Bandeira Branca
Bandeira Branca
Por: Momede
Capítulo 1

ESSE LIVRO FOI TOTALMENTE REVISADO E SE ENCONTRA NO FORMATO FÍSICO PELO I***A: @MONIQUEMM18

                                                             ... 

O alarme do relógio tocava insistentemente. Estiquei o braço para desligá-lo, porém a única coisa que consegui foi derrubá-lo junto com o abajur em cima da cabeceira, ao lado da cama.

Minha cabeça latejava e o gosto ruim na boca provocava um embrulho no estômago. Assim que meus pés encostaram no chão, olhei para a unha vermelha, que mesmo com todo o esforço para não borrá-la após a manicure, tinha sido em vão.

Além disso, meu calcanhar estava inchado, resultado imediato de uma noite regada a álcool e pura devassidão.

Olhei para o lado e um homem com o corpo nu, dormia profundamente.

Eu tinha feito de novo...

Mais uma vez, havia trazido para dentro de casa, um estranho para saciar meus desejos sexuais.

Arfei, tentando lembrar do nome, mas logo desisti, pois ainda tentava recordar como havia chegado em casa. Levantei meio sonolenta e fui até o banheiro.

Era difícil saber o que estava prestes a explodir primeiro. Minha bexiga ou minha cabeça.

Atravessei um mar de roupas espalhadas e bolsas reviradas. Contei um... Não! Dois preservativos no chão, e respirei fundo sem muita paciência com o desprezo que sentia por mim mesma.

Toda sexta-feira saía com o objetivo de me esbaldar. Bebia até a noite não ter fim e torcia para que não houvesse dia seguinte... Mas isso não era possível, pois o dia seguinte sempre chegava acompanhado de um estranho na minha cama pela manhã.

A verdade, é que não importava quantas vezes jurava a mim mesma que não faria mais isso e o problema é que eu sempre falhava. Ia incessantemente pelo caminho contrário daquilo que planejava.

Olhei-me no espelho, enchendo as mãos da água fria que saía da torneira. A maquiagem estava toda borrada, o meu hálito era horrível e o meu cabelo estava grudado na testa.

Lavei o rosto, mas a maquiagem não saiu. Quanto mais eu esfregava, mais parecia com a personagem sombria Mortícia, da família Addams.

O álcool me envelhecia anos em semanas, fazendo com que minha pele, antes sedosa e macia, se tornasse um verdadeiro deserto de manchas e olheiras, que contornavam meus olhos sem o mínimo pudor. Além disso, queria acreditar que grudado no meu cabelo tivesse resquício de vômito e não de sêmen.

Quando sentei no vaso para urinar, senti tudo arder pagando o preço alto da noite de sexo casual, o que era muito comum e habitual.

Logo em seguida, fui para debaixo do chuveiro e nem ousei abrir a torneira da água quente. Sem hesitar, encarei o dilúvio frio para curar a ressaca, enquanto o meu corpo apresentava inúmeros espasmos.

Novamente respirei fundo tentando medir a irresponsabilidade e abandono que tinha com minha própria vida.

Tentei então fazer um mapa mental de como tinha sido a minha noite.

                                                                ...

Cheguei em casa depois do trabalho como de costume, me arrumei e fui para o único lugar que poderia pagar para beber, o bar do Joaquim.

Seu Joaquim é um português com mal de Parkinson e que está no mesmo ponto há mais de quarenta anos. Ele sempre fora muito simpático comigo, deixando pendurar a cerveja, quando não tinha dinheiro para pagar.

Seu bar é uma espécie de botequim. O lugar não é bem frequentado, o banheiro quase nunca está limpo, porém é o único local que conheço onde a cerveja é a mais gelada do bairro, sem importar o horário que você chegue por lá.

No entanto, essa era a minha parada obrigatória nos últimos sete anos. Toda sexta-feira, o bar do Joaquim fica insuportavelmente cheio de gente que inicia o final de semana com música ao vivo, cantada por um músico deficiente visual e seu fiel escudeiro ao violão.

A dupla, que apesar de não saber muito bem as letras e as melodias, acaba sendo sempre ovacionada no final de cada composição.

A energia do botequim do Joaquim é o que mais me fascina e mesmo que toda semana eu dissesse que não colocaria os pés novamente naquele lugar, algo sempre me puxava para voltar.

Contudo, por ser frequentadora assídua do bar, passei a conhecer diversos tipos de pessoas: compositores de samba, militares aposentados, empresários do ramo alimentício, auditores fiscais e uma infinidade de sessentões em busca de uma mulher disponível.

No Joaquim, não há diferença de classe social, cor ou religião.

Todos bebem em mesas colocadas na calçada que geralmente atrapalham os passantes e os clientes são atendidos por um garçom que vive mal-humorado, por não dar conta de toda a clientela que é atraída pelo melhor torresmo do subúrbio.

Além disso, as conversas dos homens, os maiores frequentadores do local, englobam todo tipo de sacanagem possível e imaginável.

É exatamente em bares como o do Joaquim, que eles fogem das esposas e do estresse do trabalho, procurando liberdade para falar suas obscenidades.

O que toda essa gente tem em comum? Todos eles possuem alma de bar, porque todos eles assim como eu, são alcóolatras.

Se há alguma mulher solteira, sozinha e vulnerável no ambiente, eles também não se importam. A bebida entra, a sacanagem sai e geralmente sou eu quem está no meio disso tudo, sem me importar com absolutamente nada. Uma espécie de purgatório na Terra.

Não demora para que um dos coroas me aborde e se ofereça para pagar uma bebida, o que de bom grado, acabo aceitando. O problema é que por sempre beber às custas de algum velho obsceno, consequentemente termino na cama, bêbada demais para lembrar como tirei a calcinha.

No entanto, essa noite de degradação não tinha sido diferente das outras, pois tinha repetido o mesmo ritual e continuava sem saber o nome do homem que havia dormido ao meu lado.

                                                                ...

Escovei os dentes e comecei a me ensaboar. O barulho da água do chuveiro abafou o som externo e não me deixou ouvir quando o desconhecido adentrou ao toalete.

Por sua vez, ele abriu a cortina do box subitamente, pegando-me desprevenida, vendo-me totalmente nua, invadido minha privacidade e olhando-me fixamente nos olhos, permitindo fazer agora uma avaliação melhor.

Ele aparentava ter uns cinquenta e seis anos e as recordações da noite começavam a surgir.

Lembro de ter sido abordada por esse homem baixinho e barrigudo para pagar minha cerveja, o que era de praxe. Começamos a conversar e depois de vinte e quatro garrafas e palavras pornográficas sussurradas no ouvido, terminamos na cama. Na minha cama...

                                                      ...

“— Não... eu odeio motéis. Prefiro no carro — respondi quando ele perguntou se eu queria sair do bar para o motel mais próximo.

— Estou bebendo, belezura. Não estou de carro — respondeu cochichando as palavras em meu ouvido maliciosamente”.

                                                      ...

E foi assim, que provavelmente eu tenha trazido esse homem para dentro da minha casa, deixando que ele abrisse minhas pernas e fizesse todo tipo de coisa com o meu corpo.

Nos olhamos cautelosamente e eu esperava que ele dissesse qualquer palavra, porém vi em sua expressão que assim como a minha, ele não sabia o meu nome e que tampouco isso importava.

Em sua mão esquerda o dedo anelar tinha a marca de uma aliança e deduzi que fosse casado.

Mais uma vez, nada disso importava. O caso, era que meus seios estavam doloridos e eu não sabia se tinha a ver com supostas mordidas ou com mãos brutas demais.

Quando ele ameaçou entrar no banho, recuei, mas ele não se intimidou. O bigode grisalho detestável e os pelos da sobrancelha que precisavam ser aparados urgentemente provocaram em mim uma ânsia de vômito ainda maior e precisei controlar-me.

Apenas uma pergunta me rondava: Como que aos trinta e cinco anos tinha conseguido chegar no fundo do poço?

Sem cerimônia, o desconhecido compartilhou comigo o chuveiro, imprensando-me contra a parede propositalmente e sorrindo maliciosamente sem precisar de permissão para me tocar.

Olhou-me dos pés à cabeça, desejando meu corpo como um pedaço de carne sendo escolhido no açougue.

A água gelada que agora caía também sobre o seu corpo nu, parecia não incomodá-lo. Suas mãos grossas e cheias de calos apalparam meus seios, fazendo-me gemer de dor. Senti o seu bigode grisalho roçar a minha pele, enquanto a sua língua nojenta contornava o meu pescoço.

Ele esfregava o seu corpo no meu de forma sedenta.

Eu não queria transar, principalmente com ele, mas deixei que se saciasse. O nojo percorreu o meu corpo e a minha alma, mas ainda assim deixei que ele fizesse comigo o que queria, sem fugir de absolutamente nada.

Quando finalmente o indivíduo terminou, saiu do chuveiro, embora eu permanecesse debaixo da água, lavando cada pedaço de mim.

O seu sorriso de satisfação ainda ocupava o lugar das palavras que não dissemos, afinal, não precisava, pois sabíamos que na semana seguinte eu estaria novamente no bar do Joaquim, sendo abordada por outro coroa desconhecido que transaria comigo enquanto tentava tomar um banho ou que se aproveitaria quando estivesse bêbada demais para dizer não.

                                                                       ...

Me cobri com o roupão branco que estava pendurado atrás da porta do banheiro e enrolei uma toalha no cabelo.

Não havia sinal do desconhecido. Ele fora embora mais rápido que a rapidinha dada dentro do box.

As camisinhas permaneciam no chão e o insultei mentalmente com todas as minhas forças para logo depois ignorar a realidade que me cercava, como tudo o que costumava ignorar na minha vida nos últimos anos.

Abri o armário da cozinha procurando pelo pó de café. Precisava de algo forte para me ajudar na pós-bebedeira, mas a única coisa que encontrei foram prateleiras vazias. Não havia café, açúcar, sal ou macarrão instantâneo... Meu kit de sobrevivência.

Dentro da geladeira, tinha apenas uma lata de cerveja aberta que sobrara do dia anterior e que virei sem pestanejar, sentindo o último gole da bebida chegar ao meu estômago acompanhado por um ronco de fome.

Foi então que me dei conta que não havia feito as compras do mercado durante a semana.

Arfei dessa vez, extremamente cansada mentalmente e fisicamente abrindo a única janela da quitinete em que morava, deixando o ar da manhã entrar e renovar o lugar.

Eu tentava há anos combater o alcoolismo, assim como tentava permanecer no mesmo emprego durante muito tempo, ou fazer as pazes com a minha família.

Tentava conservar amizades e não gastar mais da metade do meu salário com bebida.

Tentava não beber na hora do almoço.

Não faltar ao expediente.

Não me atrasar para o trabalho. Não brigar com meus superiores e claro, tentava incansavelmente me curar da pessoa que eu era, falhando na maioria das vezes.

Falhava miseravelmente em tudo, até que por fim joguei a toalha desistindo desse jogo sem resultados.

Saí da casa do meu pai, mergulhei ainda mais no alcoolismo, aluguei uma quitinete que tinha a cozinha menor que o meu banheiro e uma cama com travesseiros cheios de ácaros que atacavam a minha alergia constantemente.

Olhei novamente para o relógio e os ponteiros marcavam sete e quinze.

Pela janela, vi pessoas transitando na rua que ainda permanecia calma para um sábado de manhã, avistando a padaria do outro lado que já estava atendendo os clientes que procuravam por remessas de pães frescos e guloseimas.

Meio frustrada e sem ter o que comer aparentemente, resolvi pegar uns trocados dentro da bolsa e ir até lá, como todas as outras pessoas faziam.

Coloquei um vestido confortável e fresco, já que o céu azul indicava que a temperatura subiria gradativamente com o passar das horas, prometendo a mim mesma que limparia a casa quando voltasse.

Peguei minha chave e bati a porta descendo um lance de escada que me direcionava para a porta principal do edifício de cinco andares.

Já na calçada estreita, avistei alguns pedestres caminhando com seus cachorrinhos, outros com roupa de ginástica e tantos outros entrando na padaria.

A ideia de comer o pão na chapa e beber um café forte fazia-me salivar. Vi no rosto das pessoas que saíam do estabelecimento, a satisfação de levar para casa o que era necessário para saciar a fome da refeição mais importante do dia.

A única coisa, portanto, que me diferenciava daqueles mortais, era a vibração que exalávamos.

Todos eles pareciam muito bem resolvidos e felizes com a própria vida.

Por fim, fui tomada pela única coisa que apreciava na manhã, o seu inconfundível cheiro.

Não há nada melhor que o cheiro das flores despertando com os primeiros raios solares do dia, principalmente em um bairro arborizado do qual me orgulhava tanto em morar.

Meu bairro tem essa grande vantagem.

Ele é totalmente arborizado.

As ruas são compostas por imensas árvores e canteiros na frente dos prédios e por conta disso, de vez em quando os moradores se deparam com famílias de macaquinhos que transitam nos fios de alta tensão.

Somos também contemplados com o canto de inúmeras araras vermelhas de asas verdes nos primeiros minutos do amanhecer, e apesar de morar na única rua realmente movimentada do bairro, ainda assim valia muito a pena.

Fechei os olhos e inspirei, enchendo meus pulmões com o ar totalmente fresco e sem poluição, sentindo o sol iluminar vagarosamente a mim e a tudo ao meu redor.

Turbilhões de pensamentos invadiram a minha mente. Imaginei a minha vida sem a bebida, praticando exercícios físicos diários e tendo uma velhice estável, livre de doenças.

Divaguei consumindo alimentos saudáveis, com um relacionamento estável e quem sabe ser chamada de mãe por dois menininhos barulhentos, além de ter uma vida totalmente diferente da qual eu vivia, baseada em sonhos dos quais jamais realizaria.

Silenciava a minha mente, ali, em pé na calçada estreita na frente do meu prédio enquanto aguardava o semáforo ficar vermelho para atravessar até a padaria, quando de repente fui trazida de minha meditação por um rapaz que aguardava ansiosamente para vender jornais aos motoristas que parariam atrás da faixa de pedestres.

— Bom dia, moça bonita! Quer um jornal? — perguntou sorrindo gentilmente.

— Obrigada — agradeci e ele passou por mim, otimista com a sua meta de vendas.

O semáforo era demorado. O fluxo de carros era constante, pois era a única via que ligava outros bairros ao meu.

Ônibus e motos transitavam constantemente e mesmo à noite, muitas vezes era difícil ter um sono tranquilo com todo o barulho, porém, nas manhãs de sábado e domingo o movimento diminuía drasticamente.

Quando finalmente a luz vermelha acendeu para os carros que ainda não existiam e a luz verde de pedestres sinalizou, atravessei calmamente até o meio-fio do outro lado.

Minhas pernas conduziam-me sem pressa.

O vento que batia nos meus cachos pretos exalava o cheiro do condicionador de maçã verde.

O meu vestido branco balançava para lá e para cá, ritmado com meus passos.

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