2 - Seguindo em frente

10 ANOS DEPOIS…

Mississipi, Forest Lake.

— Hey, Sammy! — Guardei minhas talas no armário e me virei em direção a Clara quando a ouvi chamar. Eu tinha acabado de terminar meu treino do dia, Tyler estava dando as aulas de agilidade hoje.

 De nós quatro eu era a mais rápida, talvez por ser pequena e magra. Passei despercebida por muitos lobisomens e consegui executar todos com muita eficiência.

Meu pai havia se aposentado há quatro anos, por causa de um ataque de lobisomem, que o deixou sem o movimento das pernas, e desde então, Tyler fechou o Instituto Woodhouse para pessoas que não eram da família. Agora só ficávamos no subsolo da nossa mansão. Foi lá que aprendi como ser uma caçadora. Não foi fácil, precisei esquecer toda a dor do passado, tudo que passei com Chuck, tudo que ele me trouxe de bom e de ruim, todas as complicações que ele trouxe pra minha vida. Mas com a ajuda da minha família eu consegui me tornar o que sempre fui destinada a ser, uma caçadora de lobisomem.

Eu olhei para minha irmã e me aproximei.

— Oi. O que foi? — perguntei.

— Vai ao bar do Pete mais tarde? — Ela perguntou.

— Você sabe que tenho aula, preciso passar nos exames para pegar meu diploma.

— Oh, claro. Esqueci completamente. — Disse ela batendo a mão de leve na testa.

Eu comecei a caminhar para fora da sala e ela me acompanhou e começou a tagarelar. Como fazia sempre.

— Você sabe que temos aquela caça no final de semana, certo? — perguntou.

— Certo. Eu vou, não se preocupe. Sem mim vocês não pegam nem um cachorrinho, quanto mais um lobisomem. — Brinquei.

— Ah, claro, porque você é a melhor e antes de você os lobisomens morriam sozinhos. — Ironizou ela. — Mas matamos o cachorrinho do seu namorado, que valeu por muitos.

Uma ferida abriu no meu peito e eu parei no caminho.

— Por que você tem que ser tão vadia as vezes? — Perguntei com meu sangue começando a ferver. Me virei e peguei o outro caminho para o andar de cima.

Eu ainda não aceitei o que meu pai fez ao Chuck, mas aprendi a conviver com isso. O nome dele não era permitido em casa, isso não quer dizer que eu não pensava ou não sofria por ele, passei os últimos anos tentando ocultar tudo aquilo e esconder da minha família que eu ainda sinto pela morte dele, e consegui. Ele foi “esquecido”. Mas pensar nele ainda doía, por isso eu evitava.

Terminar o colegial sem ele foi a pior parte, eu andava pelos corredores chorando e lembrando de quando nos encontrávamos escondidos no vestuário, ou atrás das arquibancadas somente para ficar juntos em dias de campeonatos. Antes de tudo terminar em sangue e dor, nós eramos felizes. Eu o amava e ele me amava, esta era a verdade, e sim, eu odiei meu pai pelo que ele fez, mas não adiantou odiá—lo por muito tempo, então eu precisei aprender o trabalho da família, e tentar não pensar em Chuck, ou o fato de ele ter sido um lobisomem, e eu matar lobisomens hoje em dia. O que mais eu poderia fazer? Eu tinha dezesseis anos!

Os ataques estavam sendo constantes em Forest Lake, e não podíamos deixá—los continuar matando. Capturar e prender não adiantava, o que nos restava era matar. Eu aprendi que eles eram criaturas perigosas, estavam matando inocentes. Não podíamos deixar que isso acontecesse.

Eu cheguei no meu quarto e peguei uma calça jeans e uma regata no guarda—roupa, a aula na faculdade começaria em uma hora, eu tinha apenas um mês até o fim do último período, e finalmente pegaria meu diploma. Minha faculdade foi mais curta, pois trabalharia no necrotério da cidade. Viraria Samantha Woodhouse, a médica legista de dia e Sam, a caçadora de lobisomens a noite. Uma vida dupla, ótimo, onde eu colocaria marido e filhos dentro disso? Não colocaria.

É claro que depois de alguns anos eu tive alguns “amores”, quase me casei com um deles, mas no final Clara abriu meus olhos, ele, definitivamente, não era o cara. Clara sempre foi bastante protetora, ela podia ser imprudente e inconveniente as vezes, mas era a pessoa menos consumida por essa merda de trabalho que tínhamos. Ela matava, claro, mas não adorava fazer como Tyler e Josh adoravam, eles sim dariam a vida para acabar com todos os lobisomens do mundo, disso eu sei, eles puxaram isso do papai, é uma pena.

Depois de tomar um banho quente, eu coloquei a roupa escolhida, um tênis branco e amarrei meus longos fios loiros em um rabo de cavalo apertado. Meus livros estavam em cima da mesinha de cabeceira, eu os coloquei dentro da mochila e desci para a garagem. Meu carro era um jeep azul, ele era meio velho, mas eu gostava, era o que eu sempre dizia para Chuck que teria.


DEZ ANOS ANTES

Forest Lake, Mississipi.

ANTES DO ÚLTIMO DIA

— Olha lá! — Exclamei apontando para um jeep vermelho que passava na pista.

Estávamos em cima do telhado de um prédio, costumávamos subir nos lugares mais altos, assim, sabíamos que ninguém nunca nos veria.

— O que? — Perguntou ele procurando.

— O jeep, é lindo.

— Oh. Bom, se você é fã de Jurassic Park, ele é mesmo uma bela referencia. Mas ainda sim, é um carro horrível.

— Não, não é. É lindo e pré—histórico. — eu reclamei.

— Não, não é… Não haviam jeeps na pré história. É velho. Só isso. Ou você acha que na época dos dinossauros os jeeps já existiam antes dos seres humanos?

— Eu só quis dizer que o carro era clássico. Bom, você tem péssimo gosto para música e nem por isso eu te julgo. — Eu o empurrei.

— Você está fazendo isso agora. — Ele me puxou mais pra perto e me apertou contra seu peito.

— Quando eu comprar meu jeep, vou escolher na cor azul. — Eu disse sorrindo.

— Por que azul?

— Porque é a cor dos seus olhos quando não está transformado. — Respondi. — Assim posso lembrar de você pra sempre.

Ele abriu o sorriso mais bonito que eu poderia ver um dia e me abraçou mais apertando, acrescentando um beijo molhado em seguida na minha boca.

— Você não vai precisar de um jeep velho pra se lembrar de mim, eu estarei bem aqui, com você. Sempre. — Ele disse.

— Eu te amo, você sabe? — Perguntei.

— Claro que eu sei. Eu te amo do mesmo jeito.


DEZ ANOS DEPOIS

Forest Lake, Mississipi

Mansão Woodhouse

Hoje

Ele não ficou comigo pra sempre como disse que ficaria, morreu, e me deixou tornar o que sou hoje, uma assassina.

Eu já fiquei de luto, fiquei triste, com raiva, com ódio, eu já senti todo o tipo de sentimento que existia depois daquele dia, muitos deles relacionados ao meu pai, mas alguns também direcionados a Chuck. Eu não sabia mais o que pensar, e quem culpar, eu me culpei, culpei meus irmãos, meu pai, mas também culpei Chuck, por ter sido fraco, por não ter lutado, por ter morrido. Eu sei que fui uma completa vadia o culpando, mas ele me deixou, disse que nunca me deixaria, mas me deixou.

Eu cheguei na faculdade e fui direto para a sala, fiquei pouco tempo, peguei as matérias novas. Eu era meio anti social ali. Não tinha amigos. Era a faculdade local e todos sabiam quem era minha família pois a cidade era pequena. Então eles meio que tinha medo de mim, sendo assim, não interagiam, mas eu não me importava. Voltei logo pra casa. Meu pai estava na sala quando eu cheguei, ele me chamou e eu fui ao seu escritório. Coloquei minha mochila no sofá e sentei—me. Meu pai não era mais um coroa vaidoso como antes, a cadeira de rodas havia o deixado relaxado, agora suas marcas de expressão estavam fortes, e sempre parecia preocupado. Seus cabelos estavam ainda castanhos, mas com muitos fios brancos dos lados. Ele tinha mais de sessenta anos agora, mas ainda era um homem inteligente e são.

— Como foi sua aula? — Perguntou ele passando a mão em meus cabelos.

— Foi boa. — Respondi com um sorriso doce.

— Que bom. Queria falar com você sobre a caça do fim de semana.

Eu respirei fundo. Eu sei o que ele vai dizer. Em todas as caçadas que faço com meus irmãos, ele me diz a mesma coisa, “tome cuidado”, “seja rápida”, “seja esperta”, “não pense antes de agir”. Mas ao invés disso ele falou o que eu menos esperava.

— Prefiro que não vá.

Eu o fitei confusa.

— Por que não? Eu treinei tanto pra isso, estou mais rápida desde a última caça.

— Eu sei que está boa, mas essa alcateia… Não é como as outras, é diferente.

— E o que quer que eu faça? Deixe Tyler, Clara e Josh irem sozinhos? Hã—hã. — Eu disse balançando a cabeça.

— Eles podem chamar outros caçadores, não há só você.

— Não posso deixá—los, pai. São meus irmãos, seus filhos, eles podem precisar de mim.

— Eu te treinei bem, pus em você mais fé do que eu jamais coloquei em nenhum dos seus irmãos, você sabe que eu não posso te perder, pra nada e nem ninguém. Se quer ir, vá. Mas volte, mesmo que as circunstâncias façam você ficar.

Eu sempre fui a cópia viva da minha mãe, cabelos longos loiros, olhos verdes, nariz arrebitado, além da pele bronzeada por causa do clima do Mississipi. Talvez por isso, aparentemente, eu sou a favorita. Sei que é horrível um pai escolher um entre seus filhos, mas meu pai me escolheu, e esse era o motivo, mamãe. Ou era o que eu pensava.

— Eu vou voltar, prometo. Sempre volto. — Eu sorri tranquilizando—o. Mas sua expressão não suavizou. Como se ele não acreditasse em mim.

— Lembre—se que eu amo você, não suportaria te perder.

— Eu sei, papai. Eu também te amo.

Eu o abracei e logo depois voltei pro quarto, pensando em um motivo que me fizesse não querer voltar pra casa. Não havia nenhum. Eu sempre voltaria. A não ser que morresse. Mas essa não era uma opção pra mim.

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