Você me Pertence {4}

CAPÍTULO 4

Estava esperando o elevador descer, refazendo mentalmente a lista do que é necessário para que eu fizesse um jantar decente. Na verdade eu não tinha nada em mente, esperava que assim que eu estivesse fazendo compras, as ideias iriam aparecer, e assim iria surgir um belo prato. Desde quando eu era mais nova fui acostumada a lidar com a cozinha, e aprendi desde cedo as mais variadas combinações. Tanto que lá em casa os pratos eram raramente repetidos, sempre a minha mãe estava inventando um prato novo, e todos eles eram muito saborosos.

Coloco a mão no peito sentindo um aperto no coração. As memórias e a dor pela perda da minha mãe ainda são recentes. É muito difícil olhar para o lado e perceber que eu nunca mais vou poder vê-la sorrir, ou comer um dos seus pratos. É muito triste pensar dessa forma, pois eu queria muito que ela estivesse viva para ver toda a minha trajetória. Estar presente para ver o quão longe eu posso ir.

As portas do elevador se abrem, e eu logo avisto Jerry, que está com a sua roupa formal usual e o mesmo olhar atento, logo na frente do prédio. Comecei a caminhar na sua direção, e como sempre, ele me notou antes mesmo que estivesse próxima, confirmando que ele é realmente bom no que faz. As palavras de Alan sobre a minha relação com Jerry ainda escurecem os meus pensamentos, de repente me deixando tímida assim que paro na sua frente.

— Senhorita Miller, precisa de algo?

Ele parece surpreso ao me ver, e logo endireita o seu uniforme. Como é final de semana e eu não tenho aula, nos últimos dias eu me acostumei a ficar em meu apartamento sem sequer pôr a cara para fora, mas agora eu me sinto sufocada e preciso sair um pouco. Alan já me fez companhia essa tarde, se eu sair para fazer compras, posso me distrair e fazer um belo jantar essa noite.

— Eu gostaria de fazer compras. Quero fazer algo novo. 

Ele me encara com o seu olhar analisador. A verdade é que eu não quero que ele se sinta pressionado, pois ele deixa claro que não quer aproximação a mais do que uma relação inteiramente de trabalho. Não vou mentir que gostaria de uma relação amigável com ele, mas ao mesmo tempo o mesmo demonstra que se incomoda com isso. 

— Tudo bem? — Ele questiona enquanto caminhamos até o carro, chamando a minha atenção.

Ele não costuma perguntar se estou bem…

— Sim, só estou com a cabeça cheia. 

Ele assente e logo abre a porta traseira do carro. Quando já estamos acomodados dentro do carro, ele começa a fazer o caminho até o mercado mais próximo após me perguntar se eu tinha alguma preferência quanto ao lugar. Quando chegamos eu já vou logo pegar uma cestinha de compras, sentindo a presença de Jerry logo atrás de mim. Caminho pelos corredores pondo todos os ingredientes que eu possivelmente vou usar hoje e durante a semana, sem me preocupar em relação ao dinheiro, já que o colar me rendeu muito bem e ainda tinha o dinheiro da minha floricultura guardado, já que na mão cheguei a usar com a minha mãe já que na época não era o suficiente para o seu tratamento. Ainda assim, tenho que me agilizar o mais rápido possível arrumando um emprego. Todo esse dinheiro não vai durar para sempre. 

— Precisa de ajuda? — Jerry pergunta se pondo ao meu lado, com uma sobrancelha erguida.

Eu o encaro surpresa, pois pela primeira vez desde que ele começou a me acompanhar, o mesmo nunca tinha tentado interagir comigo. 

— Ah, claro… — Respondo um pouco embaraçada. — Eu queria um pouco daquelas nozes.

Aponto para um prateleira e o mesmo vai sem sequer pestanejar, voltando com suas sacolinhas da mesma noz que a minha mãe costumava comprar, e que agora já fazia parte dos meus temperos. Lanço-lhe um sorriso agradecida, pondo as sacolinhas na cesta.

— Jerry, eu quero te agradecer por ontem; — Ele franze o cenho, parecendo estar confuso com as minhas palavras. — Quando você apareceu eu não estava na minha melhor situação, então… 

Faço um gesto na sua direção, sentindo as minhas bochechas corarem com as minhas próprias palavras.

— Não precisa me agradecer por isso. Esse é o meu trabalho. — Ele me lança um sorriso simpático, que eu logo trato de devolver. 

Não conversamos muito depois disso, somente passei a ele alguns dos ingredientes que ele poderia me ajudar pegando, e assim eu já tinha pegado tudo o que eu sentia que seria necessário. Esperamos um pouco na fila, e quando chegou a minha vez e eu estava esperando que a mulher do caixa terminasse de passar tudo o que eu queria levar, eu passei o meu olhar ao redor do local, tentando lembrar de algo que talvez eu quisesse levar. Os meus olhos pararam na banca cheia de revistas ao meu lado.

"O último caso de Benjamin Hunter aparece acompanhada por um segundo homem. Internautas especulam que seja um segurança ou que a relação dos dois é aberta já que os boatos de que ele sempre está dormindo fora não param de correr. Relembrando que todas as anteriores affair dele hoje costumam sair com homens tão ricos quanto ele."

Meus olhos se abrem em espanto e eu juro que posso sentir o meu coração querendo saltar em meu peito. Meu Deus, eles realmente não perdoam. Já estão insinuando coisas maldosas ao meu respeito, e parece que a de Benjamin também. A ideia de que ele realmente tenha dormido com outras mulheres não me agrada em nada, na verdade, se isso for verdade, não sei se conseguirei sequer olhar para ele.

— O cara realmente não para.

Me viro na direção da voz, que vem da mulher do caixa. Ela percebeu que a minha atenção estava na capa da revista. 

— Deve ser só mais uma interessada na grana dele, apesar de dizerem que ele é um deus do sexo. Dizem que é tão fácil dormir com ele; — Ela comenta com um sorriso no rosto, balançando a cabeça para os lados, descrente,  enquanto põe minhas compras na sacola. — Ontem mesmo, a minha prima disse que dormiu com ele semana passada. 

— Dormiu? — Pergunto com a voz falha, sentindo a vontade de chorar se formando em meu coração e ao redor dos meus olhos.

— Ah, senhorita, me desculpe; — Jerry nos interrompe pegando as sacolas da mão da mulher. — Vamos indo, Mel. Já está escurecendo. 

Ele me puxa para fora do mercado e logo abre a porta do carro, pondo as sacolas de compras em um dos assentos. Eu fico encarando a porta aberta, sem conseguir me mexer e completamente confusa em relação aos meus pensamentos. A revista de fofoca e as palavras da mulher são tudo o que ocupam a minha mente, e agora eu não sei como me sentir. Benjamin seria tão cara de pau ao ponto de fazer isso comigo? Que dizer, eu sei que ele não me deve nada, mas é dessa forma que ele me quer? Dormindo com outras mulheres?

— Senhorita; — Jerry para na minha frente, me encarando com um olhar preocupado. — Não deveria ficar abalada com essas coisas. Desde que eu comecei a trabalhar para ele, eu percebi que as suas relações são bastante restritas. Muitas vezes ele passa a noite na empresa para poder passar o outro dia em casa. E as pessoas costumam inventar coisas como essa, quer dizer, qual é a mulher que não quer ser conhecida por dormir com ele?

Jerry parece um pouco contrariado com algo, e é quando eu levanto o meu olhar para o seu.

— Eu não quero…

Um sorriso de leve, quase imperceptível, se desenha em seus lábios enquanto assente.

— Você é uma em um milhão, Mel, não deveria se preocupar com isso. — Ele pousa uma mão nas minhas costas e me analisa com preocupação. — Parece fraca, qual foi a última vez que comeu?

Suspiro me lembrando de que Alan preparou alguns lanchinhos leves para nós dois essa tarde.

— Comi algumas besteiras essa tarde. Eu queria fazer um jantar, mas agora já estou desanimada. Acho que só vou dormir. 

Ele assente e então verifica a hora em seu relógio de pulso. 

— Se quiser posso preparar algo para você. 

Os meus olhos se abrem em surpresa pelo seu gesto. Eu até ficaria contente caso Benjamin não estivesse ocupando os meus pensamentos, mas ainda assim, lancei um sorriso na sua direção, assentindo.

— Eu agradeceria por isso.

Talvez essa ideia não seja tão ruim. Quer dizer, eu não fazia ideia de que Jerry sabia cozinhar, mas agora me sinto estranhamente animada para experimentar a sua comida. Entramos no carro e logo seguimos até o meu apartamento sem que ao menos eu notasse o que acontecia ao meu redor já que Benjamin ocupava 100% dos meus pensamentos. Principalmente sobre o que seria de nós caso eu não assinasse esse contrato, pois isso é o mesmo que dizer que não iremos ficar juntos, e talvez eu tenha que conviver com a ideia de que ele pode estar a todo momento com uma nova garota.

Isso me deixa esgotada…

Quando chegamos no meu apartamento, Jerry me ajudou a guardar as compras no armário da minha cozinha, com um ar menos formal já que o mesmo estava me fazendo perguntas até mesmo sobre o dia. Após ele avisar que eu poderia apenas ficar sentada, eu me sentei em frente a ilha da cozinha e o observei tirar o seu paletó e arregaçar as mangas da camisa. Ele me faz várias perguntas sobre quais tipos de temperos eu gosto, ou quais são as minhas preferências na culinária. Eu estava curiosa sobre como ele aprendeu a cozinhar, observando o mesmo picar a cebola na tábua de madeira. 

— Como aprendeu a cozinhar?

Ele parece realmente ser muito habilidoso quanto a isso.

— Quando eu era adolescente eu ajudava no restaurante do meu tio. Tinha um prato que todos amavam, e espero poder fazer para você; — Ele levanta o seu olhar na minha direção, franzindo o cenho como se tivesse esquecido de algo. — Ele é cozido com cerveja.

— Ah, bem, acho que tem duas latinhas na geladeira; — Ele parece divertido e curioso, talvez porque eu não faça o tipo que gosta disso. — Eu comprei para experimentar já que nunca havia bebido. Acho que tenho que me acostumar, porque sinceramente eu não gostei.

Ele me lança um sorriso e vai até a geladeira pegar as cervejas. Durante todo o processo de preparo, pudemos conversar sobre assuntos diversos. Eu conheci um lado dele que nunca havia conhecido. Ele estava mais divertido e mais aberto para me conhecer. Ele parecia interessado em conhecer pequenos detalhes sobre mim, e assim passou o que me pareceu segundos, comigo falando e falando sobre a minha vida. Eu não contei a ele sobre o que aconteceu entre mim e Benjamin, mas apenas gostos e até mesmo um pouco de como era a minha vida antes da viagem que fiz com todos eles. Olhando dessa forma, parecia que já havia passado um ano desde que tudo aconteceu. 

Nos sentamos lado a lado na ilha da cozinha assim que ele tinha terminado de nos servir. Eu servi suco para nós dois, já que não tive tempo para comprar vinho e coisas do tipo. Na primeira garfada, eu quase congelei no lugar pois jamais imaginaria que ele pudesse fazer algo tão esplêndido.

— Meu Deus! O seu tio devia ser rico pela qualidade deste prato. Caramba, Jerry! Você vai ter que me ensinar a fazer isso aqui, eu nem prestei atenção enquanto você fazia.

Ele me lança um sorriso agradecido, também provando do prato.

— Eu mudei algumas coisas, fiz de tudo para ficar de acordo com os seus gostos. Fico feliz por não ter decepcionado. 

— Aliás, Jerry. Há quanto tempo trabalha como segurança? Você citou algo sobre o início do seu trabalho, mais cedo. — Comento pondo mais uma garfada na boca.

Ele me olha rapidamente, voltando a encarar o prato de comida a sua frente.

— Já tem alguns anos. Trabalhei com diversas pessoas, eu sou muito leal, Mel, mas elas sempre me cobravam algo que eu não podia dar, sem falar na forma que me tratavam. Eu não gosto de fugir do profissional, sabe, mas o Senhor Ben Hunter foi o único que me deu bom dia em toda a minha vida. Pode parecer besteira, mas isso se torna algo grande para quem vive em prol do trabalho. — Ele murmura encarando o prato, como se estivesse refletindo sobre as suas palavras.

Um suspiro pesaroso escapa pelos meus lábios enquanto eu o observo. Deus, isso é verdade e eu consigo entender o seu lado. Quer dizer, ele está sempre disponível para mim, parecendo que não tem descanso na sua vida, e ainda trabalhar com pessoas que não te valorizam deve ser horrível. Uma sensação de estar sempre sozinho e com um vazio no peito… Acho que consigo entendê-lo. Benjamin também me mostrou uma versão diferente da vida, na qual eu nunca tinha conhecido e depois disso, eu já não me vejo sem. 

— Obrigada pelo jantar, Jerry. Estava incrível. — O agradeço logo após jantarmos e eu o levar até a porta, o encarando com um sorriso contente pois mesmo que indiretamente, ele me ajudou.

Ele me devolve o sorriso e faz um gesto com a cabeça, como se isso não fosse grande coisa. Mas isso foi muito importante para mim, pois mesmo que por apenas algumas horas, me distraiu do nevoeiro que os meus pensamentos se encontravam. 

— Estou indo, se precisar de qualquer coisa é só me ligar. 

Vejo ele voltar a sua postura profissional enquanto caminha até o elevador. Quando eu fecho a porta, as palavras de Alan voltam como uma assombração na minha mente para me perturbar. Eu deixo as minhas costas deslizarem pela parede com um suspiro frustrado. Por mais que eu não veja isso dessa forma, pessoas como Alan que tem uma mente trabalhada na maliciosidade com certeza pensaria que eu estava flertando com Jerry. Mas eu definitivamente não estava. Quer dizer, ele é um homem muito bonito e até mesmo faz com que a dor no meu peito sobre Benjamin se dissipe, mas Jerry não é ele. O mesmo não causa as mesmas reações em mim e nem me deixa com o coração acelerado. Acho que podemos ser apenas grandes amigos, eu só tenho que tirar essas besteiras da cabeça de Alan.

O final de semana passou rapidamente e já era segunda-feira. Tive que realizar algumas pesquisas para o teste de hoje, que será prático no laboratório, somente para ficarmos por dentro de como tudo funciona, mas só vamos poder realmente estudar em laboratórios no final do ano ou até mesmo no próximo. É necessário que tenhamos mais conhecimento sobre o assunto, assim vamos evitar de pôr fogo em toda a Universidade. Confesso que estou me sentindo ansiosa, pois é a minha chance de confirmar se a minha alma se dará bem com o curso, caso contrário, me sentirei perdida.

Jerry, como em todas as manhãs, fez o mesmo percurso até a faculdade, mas dessa vez com a mesma postura e dificuldade de aproximação de sempre. Acho que, afinal de contas, esse é só o seu jeito profissional de não gostar de muita intimidade com alguém, e eu entendo que ele queira o seu espaço. 

— Obrigada, Jerry, e bom dia. 

O agradeço logo após descer do carro. Ele também desce do carro e se aproxima de um homem que estava com uma câmera apontada na minha direção. Ele troca algumas palavras com o mesmo, que sai do lugar sem graça. Jerry percebe que eu estava o observando e acena para mim, dizendo que posso ficar tranquila quanto aos paparazzo. Mas como é que eu vou ficar tranquila? Mesmo confiando nele em relação a isso, é inquietante saber que tem pessoas me rondando o tempo inteiro para pôr a minha foto numa capa de revista como se fosse ninguém, apenas a pessoa que Benjamin Hunter está saindo. E isso é deprimente. 

Suspiro e faço o meu caminho para dentro do prédio, fingindo indiferença quanto aos olhares na minha direção. 

"...qual é a mulher que não quer ser conhecida por dormir com ele?"

A pergunta ecoa em meus pensamentos enquanto me vejo perguntando se todos me enxergam dessa forma, ou até como a mulher do caixa se referiu a mim. "Mais uma que está atrás da grana dele".

— Finalmente encontrei você; — Lorena aparece na minha frente com um sorriso. — Tem um tempo para a gente comer algo antes do seu primeiro horário?

— Bom dia para você também. — Murmuro ironicamente, continuando a caminhar pelo corredor. 

Ela revira os olhos e enrosca o seu braço no meu.

— Bom diaaa!

— Acho que devo ter uns quinze minutos antes da aula. O teste de laboratório é somente no terceiro horário. 

Ela me lança um sorriso animado.

— Vamos para a cafeteria.

Caminhamos para a cafeteria do Campus, que é literalmente o restaurante do nosso prédio. O Campos em si, possui vários prédios, cada um com o seu segmento. Por exemplo, esse prédio é basicamente de laboratórios e uma boa parte dos conteúdos de Medicina, e eu compartilho boa parte dos horários com Lorena. Ela praticamente mora no dormitório da faculdade, que fica no prédio de trás do campus. Alan já pensou em fazer isso, mas acho que ele prefere o pequeno apartamento que ele tem, separado da casa dos seus pais. 

Nos sentamos lado a lado nas mesas redondas da cafeteria, optando pelo lugar mais arejado. Também pegamos um suco na máquina e uns biscoitinhos em formatos de animais. Estávamos conversando sobre os últimos acontecimentos, principalmente sobre a curiosidade de Lorena quanto a Benjamin, e eu estava contando um pouco de tudo o que vivemos, quando eu congelei no lugar em reconhecimento. O meu olhar se prendeu a uma pessoa que eu tinha certeza que já conhecia. Quer dizer…

Essa cabeleira ruiva e elegante não me passaria despercebida.

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