6º Capitulo

Tiago acordou com o sol do meio dia queimando seu rosto, levou um susto ao ver que horas eram ele tinha dormido demais, olhou para o telefone celular, havia três chamadas perdidas, droga eram todas do hospital e uma de um número desconhecido, devia ser a doutora, será que tinha acontecido algo com sua mãe? Como ele podia ter apagado daquele jeito?

Ele lavou o rosto freneticamente e começou a se vestir enquanto tentava ligar de volta para o numero desconhecido, uma voz feminina atendeu sonolenta.

- Quem?

- Oi, doutora? Desculpe se lhe acordei, imagino que seu plantão já terminou, é o Tiago, filho da Catherine.

- Oi, sim Tiago, eu lhe liguei por volta das oito horas da manhã, sua mãe apresentou uma melhora fantástica durante a noite, ela acordou chamando seu nome, os médicos voltaram a sedá-la para que ela se recuperasse do transe, mas vemos isso como um milagre ao considerar o quadro em que ela se encontrava.

- Então, ela está se recuperando?

- Parece que sim querido, vá visitá-la! Ela chamou você umas três vezes pelo menos a enfermeira me disse, e chamou por Érika também, mas é importante que não diga a ela sobre sua irmã, invente algo, pode ser um choque muito grande se ela souber a verdade.

- Não vou dizer, obrigada doutora, estou indo para o hospital agora mesmo!

Tiago desceu as escadas correndo e quase esqueceu o celular sobre a mesa, precisou voltar para pegá-lo, estava feliz, mais feliz do que já esteve, sua mãe tinha acordado, Cat estava bem! Sua Cat era uma guerreira mesmo... Ele entrou no carro e acelerou pela avenida, chegou no hospital em menos de 15 minutos, e entrou correndo na recepção.

Cat estava de olhos abertos quando ele se aproximou do vidro, ligada a um monte de fios e aparelhos para respirar, pálida demais e mais magra do que ele se lembrava, mas ainda era sua Cat, ele entrou no quarto com cuidado e logo os olhos dela explodiram em sua direção e ele percebeu que ela forçou um sorriso, mas parece que seus sentidos não respondiam muito bem a ela, ao mesmo tempo em que ela parecia sorrir ele percebeu que ela sentia dor, ela estendeu a mão para ele.

- Finalmente você chegou.

-Mãe...

Ele não disse mais nada, deitou a cabeça em seu peito, beijou sua face e a molhou em lágrimas, Cat também deixou escorrer algumas.

- Onde está Érika?

- Na escola, ela tinha prova de Matemática hoje, não quis incomodá-la, achei que ela podia perder a concentração se soubesse que você tinha acordado.

- Você fez bem meu amor, ela é muito emotiva, devo imaginar como está difícil para ela lidar com tudo o que está acontecendo.

Tiago olhou para baixo, não podia encarar a mãe depois de ter mentido para ela, mesmo sabendo que era para o seu bem, ele se sentia tão culpado, ela passou a mão em seu rosto.

- Algum problema querido?

Ele voltou a erguer os olhos e então sorriu.

- Não Mãe, tudo bem, você precisa descansar, eu não devo ficar.

- Não, fique eu terei tempo para descansar depois, preciso falar com você, tem algo que precisa saber.

Lílian tentou voltar a dormir, estava destruída após dois dias de plantão, mas desde que conversara com Tiago sua cabeça estava em outro lugar, rolou de um lado a outro na cama, por que Cat tinha chamado por Tiago tão desesperadamente? Será que ela estava pensando em contar a verdade a ele? Não, Cat não a trairia dessa forma... Lilian tentou afastar esses pensamentos ruins da cabeça, sua garganta ficou seca de repente e ela resolveu se levantar para tomar água, Chuck estava sentado a mesa, almoçando.

- Já acordou? Está horrível, volte a deitar!

Lílian olhou para ele com aquele rosto apático que mostrava que não era uma boa hora para fazer piadas.

- Não consigo dormir, Cat acordou uns minutos antes de o meu plantão terminar hoje.

- Hoje? Jura! Por que não me disse nada?

- Eu quis, mas você não estava em casa quando cheguei e quando deitei na cama eu apaguei instantaneamente.

- Mas isso é bom não é? Por que a preocupação?

- Ela chamou por ele várias vezes, os enfermeiros tiveram que contê-la, ela parecia desesperada para falar algo a ele, temo pelo que ela possa vir a contar.

- A verdade?

- Não sei por algum motivo ela queria muito falar com ele.

- Não pense nisso agora, Cat não dirá nada, volte para o quarto e descanse.

Lílian concordou, não tinha nada que ela podia fazer a respeito ficando por ali e pensando nisso, se Cat contasse ela teria que dar um jeito de lidar com a situação por mais horrível que ela fosse não podia ir para o hospital novamente, estava de folga até o dia seguinte, teria que se controlar, se voltasse ao hospital antes de encerrar sua folga, certamente seu superior a colocaria para correr de lá.

No Hospital Cat tomava a decisão mais importante de sua vida, era como se Lílian pudesse sentir isso e por isso andava tão aflita.

Cat segurou a mão de Tiago com força.

- Não vá, tenho que falar algo, não posso dormir antes de lhe dizer a verdade...

- Mãe, não deve se alterar...

- Não sou sua mãe Tiago, você sabe.

Tiago ficou sério de repente, ela nunca tinha falado daquele jeito com ele, seus olhos diziam que queria dizer mais.

- Eu sei Cat, mas eu sempre a respeitei e a amei como se fosse minha mãe, não me interessa se temos laços sanguíneos ou não, você será sempre a minha mãe.

- Acontece que eu não mereço ser, eu não mereço esse seu amor...

- Do que está falando?

- Eu te amei tanto quando te vi, foi o melhor presente que poderiam ter deixado em minha porta, eu era pouco mais que uma jovem, mas sem filhos e sem um companheiro, nunca imaginei que quando eu lhe pegasse em meu colo e acalmasse seu choro um amor tão forte bateria em meu peito, mas aconteceu... E eu te aceitei e fiz de tudo para lhe dar meu sobrenome, não desisti enquanto não pude lhe chamar de meu.

Tiago estava emocionado com a declaração de amor dela, mas não entendia por que ela estava falando isso agora, ela tinha que descansar.

- Não mãe, não é hora para isso, precisa descansar, eu sei que me ama, teremos tempo para falar disso depois, quando o momento for melhor e mais feliz.

- Não, não há tempo, eu preciso falar agora...

- Falar oque?

Ela deixou as lágrimas escorrerem pelo rosto e soluçou.

- Eu menti para você, durante todo o tempo em que morou comigo, eu fui fraca e menti, menti por que tive medo que me abandonaria, eu menti quando eu disse que sua mãe não o quis... Eu menti tanto, para mantê-lo ao meu lado.

Tiago não estava acreditando no que estava ouvindo, Deus ele amava aquela mulher, ela tinha sido sua mãe, sua conselheira, sua heroína, tinha estado do seu lado nos melhores e piores momentos, mas ao mesmo tempo ela conhecia suas falhas e sabia que tudo que ele sempre quis foi saber mais sobre sua mãe.

- Do que está falando mãe? Como assim você mentiu?

- É verdade que sua mãe o abandonou em minha porta, eu cuidei de você, lhe dei um lar, um nome e um sobrenome também, eu te dei amor, mais do que tudo, eu te dei muito amor... Então de repente... Ela voltou, quando eu a conheci você tinha pouco mais de três anos, eu a expulsei, você era meu, a justiça dizia isso, eu tinha tudo a meu favor, eu fui tão egoísta, mas o que mais eu podia fazer? Você era meu filho! Só meu e eu o amava!

Tiago começou a chorar, ele queria odiar Cat por ter mentido durante todo esse tempo, mas não conseguia, ela tinha feito o que tinha feito por causa do amor que sentia por ele, ela tinha o amado primeiro, muito antes daquela que o tinha abandonado sem saber se ele teria algum futuro ou alguma sorte.

- Um dia então ela voltou novamente, Erika já era nascida na época, ela trouxe um homem com ela, falou que se contentava em apenas ajudar com sua criação, que jamais o tiraria de mim, que entendia o amor que eu sentia por você e que sabia que você também já me amava como sua mãe, pois era a mãe que tinha conhecido, então ela começou a me dar dinheiro para custear a sua educação, suas roupas e tudo mais.

Tiago sempre se perguntou como Cat fazia para lhe pagar todos os cursos de línguas caros que ela pagava, o salário dela era bom, mas não era nada fantástico, e ela tinha não um mas dois filhos, a pensão que Nicholas pagava por Érika, era pouco mais que nada, uma merreca.

- A escola particular, o curso de inglês, espanhol, francês, italiano... Não fui eu, foi ela... Os cursos de computação, de auxiliar administrativo, não fui eu... Foi ela, suas roupas caras, os melhores brinquedos, não fui eu, foi ela...

- Para! Para mãe! Para de desmerecer tudo que você fez por mim, por que você pode falar o que você quiser, mas eu sei a verdade! – Tiago olhou para ela com os olhos vermelhos de tanto chorar. – Você não tem meu sangue, mas quando eu me machuquei e precisei de uma doação foi você que foi de porta em porta procurando um doador! Você não me pagou a escola, mas esteve lá todos os anos na primeira fila me fotografando e gritando para mim, me incentivando a ser melhor! Você não pagou os cursos, mas sentou ao meu lado todas as noites e estudou comigo quando eu não entendi uma lição! Você me levou no hospital queimando em febre, uma, duas, três vezes... Você acordou todas as noites para ver se eu estava bem, talvez nem tenha dormido... Quando eu tive pesadelos, era você quem estava ali, quando fiquei com medo do escuro você lutou comigo contra os monstros que estava no quarto e me fez vencedor... Você me fez ser melhor todos os dias, me fez ser seu filho, não interessa o dinheiro que ela investiu em mim, você foi minha mãe! E será sempre a minha mãe!

Agora quem chorava era Catherine, ela nunca imaginou ele reagiria assim.

- Eu fiz o melhor que pude por você Tiago, dei o meu melhor todos os dias, mas eu também sei que falhei quando te afastei dela, então agora é com você.

Ela colocou a mão no pescoço procurando por algo, mas não encontrou.

- O que esta procurando?

- O meu colar, aquele com a chave! Onde está?

- Aquele com a chave reserva de casa?

- Não, essa era outra mentira minha, mas... Sim aquele com a chave.

Tiago se levantou e caminhou até o criado mudo onde às enfermeiras tinham deixado os pertences de sua mãe no dia do acidente.

- Esta aqui.

Ela esperou que ele o entregasse e então olhou para ele.

- É seu, faça com ele o que achar certo.

- Não entendi mãe, se essa não é a chave da nossa casa, o que é então?

- São memórias suas, eu guardei tudo, dentro do armário tem uma caixa velha de madeira, vai conseguir abrir ela com essa chave.

Catherine começou a tossir fortemente, Tiago se afastou assustado, ela se curvou para frente gemendo de dor e então ele correu para o corredor chamando pelos enfermeiros, dois homens entraram correndo e tentaram acalmar Cat, logo mais pessoas chegaram e empurraram Tiago para fora, Tiago ficou no corredor andando de um lado para o outro sem entender o que estava acontecendo, do vidro ele podia ver as pessoas em volta da cama tentando acudir sua mãe, mas ele não podia mais entrar, estavam barrando sua entrada, ele esfregou o rosto freneticamente entrando em desespero, logo ele percebeu que eles se afastaram da cama, sua mãe dormia, eles provavelmente a tinham sedado novamente, um homem alto e com barba saiu do quarto.

- Ela teve uma recaída, o coração está fraco e é melhor que ela descanse agora, sem mais visitas hoje.

- Tudo bem.

Tiago voltou a se aproximar do vidro e abriu a mão como se acenasse para ela, mesmo sabendo que ela não veria mais, pois já dormia, ele respirou fundo e voltou a se jogar no sofá tentando processar tudo o que tinha ouvido dela, olhou para a chave umas três o quatro vezes depois a guardou no bolso e fechou os olhos.

Já na casa de Eduardo...

Sentada sobre a cama a menina que já fora sonhadora um dia abraçava os joelhos trêmula, como se tudo a sua volta lhe pudesse oferecer algum perigo, e talvez em sua mente inocente pudesse mesmo, Suélen já tinha sido uma adolescente comum, ela tinha sonhos, como qualquer outra adolescente, algumas “paixonites” na escola, por que não? Estava entrando na adolescência e seu corpo começará a mudar...

Mas, infelizmente mais pessoas perceberam isso e movidas por algo cruel e inaceitável, roubaram dela tudo que tinha, sua inocência, sua alegria, sua pureza... A doce menina cheia de sonhos agora vivia trancada em seu quarto, tinha ódio de si mesma, se sentia suja, errada como se seu corpo fosse coberto de lama, por vezes gostava de se mutilar, cortando os pulsos, criando cicatrizes horríveis, quem sabe assim, ninguém olha-se para ela... Quem sabe assim, ela pudesse fugir do passado que a perseguia mesmo depois de dois anos, fechou os olhos com tanta força que pode ver minúsculas partículas brancas explodirem em sua mente, se ao menos ela pudesse fazer tudo desaparecer da sua mente, ela queria poder voltar a falar com Eduardo seu irmão, dizer a ele como se sentia, mas tinha medo... Tinha medo até mesmo dele, medo de ser novamente julgada ou mal compreendida, as pessoas de sua antiga cidade diziam que ela tinha procurado isso, que usava roupas curtas demais, diziam que sua mãe não tinha sabido cria-la direito e que por isso, aquilo tinha acontecido...  Ela não sabia se aquilo era ou não verdade, a única coisa que sabia sobre si mesma é que odiava ter que estar viva, sentia-se uma estorvo na vida do irmão, um peso... Tudo seria muito melhor se ela deixasse de existir.

Naquele dia Suélen acordou sem animo, olhou o quarto ao redor e percebeu o silêncio, Eduardo certamente tinha deixado o café da manhã sobre a mesa da cozinha e saído para trabalhar, aquela seria mais uma manhã como qualquer outra, se não fosse por notar um pequeno embrulho estranho e desconhecido sobre sua cômoda.

Era um pacote de presente azul metálico com um laço bonito, mas por quê? Nem mesmo era seu aniversário, por que será que Eduardo tinha lhe deixado um presente?

Curiosa demais pegou o pacote e desfez o laço, viu o diário cor de rosa cair de dentro e com ele uma caneta, ela já tinha tido um diário, há muito tempo atrás, muito antes de tudo acontecer, lembrava-se que gostava muito de escrever nele, mas que tinha perdido o interesse depois que tudo aconteceu, deve ter ficado pelo menos uns dez minutos ali parada observando o pequeno caderno lacrado com chave, quem sabe aquele não poderia ser o amigo que ela tanto procurava? Mas e se alguém acabasse lendo? Perguntou-se mentalmente com dúvidas, depois trancou e destrancou o mesmo, era seguro, somente ela conseguiria abrir com a chave, suspirou folheou as páginas com carinho e depois voltou a guardá-lo no pacote, levantou-se da cama e caminhou até a cozinha, serviu-se de café e voltou para o quarto com alguns biscoitos, tentava desviar o olhar, mas volta e meia seus olhos repousavam sobre a cômoda onde o presente tinha sido deixado, depois de algumas horas decidiu que estava na hora de se dar uma chance, ela não podia ter medo de um simples livro, podia?

Abriu a primeira página e escreveu seu nome, uma, duas, três vezes, sempre gostará tanto do seu nome, era um nome tão bonito, tão alegre...

O nome Suélen significa flor brilhante ou lírio reluzente, quando criança sua mãe brincava com seus cabelos dizendo que eles eram como pequenos lírios do campo, perfumados e delicados, isso fazia ela se sentir especial, hoje porém, tudo que via no espelho lhe entristecia... Para onde tinha ido aquela menina alegre? O Lírio tinha murchado e o luz já não resplandecia em seu coração, ela estava coberta de lixo a sua volta, sentia-se imunda.

Suspirou triste e empurrou o diário para longe, olhou no relógio e viu que estava na hora dos seus remédios, assim que os tomou sentiu um sono imenso e se entregou a ele e pela primeira vez depois de dois anos não teve nenhum pesadelo, sonhou com sua mãe, sonhou que as duas estavam em um campo coberto de lírios brancos e rosa, sonhou que ela afagava seu cabelo e lhe dizia coisas bonitas, ela não a odiava, ela não a culpava, ela não a queria mal, ela sabia que ela era a vitima de tudo, acordou com o rosto molhado de lágrimas e abraçou o travesseiro olhando sobre ele e vendo o diário que tinha sido deixado de lado, ao fundo podia ver a foto de sua mãe sorrindo para ela, dona Helena não iria querer vê-la assim, ela tinha que lutar.

Decidida abriu o diário pela terceira vez naquele dia e escreveu uma frase longa demais...

“Querido diário, meu nome é Suélen”.

Segundos depois riscou a frase.

“Ok, senhor diário me chamou Suélen”. Novamente voltou a riscar a frase.

Suspirou, suas mãos tremiam, a frase cruel estava em sua cabeça, mas ela tinha medo de escrevê-la, voltou a escrever.

“Meu amigo diário, tenho algo para lhe contar... Eu fui estuprada”.

A frase foi escrita com tanta força que a página quase se rasgou, deixou algumas lágrimas caírem que borraram a caligrafia, porém dessa vez não eram lágrimas de tristeza e sim de alivio, era como se um peso tivesse sido tirado de suas costas, ela voltou atrás e leu à frase, aquela não era a frase de uma condenada, aquela era a frase de uma menina que tinha sido vitima, ela era a vitima, então por que sempre tinha se sentido tão suja por causa disso? Ela não teve culpa! Ela não era culpada!

O choro descompassado saiu ganhando cada vez mais forma e som e então ela chorou, se deixando vencer pelas lágrimas, deixando seu peito aliviar aqueles dois anos de culpa e sofrimento, aqueles dois anos de completa escuridão.

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