Entre Mundos
Entre Mundos
Por: Henrique Macedo
Capítulo 1 - Oculto

" O que conhecemos é uma gota, o que ignoramos é um oceano."

- Issac Newton

A lua começava a emergir por entre as altas montanhas quando tudo aconteceu. Gubbio era uma das muitas comunas italianas, localizada na região da Umbria, esta que era conhecida como "coração verde" pelas suas vastas florestas e verde abundante. Gubbio tinha um pouco mais de 30.000 habitantes e era cercada por montes alpinos e densas florestas que, ao lado da arquitetura medieval do lugar, sinalizava um passado de vitórias e fracassos.

Dentro do carro, Irene ainda se lembrava das vezes que percorria aquelas ruas sinuosas com Alexia ao seu lado. A lembrança da filha era um misto de tristeza e alegria. Tristeza por saber que Alexia nunca mais estaria ao seu lado; alegria, por ter as lembranças como porta retratos ilustrando os melhores momentos da filha ao lado dela, tudo arquivado para sempre em sua memória. A filha morrera prematuramente aos 15 anos de idade, vítima de câncer. Irene nunca conseguiu compreender. -" Os pais devem ir primeiro que os filhos, isso é a ordem natural."- dizia.

Tudo aconteceu muito rápido. Um clarão e, de repente, tudo começou a girar, terminando em uma completa escuridão. Em menos de meia hora a polícia já estava cercando o local, o carro completamente destruído sendo puxado pelo guincho, a ambulância com sirenes ligadas serpenteando pelas ruas em direção ao hospital.

- Senhor Louis, as notícias não são muito boas- disse o médico.

- Mas doutor, o que exatamente tem a minha esposa?- Disse Louis, um homem alto, com cabelos pretos penteados para trás, com traços que revelava um homem de aproximadamente 40 anos.

- Bem, o carro dela capotou três vezes antes de bater no acostamento e despencar por aproximadamente cinco metros. Só o fato de ela ainda estar respirando já é um milagre. Por hora, é esperar para saber qual será o diagnóstico.

A mente de Louis era um turbilhão. Primeiro a filha. Agora a mulher. Pensamentos obscuros rondavam a sua mente enquanto sentado em um banco frio no corredor, roía as unhas. 

-" Maldição de família, só pode. Ou castigo de Deus pelos meus pecados."- pensava. Não conseguia compreender como um mero mortal poderia sofrer tanto em um espaço tão curto de tempo. -" Ela vai sair logo dessa"- pensou consigo.

Passaram dez dias. Dez longos dias de coma. Dez dias para Louis, porque para Irene pareceu um minuto. Primeiro tudo girou,depois a escuridão. De repente um clarão emergiu das trevas iluminando tudo ao seu redor. Então Irene viu. Viu como que um grande teatro cercado por muros que tinham desenhos muito estranhos na sua opinião. Um pouco mais acima, um prédio que lembrava os antigos conventos da idade média. A sua esquerda havia como que uma espécie de palco como o símbolo de sol; e a sua direita, um palco idêntico com o símbolo da lua. Irene tinha a impressão que já havia estado naquele lugar antes.

-" Só posso estar sonhando, ou morta- pensou consigo, olhando tudo ao seu redor. -" Estava dentro do carro a poucos minutos de casa, e agora estou aqui." 

Irene estava completamente confusa.

Foi quando algo aconteceu. Um feixe de luz surgiu entre os dois palcos. Algo que lembrava uma fenda aberta na rocha. De dentro da fenda uma voz falou em alto e bom som:

-" Mamãe é você?"

Irene não conseguiu acreditar no que ouvia. Era a voz de Alexia! 

- " Filha sou eu sim, sua mãe!"- exclamou Irene em um misto de emoções que não sabia explicar. 

-" Estou.... morta?" 

- " Não Mamãe"- respondeu a voz da fenda. -" Você está em coma, por isso estou falando com você. Preciso da sua ajuda."

-" Pode falar filha, estou aqui." 

-" Agora estou dentro da sua mente, porém esse lugar é real e a fenda também. Daqui a alguns minutos você vai acordar. Preciso que venha até aqui e Passe pela fenda, pois estou do outro lado e preciso de você.

Irene tentou assimilar da melhor forma possível tudo aquilo que vira e ouvira até ali, mas sem recear respondeu:

-" Tudo por você Alexia, eu vou..."

-" Eu sempre soube que poderia contar com você mamãe"- respondeu a menina. -" Só terei de lhe pedir uma coisa. Quando acordar não fale sobre isso com ninguém, pois terá que vir sozinha até aqui. Será nosso segredo."

-" Tudo bem filha, só você e eu. Estou pronta." - Respondeu Irene com lágrimas nos olhos. 

Tudo se esvaiu. As colunas, as gravuras, o covento, os palcos, a fenda, a voz. Tudo desapareceu como fumaça. Irene abriu os olhos para ver um Louis em lágrimas a beijar-lhe a face.

- Você está de volta! Você está de volta! - Disse Louis aos berros.

Irene sentou -se na cama, a cabeça latejando.

-O que aconteceu? Quanto tempo estou aqui?

- Calma querida, você sofreu um acidente enquanto voltava para casa, ficou dez dias em coma. Mas agora está tudo bem, o pior já passou.

Irene se sentiu confusa, mas nada falou. Para ela foi como se tivesse passado minutos. E aquele sonho. Será que foi somente sonho? 

Os dias passaram depressa. Já em casa, e podendo andar, Irene lembrou -se do sonho. " preciso de você" dizia a filha. Foi para o computador. Pesquisou lugares e lugares, achando rapidamente o que queria. A cidade misteriosa. Os palcos lado a lado. O antigo convento. Não restava dúvidas: a cidade misteriosa não era tão misteriosa assim. Era nada mais nada menos que La Scarzuola, ponto turístico da região que ficava a alguns quilômetros de Gubbio.

Irene não hesitou. Pegou a bolsa, e chamando um táxi, saiu em disparada. Louis que estava no gramado em frente da casa aparando a grama, exclamou: "- Ei amor, aonde você pensa que vai?".

- Preciso tomar um pouco de ar, esses dias em casa tem sido um tédio.- mentiu.

- Mas porque o táxi? Deixa que eu te levo. - Respondeu Louis.

- Muito obrigada meu amor, mas preciso de um tempo sozinha para assimilar tudo o que aconteceu nesses dias, se é que me entende- respondeu Irene.

- Tudo bem,claro. Mas qualquer coisa me liga, você não está cem por cento ainda- disse Louis com olhar preocupado.

- Pode deixar, ligo sim.

O táxi dobrou a rua em direção a rodovia A1. Enquanto o carro andava os pensamentos de Irene corriam. "Preciso de você " lembrava. O olhar se perdeu na rua silênciosa. Lá dentro, o coração dizia:" Estou indo, Alexia...".

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