Capítulo 9

Foi o jantar mais esquisito da minha vida. E tenho certeza que Henrique concordava sobre o quão embaraçosa era aquela situação.

Para começar, meus amigos nem chegaram a comentar o fato de que eu estaria presente em sua casa quando o convidaram. Logo, quando o primo de Carolina entrou no apartamento, sem ter ideia do que o esperava, e me viu sentada no sofá com provavelmente a cara mais estranha do mundo (e, posso até dizer, sentindo falta de ar e suando, mesmo estando quinze graus na rua), todo mundo percebeu seu choque. O sorriso com o que cumprimentou a prima morreu imediatamente. E a expressão que se formou em seu rosto, não sabia dizer se era vergonha, repulsa, confusão ou até mesmo curiosidade. Definitivamente não era alegria.

Ele sabia que alguma coisa estava estranha. Sabia que não o chamariam no mesmo momento em que eu (a não ser que houvesse outras pessoas, o que não era o caso). Fazia cinco anos que os dois namoravam e até então tínhamos nos encontrado apenas uma ou duas vezes ao ano, quando um de meus amigos fazia alguma festa e convidava todo mundo. E certamente que o máximo de conversa que havíamos tido nesses momentos era um cumprimento curto e simples, sem nenhuma gentileza ou animação.

O raro de tudo isso é que, mesmo sabendo que não nos dávamos bem, ninguém achou estranho o fato de que estávamos conversando sem nos exaltarmos (no sentido de trocar insultos) no aniversário de Igor. E ninguém achou esquisito sairmos ao mesmo tempo do lugar (como imagino que tenha acontecido).

Depois de passar pela porta, cumprimentando Igor com uma intimidade que não fazia ideia de que existia, minha amiga resolveu dizer, tão péssima em sua interpretação que era de se admirar que tivera coragem de abrir a boca:

— Lembra da Andressa, né, Ique?

Meu Deus, Carolina! Menos!, pensei. Já era bastante óbvio que a gente se conhecia, não precisava se fazer de burra!

Ele me lançou um sorriso tão ridiculamente falso e constrangido que cheguei a estremecer por dentro e por fora. Henrique não estava nem um pouco a vontade. E também poderia dizer que não estava contente em me ver. Imagina quando soubesse por que estava ali!

Queria mesmo não imaginar, no entanto minha mente não deixava isso acontecer. Não seria nada fácil aquela conversa e isso estava me matando. Meu coração batia tão rápido e alto que achei que alguém pudesse escutar e eu claramente não conseguia segurar um copo sem que mostrasse meus dedos tremendo.

— Eles se viram há pouco tempo, Cá — disse Igor, parecendo um ator muito mais confiável, o que só fazia sua namorada parecer a única responsável por aquele encontro inesperado e ridículo. — Lembra, no meu aniversário, há um mês?

Observei Henrique engolir em seco e me olhar por poucos segundos, logo desviando, como para ter certeza de que eu não contara nada sobre nossa noite de loucura. E ele estava pensando nela.

Igor, incrivelmente adulto naquela noite (algo bastante incrível, considerando sua falta de maturidade na maior parte do tempo), resolveu oferecer ao amigo uma taça de vinho, que já estava aberto, porque Carolina também tinha ficado nervosa com toda a história. Ele rapidamente aceitou, provavelmente já esperando que precisaria.

Naquela noite, o casal de namorados falou sem parar, contando mil histórias, como se estivéssemos a par de tudo, como se sempre saíssemos os quatro. Apenas respondíamos a suas perguntas uma vez ou outra, mas não havia nenhuma interação entre nós dois. Inclusive, evitamos ao máximo ter que olhar um para o outro. Assim, até agradeci por termos sentado no mesmo lado da mesa porque, embora eu sentisse sua presença muito perto, não precisava olhá-lo diretamente.

A garrafa de vinho terminou bem rápido, e quando vimos, já havia uma segunda na mesa. Minha amiga parecia ser a que mais havia bebido. Seu primo, por outro lado, mal havia encostado em sua taça.

A lasanha de Carolina estava incrivelmente boa. Contudo, parecia não haver espaço em meu estômago para comida. Além de estar com muito medo do que teria que enfrentar dali a algum tempo, também tinha o fato de que a comida podia querer voltar, fazendo Henrique descobrir tudo antes de poder revelar, com calma, que seria pai. Do meu bebê.

Sentia um nó cada vez maior na garganta por causa do nervosismo. Não fazia ideia de qual seria sua reação, porém, devido a todas as experiências que tivera no passado, ao que tudo indicava, não seria boa. Então bebi um pouco do vinho de minha taça, sem sequer me preocupar com a história de que grávidas não podiam beber álcool. Até porque fazia um mês que estava bebendo sem nem saber de minhas circunstâncias. E eu precisava de algo que ajudasse a fazer as palavras saírem.

Quando finalmente terminamos de comer, pareceram acabar todas as falas de meus amigos e um silêncio pairou sobre a mesa.

— Nossa, Igor, esquecemos a sobremesa! — Cacá gritou, exaltada demais.

— Caramba, verdade! — ele respondeu, entrando na mesma onda e se levantando. — Preciso ir buscar na padaria!

Que porcaria de atores eram aqueles dois! Estava muito claro que era mentira. Nem precisei olhar para o cara ao meu lado para saber que ele também não estava engolindo aquela história. Padaria aberta àquela hora? Qual é?

— Vou com você — minha amiga anunciou, levantando também. — A Dêssa e o Ique podem ficar sozinhos por cinco minutos sem tentarem se matar, não?

Seu sorriso era tão falso quanto uma bolsa de camelô.

Henrique e eu nem tivemos a chance de opinar. Em segundos os dois já haviam atravessado a sala e saído porta afora, nos deixando completamente sozinhos. E trancados. O que fez meu coração praticamente parar de bater.

Por quase um minuto inteiro nos mantivemos em silêncio, olhando para a porta fechada, como se eles pudessem de repente aparecer com a tal sobremesa. Em minha mente eu já estava me suicidando com a demora.

Henrique por fim tomou a iniciativa e virou-se para onde eu estava sentada e com a boca aberta.

— O que foi isso? A Carolina continua tentando nos juntar depois de tantos anos?

Não sabia o que responder. Ou melhor, sabia, mas não queria ter que dizer em voz alta que estaríamos ligados pra sempre.

— Será que ela ainda não notou que não funcionaríamos juntos? — continuou. — Ela esqueceu de todas as vezes em que brigamos? Não estou entendendo nada. Por que ela voltou a fazer isso depois de tanto tempo?

Eu sabia qual era o motivo. E sabia que precisava dizer alguma coisa, mas nenhuma palavra parecia querer sair de minha boca. Era como se um átomo tivesse explodido dentro de meu peito e tivesse sugado pra lá tudo ao meu redor.

Seus olhos então escureceram e sua expressão de confusão deu lugar a uma de desagrado, como se tivesse juntado todas as peças do quebra-cabeça. Nada bom para o que deveria vir a seguir.

— Você contou, não foi? — soltou, alto demais, o que fez meu coração ser esmagado em meu peito. — Você deu com a língua nos dentes e contou o que aconteceu, não foi? E ela acha que porque estamos solteiros pode nos obrigar a alguma coisa?

— E... e.... eu... — gaguejei, querendo dizer que não era por causa disso que estávamos ali sozinhos, porém sem conseguir.

— Você concordou que ninguém podia saber de nada, Andressa! — gritou, mais alto, dessa vez levantando da mesa, com raiva e quase derrubando sua taça de vinho.

Queria muito saber se minha amiga estaria do lado de fora escutando tudo para me salvar caso seu primo resolvesse partir para cima de mim com toda a raiva acumulada de nossa infância e adolescência.

Henrique se virou para a janela atrás de nós, se apoiando no vidro fechado, de costas para mim. Não era assim que esperava revelar sobre a gravidez, não mesmo! Queria que ele ficasse mais calmo, porém anos de experiência me ensinavam que eu não era nada boa naquilo.

Engraçado como era assim que ele ficava em todas as versões que imaginara: furioso. E ele ainda nem sabia! Me sentia em choque, como se nada do que eu dissesse fosse ser suficiente e que tudo fosse deixá-lo mal-humorado.

No passado, esse seria um daqueles momentos em que ficaria também irritada apenas por vê-lo tão irritado, querendo pular em seu pescoço por estar gritando comigo sem motivo algum (ou por um motivo bobo, como estar me chamando de fofoqueira). Apenas a sua voz grave e imponente me deixaria soltando fogo pela boca. Seria mais um daqueles momentos em que um nem sequer ouviria o que o outro tinha a dizer por que queria falar mais alto e com mais intensidade.

Entretanto, ao invés de saírem insultos de minha boca, insultos que eu até já havia preparado para soltar assim que precisasse me defender, porque sabia que precisaria, o que saíram foram soluços. Escondi meu rosto cheio de lágrimas no meio de meus dedos, evitando que ele se virasse e visse o quanto mal estava.

Hormônios! Só podiam ser os malditos hormônios que me faziam ficar daquele jeito. Aquela não era eu, tinha certeza! Nunca, em nenhuma das vezes em que discutimos deixei sequer que uma lágrima caísse, o que demonstraria a pessoa fraca que era. Nunca me deixei abater, nunca deixei que visse o quanto suas palavras tinham me machucado, mesmo que sempre machucassem. Exceto, é claro, quando era pequena demais para compreender que podia me defender sozinha.

No entanto, ali estava eu, pela primeira vez em anos, completamente indefesa e confusa, sem conseguir dizer nada do que precisava.

 Ouvi Henrique se virar para ver o que estava acontecendo, mudo, provavelmente sem entender nada. Ele pareceu levar um tempo para juntar as palavras.

— Você não... — tentou dizer, em um misto de desorientação, surpresa e embaraço. — Isso... tem a ver com o que aconteceu entre nós? Você... ficou esperando que eu... te ligasse ou algo do tipo?

Eu não fazia ideia de onde ele tinha tirado tamanha ilusão. Por que diabos eu esperaria por sua ligação? E ele por acaso tinha meu número?

— Você por acaso confundiu o que aconteceu? Você ficou esperando me encontrar de novo?

— O quê?! — quase me engasguei com sua conclusão, levantando o rosto para encarar sua expressão de quem não estava entendendo nada, porém muito vermelha de vergonha por dizer aquilo.

Ele tinha conseguido me tirar do sério. Como um absurdo desses podia passar por sua cabeça? Imediatamente parei de chorar de nervosismo e passei a chorar de raiva, me levantando para revidar.

— Mas era só o que me faltava mesmo! — gritei. — Você só pode estar louco por imaginar que eu ia querer um repeteco!

Ele deu um passo para trás, assustado com minha reação.

— Então por que diabos tá chorando? — perguntou, depois de se recuperar do baque de minhas emoções conflituosas. — Por que nos convidaram para esse jantar? Por que nos deixaram sozinhos, Andressa? Se eles não sabem, por que...

— Porque eu tô grávida, porra! — estourei, cortando mais uma de suas perguntas.

Nunca tinha visto Henrique ficar tão assombrado com algo que eu dissera. Em qualquer outra situação, teria rido de minha cara, teria me dito alguns insultos ou até inventado algo pior. Porém, as circunstâncias não deixavam dúvidas sobre essa possibilidade. Ele estava lembrando de nossa noite naquele momento.

Esperei que começasse o falatório, que me xingasse, que dissesse que o filho não era dele, mas não foi o que aconteceu. Ele balançou a cabeça por vários segundos, concordando e, depois de um longo suspiro, tudo que saiu de sua boca, muito baixo, quase inaudível, foi:

— Ok.

Simples, duro. Duas letras que praticamente não me diziam nada. Não revelavam nada do que estava sentindo, de qual era sua reação de fato.

— Isso é tudo que vai me dizer? — perguntei, me apoiando na cadeira e na mesa. — Você não vai gritar? Dizer que não é seu?

Ele deu um passo para frente e se apoiou do outro lado do encosto da cadeira, imitando minha posição.

— Tenho certeza que não teria motivos para dizer que é meu — foi tudo o que respondeu.

Provavelmente tinha razão. Por que mentiria dizendo que era dele? Não nos dávamos bem, eu não estava correndo atrás de um homem como ele, que não era nem milionário ou mesmo rico. Não faria sentido.

— Você não vai ficar furioso? Dizer que sou uma irresponsável, uma imbecil, uma vadia? — indaguei, alto demais, já enchendo meu rosto de lágrimas outra vez. — Não vai exigir que eu aborte?

— Por que eu faria isso? — me encarou, de um jeito que realmente não esperava, parecia aflito, mas querendo passar confiança. — Imagino o quanto deve estar sendo difícil pra você aceitar que vai ter um filho. E mais difícil ainda vir até aqui para contar que é meu.

Henrique havia conseguido me desarmar com apenas algumas palavras, como sempre fazia. Mas dessa vez não era para me ofender, pelo contrário.

Aquele não era o garoto com quem eu discutira milhões de vezes na adolescência. Aquele não era o garoto que eu havia imaginado me chamando por todos os palavrões possíveis. Aquele era um cara que eu não fazia ideia de quem era. E o pior, parecia ser alguém que eu poderia gostar. Parecia muito com o que todo mundo parecia descrevê-lo e que nunca acreditei, porque comigo nunca havia sido assim: gentil e educado.

Era muito mais fácil odiá-lo, e aquele sentimento estranho havia me deixado muito mais nervosa do que antes. Então todas as emoções se chocaram e comecei a chorar com muito mais intensidade do que antes. Henrique nunca havia me visto daquela maneira tão vulnerável. Eu me sentia abandonada e frágil, sem contar o enorme constrangimento de mostrar que no fundo eu não era tão forte quanto aparentava.

O desconhecido em minha frente, ao ver minhas lágrimas caírem como uma cachoeira por meu rosto, contornou a cadeira e se sentou diante de mim, me puxando pela mão para que também me sentasse. Um gesto que nunca achei que fosse ver na vida.

— Você não tá sozinha, Andressa — ele disse, baixinho. — Vou estar com você. Vou assumir esse bebê, tá? Pode contar comigo.

Por que diabos ele estava sendo assim tão legal comigo? Eu nem merecia tanta consideração depois de todas as vezes em que o ofendera. Nem merecia tanta consideração depois de tudo que acontecera. Ou será que merecia? Ele achava que sim.

Baixei a cabeça e deixei que suas mãos grandes me guiassem até seu peito enquanto ele envolvia minhas costas com seus braços, meio constrangido, sem apertar muito, como se tocar em minha pele fosse muito difícil. Ele não era muito bom naquilo, parecia meio robótico, forçado, mas de alguma forma aquilo começou a me acalmar.

Nunca achei que algum dia sentiria conforto em Henrique. Mas lá estávamos nós, abraçados, esperando encontrar sentido em algo, esperando achar algo em que nos agarrar e tendo apenas um ao outro como apoio. Talvez não fosse tão difícil, no final das contas.

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