O Empresário

- Não tenho tempo para isso, Dona Fátima, não posso ficar indo em todas as reuniões da empresa. - Dizia André que mal havia assumido os negócios depois da morte de seu pai e sentia como se anos já tivessem se passado.

- Mas, Sr. André, a reunião com os investidores japoneses é extremamente importante, a empresa precisa de credibilidade internacional agora, e nesse momento sua presença é muito necessária. - Insistia a secretária Fátima, que agora, mais assumia o papel de babá, depois de mais de 30 anos na empresa naquele cargo. Enquanto André passava ferozmente pelas portas do escritório da sede publicitária da empresa, a secretária se contorcia para escapar do fechamento das portas levando consigo centenas de documentos e pastas, que André evitava ter que parar para ler e assinar tudo. Por vezes sua medalhinha de Nossa Senhora rodava pelo seu pescoço e quem olhava tinha a sensação que ela seria enforcada pela corrente que enroscava em seus cabelos e ela tinha que fazer malabarismo com as mãos ocupadas para ela voltar ao lugar, chegando até a morder a imagem da santa.

Hora ou outra ela acabava vencendo André pelo cansaço e conseguia que ele fizesse o que era necessário, o burocrático da empresa. Ele sabia que era preciso, passou a vida ouvindo do pai, centralizador de todos os assuntos do conglomerado de forma metódica, que nos assuntos importantes não podia colocar outra pessoa no lugar dele mesmo. O argumento da secretária sobre o que o pai pensaria, a lembrança amarga que isso causava sempre era suficiente, quase que o último ponto da luta entre empregada e patrão. André se esforçava para não chegar ao ponto da secretária tocar nesse assunto, então estava cedendo com mais facilidade.

- Dona Fátima, como a senhora consegue ser tão insistente? Sempre acaba me vencendo, não é mesmo? - André se rendia, meio impaciente, mas bem-humorado, ela também conseguia causar uma boa sensação nele que não entendia, boas energias, talvez.

- Ah, Seu André, o senhor nunca vai ser mãe viúva pra saber como é! Mãe e avó! E sou muito temente a Deus. Creio que é só plantando as coisas que conseguimos colher e eu não quero perder meu emprego não, quero poder me aposentar um dia com meu dever cumprido. Não vou largar um minuto do seu pé, nada vai acontecer com a empresa do seu pai, nunca vou deixar.

André sorria e Fátima ficava zangada achando que o jovem empresário zombava dela. Ele dizia que ela era demais e ela ficava encabulada mas contente com a sensação de alívio de que tudo agora estava resolvido e ela poderia sentar e tomar seu café.

André que ainda não tinha almoçado, conversou rapidamente com alguns diretores e saiu para ir a um restaurante. Costumava escapar no meio da tarde quando ainda era estagiário para se encontrar com Laura. Como haviam sido bons aqueles tempos, sem grandes responsabilidades, a vida era tão mais fácil e menos solitária, tão mais divertida.

Pensava em como Laura sofreu nos últimos anos que enfrentou seu câncer. Ele também sofreu muito. Perdido em seus pensamentos não reparou num carro que vinha em alta velocidade e parou em sua frente.

Dois homens encapuzados desceram, o acertaram e o levaram. O carro cantou pneus e em pouco tempo estavam longe dali.

Quando André despertou ele estava amarrado em uma cadeira de ferro, num quarto escuro, apenas luzes de velas aos cantos e a sombra de homens que não conseguia enxergar direito.

- Não sei se sabem mas não tenho ninguém por mim, ninguém autorizado a pegar dinheiro em meu nome, não tenho parentes vivos. Nem meu contador pode fazer transações de alto valor. Portanto se isso é um sequestro, terá que ser eu mesmo a pagar meu resgate... - André tentava argumentar até ser interrompido por uma voz forte:

- Sabemos quem é! Espero que desculpe meus modos, eu sou o Negociador. Não procuramos por dinheiro. Procuramos por um artefato que era de posse do seu pai. É um cálice de ouro de uma linhagem muito antiga. Veja, não queremos machucá-lo, você será solto muito em breve, só queremos que colabore conosco. Seu pai fazia parte da nossa organização e gostaríamos que você o substituísse. Ele era conhecido como "o Empresário", achamos que funcionará bem pra você também. Agora veja bem, Empresário, se não agir como dissermos, prometemos que nosso próximo encontro não será tão amistoso assim. Se fizer tudo direitinho, seremos bons amigos. O que escolhe?

- Bom, nunca me neguei a fazer novas amizades, mas gostaria muito de saber mais...

- O que precisa saber é que esse cálice é um objeto antigo, mas seu valor em ouro é muito pequeno, não precisaria nem acionar seu seguro se fosse assaltado. Você só precisa encontrá-lo. Quando tiver feito isso leve ele para seu escritório central que saberemos que está com ele e entraremos em contato de uma forma mais suave... Você entendeu, Empresário? - Questionou a sombra.

- Entendi sim... - Respondeu André, totalmente inerte com a situação

- Ótimo, então agora, tenha bons sonhos... - Disse o Negociador enquanto outro dava uma injeção no pescoço de André que adormeceu até acordar no jardim de sua casa.

 Depois do acontecido, André começou a procurar pelo tal cálice. Fez algumas tentativas pela sede da empresa, a antiga sala do pai ainda estava do mesmo jeito. Ele não teve coragem ainda de mudar nada. Procurou pela casa, por todos os cômodos, mas nada chamava sua atenção. Ele tentava pensar onde ele poderia ter colocado um cálice de ouro. Na verdade a maioria das taças que ele tinha na casa era de prata ou cristal. Seu pai não era um homem que gostava muito de ouro. Tinha uma velha história de uma moeda de ouro que seu avô colecionava. Dentre toda a coleção era a número um, a preferida dele. Seu pai então quando garoto resolveu brincar com a moeda do avô e acabou sendo roubado na rua. O avô nunca conseguiu recuperar a moeda e sempre se lembrava do ocorrido para seu pai. Dizia ele que havia perdido o maior valor que a família possuía. Talvez isso tenha feito aquele garoto quando homem construir uma riqueza inimaginável, que nenhuma moeda de ouro pudesse ser comparada àquilo, mas ele nunca adquirira nada de ouro, que André pudesse se lembrar. Mesmo as alianças de casamento com sua mãe eram de prata. “Talvez Eva soubesse de algo”, pensou ele por um momento. 

O empresário Paulo era uma pessoa bem diferente em seu primeiro casamento. Ainda não era um homem poderoso como veio a se tornar. Ele concluiu que definitivamente, Eva poderia saber de algo. Pegou seu telefone e ligou para Eva. 

- Eva, preciso falar com você. Preciso de sua ajuda! Será que você pode me encontrar? - Disse André, ao ser atendido. 

- André? - Respondeu cautelosamente, Eva que ainda estava na frente de Moisés, após ouvir toda aquela história que para ela era um filme de ficção. 

- Não sei se é um bom momento.  

- Ora, Eva, por favor! O assunto é sério! Será que você pode interromper um pouco sua balada ou suas compras... Qualquer dessas coisas que possa estar fazendo e vir até a casa do pai? - Respondeu, o irmão indignado. 

- André, não fale sobre algo que você não sabe! No momento eu não estou com cabeça pra nada, os seus interesses pra você sempre são algo de vida ou morte. - Contrapôs Eva. 

- É algo de vida ou morte! Eva! Realmente preciso de você e não insistiria se não fosse importante! - Finalizou André. 

Os dois desligaram sem se despedir. Na verdade nenhum deles poderia se lembrar da última vez que se cumprimentaram, fosse com um simples alô ou um até breve. Parece que desde sempre foram opostos que não se atraiam. André agora observava os quadros, pinturas compradas por seu pai caríssimas, adquiridas em leilões para serem expostas pela casa que raramente recebia visitas. Tentava entender um pouco o sentido daquilo. Obras valiosas decorando uma casa que não recebia ninguém que as pudesse ver. 

Eva olhava fixamente nos olhos de Moisés. Demorou alguns segundos até dizer a ele: 

- Era o André... Acho que ele precisa de verdade de mim e eu acho que vou ver o que é.

 - Vamos! Eu te levo! - Respondeu prontamente, Moisés. - Eu cheguei até aqui por mim mesma e vou sair por mim mesma... Preciso de um tempo pra absorver isso tudo, você me entende? - Retrucou, Eva. 

Ela se afastou um pouco ainda olhando para Moisés e depois tomou seu caminho.  Sentia-se uma pessoa completamente diferente depois daquilo. Parecia que sua vida até ali não tinha feito o menor sentido e que agora ela conseguia compreender o motivo de tudo. Achava que estava perdida no mundo e que não conseguia se encaixar. Nada era pra ela. Agora ela tinha encontrado o sentido de sua própria vida. Ao chegar na casa do pai, se dirigiu a sala e foi ao encontro de André. Abraçou o irmão carinhosamente, o que o pegou de surpresa. Nunca eles tinham se abraçado daquela forma. Ele retribuiu o gesto.  O clima entre os dois sempre foi tenso, pois existia um ciúme entre eles no ar, como uma admiração que ambos sentiam um pelo outro, mas que nunca tiveram coragem de contar. Ela filha adotiva de um casal que não podia ter filhos, viu sua mãe ser internada numa clínica com demência e perda degenerativa de memória, até o ponto em que ela não se lembrava mais da filha e acabar por falecer. Ele, fruto do segundo casamento do pai, teve sua mãe morta no seu parto com uma parada cardíaca. Cresceram se sentindo culpados e excluídos por um pai que canalizou todas as suas dores na obtenção de riquezas. Eles tinham tudo e ao mesmo tempo não tinham nada, nem um ao outro eles se permitiam ter. Aquele era o primeiro abraço fraternal de ambos e parecia ter durado horas. Parecia que todo o universo se concentrava na energia daquele abraço.

- Eu tenho uma coisa pra contar! - Disseram os dois ao mesmo tempo um pro outro e sorriram depois disso. 

- Diz você primeiro, André, afinal foi por isso que eu vim. - Pediu, Eva. 

- Certo... Bom, eu fui sequestrado por pessoas que disseram que faziam serviços que parecem de origem obscura em parceria com o pai. Eles me pediram que encontrasse um cálice de ouro e disseram que eu poderia cooperar e continuar trabalhando com eles ou eles não seriam tão legais em só me sequestrar da próxima vez... É isso. Como nunca vi nosso pai com algo de ouro, pensei que talvez você pudesse ter visto antes de mim. - André disparou a contar toda a história. 

- Nossa! - Exclamou Eva – Eu... eu me lembro que ele teve um cálice de ouro, meio estranho, não era comum, tinha um formato diferente. Ele tinha uma história com uma moeda de ouro do pai dele. Parece que um dia ele achou a moeda e fez um pequeno cálice encaixando a moeda na frente, como se fosse um emblema. Depois que ele começou a ganhar muito dinheiro com seus negócios ele montou aquele museu e colocou o cálice na sessão segura. - Eva ficou pensativa por uns instantes. - Agora contando essa história parece ter muita relação com tudo que me aconteceu. Será que esse cálice pode estar relacionado com algo? Preciso perguntar pro Moisés. 

- Espere Eva, me explique o que aconteceu com você? E o que o Moisés tem a ver com isso? 

Eva, então suspirou. Ela tinha que contar uma história que nem ela acreditava ainda direito para seu irmão. Pensou por um momento em sair correndo, mas não achou justo. Decidiu dizer ao irmão minuciosamente tudo que Moisés lhe contou. André não continha o espanto e a incredulidade em toda aquela história. Ele era o homem da razão. Queria provas, queria fatos concretos. Eva contou do pergaminho, contou sobre a busca que Moisés fez de seu passado, contou cada detalhe. 

- Eu preciso muito conversar com esse Moisés, ele deve ser muito louco de estar colocando essas histórias na cabeça das pessoas. – Disse, André após ouvir tudo. 

- Ele não está mentindo, André. – Defendeu Eva. 

- Depois veremos isso. Agora, vamos ao museu pegar o cálice. - André finalizou a conversa se dirigindo para o carro. Eva foi atrás dele, afinal, estava muito curiosa a respeito daquilo também.

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