOÊMIO de mão cheia, vivia nas noites mais promíscuas de Londres, conhecia cada mulher e cada vagabundo dos becos mais horrendos daquela Londres – aqueles que ninguém desejaria conhecer –, mas ao contrário do que muitos imaginavam, aqueles pobres diabos tinham vidas que fascinavam a arte de Ferdinand, ele adorava pintar aquelas mulheres nuas por  alguns  trocados,  pintava  seu  sofrimento e acima de tudo, pintava seus corpo por pura paixão que um artista do seu nível deve fazer.

          Ferdinand sempre foi um grande amigo do pai de Donovan – enquanto ainda estava vivo, antes da Segunda Guerra Mundial –, e hoje em dia era um grande conselheiro.

          Apesar de nunca seguir os seus próprios bons conselhos.

DONOVAN FALOU A ELE de como foi maravilhoso o seu dia e de como acordou incrivelmente feliz, respirando um ar tão puro e novo, como nos tempos de sua adolescência...

          E com a sabedoria que sua idade avançada lhe proporcionara, Ferdinand lhe disse:

          — Ah! Donovan – disse numa alegria contagiante – realmente a juventude sempre nos proporciona prazeres inigualáveis, experiências novas a cada instante, tudo é novidade, isso é a beleza de ser jovem, também sou um jovem, de espírito – ele enfatizou bem o “de espírito” –, sempre tive curiosidade pela vida, por novidades, é por isso que depois que a minha bela Caroline se foi, jamais pude amar alguém verdadeiramente, ela se foi tão cedo Donovan...

          Sua voz ficou embargada de sentimentos, seus olhos brilhavam, o assunto não poderia ser mais prazeroso para ele,  a lembrança fazia a sua amada ressuscitar no coração daquele velho apaixonado.

          — Quase fui levado à mais completa loucura, Donovan – continuou tentando fazê-lo vivenciar aquelas lembranças como se fossem suas –, amava-a mais do que a mim mesmo, ela era a minha inspiração, seu belo rosto foi que me enriqueceu de bens e de prazeres dos quais jamais poderei agradecê-la – a não ser em minhas orações – que nem sei se passam do teto, por ter uma vida tão pervertida – promíscua – em prazeres momentâneos, mas realmente, depois que minha amada se foi, meu conceito de prazer mudou. A realidade muitas vezes não é como em minhas telas, pinto os meus sonhos, relato a vida que gostaria de ter – ou como ela poderia ser se estivesse ao meu lado –, mas a realidade é dura, meu amigo.

          — O que aconteceu com ela, Ferdinand?

          — Se casou com outra pessoa, disse que eu era alguém que não tinha futuro, coincidentemente, seu marido morreu na guerra, enquanto ainda estou vivo.

          — A vida às vezes nos surpreende, mas porque não vai atrás dela agora que tem o caminho livre.

          — O caminho só estaria livre se o seu coração também estiver, sei que ela amava seu marido, por mais que lhe desse o mundo, não poderia dar vida em seu coração estilhaçado pela guerra, ela tomou uma decisão e a respeitei, dois corações só podem caminhar juntos se estiverem na mesma direção.

          Donovan assentiu.

          Ferdinand foi até a grande janela da sala e viu o horizonte noturno de sua tão querida Londres, nem mesmo ele sabia no que estava pensando, enxugou uma lágrima e prosseguiu:

          — Lembro-me de quando conheci seu pai no auge da minha juventude, foi ele quem me apresentou minha amada, realmente agradeço muito ao seu pai por tudo que me proporcionou,  cada um dos melhores e mais inesquecíveis momentos em que vivi devo a ele, senti uma tristeza inexplicável quando seu pai morreu, as notícias da Segunda Guerra, eram uma mais triste que a outra, perdi grandes companheiros, verdadeiros irmãos...

          Donovan ficou ao seu lado e percebeu o peso das lembranças que assombravam o velho amigo e de certa forma era um prazer compartilhar daquele peso com ele...

          Donovan foi bombardeado de sentimentos bons naquele momento, seu pai era um herói nacional, mas acima de tudo...

          Era o seu pai herói...

          Todos gostariam de ter um pai como o dele, fiel, amigo, companheiro, extraordinariamente inteligente, poucas pessoas tiveram o privilégio de conhecê-lo, e Donovan sentia-se triste por não poder compartilhar tantas histórias e aventuras ao lado dele...

          — É verdade, Ferdinand – disse Donovan como quem sonha –, a guerra nos trouxe grandes perdas e tristezas das quais jamais poderemos encontrar consolo, mas a liberdade sempre trouxe lágrimas inconsoláveis contigo, perdi o meu pai na guerra, mas ganhamos um mundo mais justo – pelo menos por enquanto –, o mundo está em choque por causa dessa guerra que aconteceu, mas agora estamos reconstruindo os escombros desse pesadelo...

          Ferdinand por um instante sentiu como se estivesse falando com o pai de Donovan, sentiu uma alegria imensa de estar ali naquele momento, compartilhando uma sensação que há muito tempo não sentia, a conversa com um amigo de verdade, alguém inteligente e sensível, um genuíno artista moderno e, com um tom mais extrovertido na voz.

          Ferdinand disse:

          — Sábias palavras, filho, vejo que o amor te deu sabedoria, assim como o amor me deu o talento de pintar, jamais perca isso de vista, se tiver que amar apenas uma vez na vida, ame... mas um amor que valha pela eternidade, não fique mendigando momentos bons que amanhã já não vai querer lembrar mais, esse é o sabor doce da vida, aproveite o vinho enquanto estiver adocicado em sua boca, adoçando-a de uma maneira à qual jamais sentirá esse sabor novamente, aproveite a vida Donovan, mas de uma maneira que ela não se aproveite de você.

          Naquele momento Donovan não entendeu muito que Ferdinand quis dizer, mas ele se levantou lentamente, agradeceu pelo chá – e as sábias palavras –, não queria atrapalhar ainda mais seu trabalho. Já estava tarde e ele ainda teria que terminar seu belíssimo quadro.

Ferdinand ainda lhe deu um último conselho:

          — Filho, se ama essa garota da qual está noivo, case-se com ela, tenha filhos, e não poucos... não existe nada melhor do que estar feliz ao lado de um grande amor, a vida é muito curta e nem sempre justa, seu pai morreu jovem, mas teve o privilégio de te ver crescer, só não teve o privilégio de te levar no altar junto com a sua mãe quando se casar, é por isso que digo à você que aproveite cada momento, jamais saberemos que guerras teremos que travar em nosso futuro,  mas se o nosso presente   é bom, aproveite-o, agarre-o com todas as suas forças, para que no futuro ele não escape de suas mão, confie no conselho desse seu velho amigo.

          Donovan agradeceu uma vez mais cada conselho e prometeu voltar outras vezes.

          Donovan saiu acompanhado por Victor – mordomo de Ferdinand – até seu carro.

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