1 Miguel

Arrastei os pés pelo quarto, peguei o uniforme em cima da cadeira e me arrasrei com uma preguiça extrema, até me enfiar no banheiro. Não estava nenhum pouco animado para ir à escola, era Terça-feira, eu odeio segundas, terças, quartas e afins.

Evito o espelho, já sei sobre minhas olheiras enormes, sobre o meu cabelo mal cortado e em péssimo estado, porque diabos eu resolvi que deveria descolori-lo?

Voltei para o quarto pensando em me jogar na cama de novo, olhei as horas no celular, estava atrasado. Peguei a mochila e desci as escadas correndo, atrasado como sempre não dava tempo preparar nada, apenas enfiei a mão no armário e peguei um pacote de bolacha recheada. O caminho para a escola era curto, subi a rua rapidamente, acho que morar tão perto da escola é a minha sorte, chego e me misturo com o pessoal que acaba de descer de uma van, o motorista e o porteiro discutem sobre o horário e sobre pneu furado, entro na escola aos tropeços, corro para a sala, a professora me olha de cima a baixo, dou um sorriso amarelo, corro para o meu lugar e troco olhares com meus amigos, puxo o celular e mando uma mensagem no nosso grupo.

“O que aconteceu até agora” — Perguntei olhando a hora no celular, estava atrasado 20 minutos.

“Nada. Ela só explicou umas coisas da aula passada.” — Respondeu Alexandre

“Eu podia ter dormido mais.”

“Você deveria cuidar desse cabelo. Você lava ele com detergente?” — Perguntou Fani se virando para o lado disfarçadamente

“Não, mas também não vou ficar passando várias coisas nele.” — Disse, a vendo colocar um sorrisinho no canto da boca

“Conseguiu me deixar indignada antes das nove da manhã, parabéns. Deveria obrigar você a pintar esse cabelo.”

“Ei, doentes por cabelo, podemos falar de algo normal?” — Perguntou Mateus enquanto tentava disfarçar encarando o livro e a professora

Essa olhadinha dele delatou tudo, escondemos o celular o mais rápido possível, mas a professora está parada de braços cruzados, nos encarando.

— Vou ter que confiscar o celular de vocês?

— Mas professora estávamos fazendo uma pesquisa sobre história. — Marco solta, provocando — Sabe, sobre esse assunto muito importante.

— Vocês não estão na sala de pesquisa, e eu estou na sala, podem me perguntar. — Ela volta para o quadro, escrevendo na lousa sobre ditadura militar

Uma risada explode na sala, vejo Marco, Fani e Alexandre em um riso incontrolável. A professora olha revoltada e começa a ir em direção de Marco.

— O celular. — Ela estende a mão, Marco faz uma cara debochada, mas logo cede entregando o celular

Ela faz o mesmo com Fani e Alexandre, e então para na minha frente, estendendo a mão também. Respiro fundo e coloco o celular na mão dela, Mateus ri de mim, a professora guarda os celulares na caixinha em cima da mesa, a escola não proíbe os celulares, mas quando se tornaram um problema nas aulas, inventaram essa bendita caixa, os professores retiram os celulares e os guardam na caixa, deixando anotado em cima o nome dos donos, poucos são os professores que usam, mas o Marco sabe que a professora de história é bem chata com isso, é claro que ele deve ter mandado a mensagem de propósito. Quando o horário termina a professora faz questão de contar ao professor de redação sobre os celulares, e ele aproveita para deixar nossos celulares confiscado em suas aulas também.

As próximas aulas se seguiram normais, o turno da manhã acabou sem nenhuma confusão e meu celular ainda confiscado, já que a maioria dos professores acha que eu sou um perigo iminente. Mais ninguém nessa escola traz um celular ou mexe nele durante a aula, somente eu, ainda por cima a bateria estava baixa, vou terminar o dia com meu celular descarregado, resmungo.

O mais chato do horário integral, é o almoço, sempre a mesma comida e sempre Pedro enchendo meu saco. Pedro é o complemento perfeito dessa escola, rico, notas médias e adora uma confusão desordenada, acha que está acima dos outros, mas as vezes até que está, pois, a diretora o deixa passar sem punições várias vezes. Eu não posso reclamar muito da escola em si, estava em uma das melhores escolas da cidade, meus pais se esforçavam para me manter aqui, a Escola Metódica é conhecida por seu grande número de aprovações no Enem e só agora no terceiro ano, consegui dar conta que tinha que estudar, foi depois de uma bronca magistral de minha mãe, pela primeira vez ela não gritou, não se alterou, apenas disse estar desistindo de mim e que eu estava fazendo o esforço dela ir por lixo, eu chorei a noite toda, depois resolvi que tinha que ser alguém direto.

— Não é possível que esse ano ainda não acabou. — Resmungou Fani, enquanto consertava o cabelo azul — Eu estou afundando cada dia mais em português!

— Não diga isso, eu estou no fundo do poço em todas. — Resmunguei

— Olha lá Miguel. — Marco apontou para Luciana conversando com alguns rapazes da turma dela — Eu não deixava.

Apenas revirei os olhos. Não para Luciana, ela conversava com quem quiser, e sim para Marco, ele se esforçava para ser o típico adolescente antiquado chato, tentava enfiar na minha cabeça que eu era quase como dono de Luciana. Ela me vê e corre para me beijar, balançando seu cabelo loiro no rabo de cavalo, seu sorriso de orelha a orelha deixa seus olhos castanhos pequeninos, retribuo o beijo, e ela cumprimenta todos e nos lembra de não perder o jogo de vôlei dessa semana, Luciana se despede e se apressa para ir encontrar as outras meninas do time de vôlei. Nós estamos ficando a um tempo, o suficiente para que toda escola ache que temos algo sério, não posso mentir, realmente quero algo sério com ela.

— Nós vamos jogar futebol hoje? — Mateus pergunta — Depois da aula?

— Tenho reunião de noite. — Reclamo cansado

— Não terminaram esse projeto ainda?

— A professora quer que entendemos o que estamos fazendo… Mas o ponto é ninguém sabe ainda, mas vou aumentar minha média de matemática pelo menos uns quatro pontos.

— Pena que eu não consegui nada assim. — Fani resmunga

Estou prestes a falar alguma coisa, mas percebo as pessoas vindo na minha direção e passando por mim rapidamente, esbarram em mim, mas não me importo, pois, logo entendo qual é o foco das atenções. Não sei de qual sala Pedro saiu, mas ele agarrou um menino e o botou contra a parede, mesmo de longe dava para notar seu tom ameaçador, com uma mão o segurando pela camisa e apontando o dedo na cara dele.

— E lá vamos nós de novo. — Comentou Marco

— Aquele não é o Luís? — Fani cutucou Alexandre — O Luís, namorado da sua irmã?

— Ai meu Deus! — Ele tentou correr, mas não deu tempo

A garota pulou em cima das costas de Pedro, o derrubando no chão e começou a soca-lo compulsivamente. O que era aquilo? Era só a Ísis. Ela e Alexandre não eram irmãos de sangue, seus pais estavam junto a pouco tempo, mas só isso já bastava para que o zuassemos. Nós nos aproximamos da confusão, foram necessários dois professores para tira-la de cima dele.

— Eu não tava brincando, seu doente! — Ela gritou para Pedro — Eu vou te quebrar, seu merda!

Pedro a encarou rindo, eu conhecia aquele olhar, ele ia fazer uma merda extra, ele olhou para o celular de Ísis no chão e pisou em cima com toda a força que tinha, e repetiu aquilo umas duas vezes.

Ninguém falou nada, até Ísis parecia chocada, apenas grunhio de raiva, se soltou dos professores e começou a andar até a diretoria.

— O show acabou! — gritou um professor — Para a diretoria Pedro. — Nós começamos a nos afastar — Você também Miguel, para a diretoria.

— Mas o quê!? — Olhei em volta, meus amigos não entendiam o porquê também, chutei o ar e segui para lá

A sala da diretora ficava perto da porta de saída, era uma sala ampla, com uma janela enorme que conseguíamos ver a quadra, estantes, uma mesa, algumas cadeiras e na parede atrás da diretora, fotos de todas as turmas desde o começo da escola. A diretora nos encarou friamente quando terminamos de entrar na sala, nós ajeitamos nas cadeiras, eu me sentia indignado. Não tinha um motivo para estar ali.

— Vocês três tem me causado problemas de mais! — A diretora bateu na mesa, Sra. Meria já passa dos quarenta, seu cabelo loiro curto e uma cara carrancuda

— Ainda não entendi o porquê de estar aqui! — Comentei

— Claro que não sabe. — Disse em um tom irônico — Usar seu celular em sala de aula, é permitido agora. Fazer piadas durante a aula, a atrapalhando.

— Não fui só eu.

— Mas foi sobre você que os professores falaram.

— Mas… — A risadinha no canto da boca de Pedro me deixou nervoso, queria pular em cima dele

— Isso mesmo, ficar calado é o melhor. Pedro vá para enfermaria cuidar desses machucados no rosto, depois converso com você.

Ele se levantou rindo e antes de sair acenou para Ísis debochando dela, que em resposta lhe mostrou o dedo do meio.

— Mantenha os modos na minha sala por favor. — Advertiu — Me contem o porquê de serem assim, um único motivo. Ísis, você tem ótimas notas, mas todos te criticam pelo seu temperamento e pelo seu palavreado e você Miguel, nem notas você tem!

— Eu estou tentando mudar. — argumentei

— Você importuna todos os alunos que vê pela frente! Joga bolinha neles, tinta, tudo! — Ela colocou os óculos, eu queria dizer a ela que essa fase tinha passado, eu não era o babaca dos últimos anos, mas não adiantaria — O que vou fazer com vocês dois…

— Três! — Ísis disse — Não podemos esquecer do Pedro, ele vem importunado o Luís desde sempre e eu vou bater nele toda vez que eu o ver fazendo isso, já que a senhora não faz nada.

— Eu não tenho uma bicicleta! Faz anos que eu tive uma! Essa mentira não vai ficar assim não!

— Miguel e Ísis…

— Mas diretora! Aquele menino insuportável…

— Não joguem as responsabilidades de vocês em outras pessoas. Vocês dois são bolsistas, não quero que percam isso no meio do ano letivo… — Sra. Meria encarou alguns papéis pela mesa e logo nós olhou com frieza — Até o final do dia vocês terão uma punição adequada, podem ir.

Eu sabia que não teria uma punição, e isso era ótimo, sra. Meria estava dando um tempo de punir o Pedro e isso acabava nós incluindo, já que ela não podia punir apenas um dos lados da história, preferia passar o pano para tudo. Respirei fundo quando a porta se fechou atrás de mim. Ísis me encarou, ela devia estar xingando alguns palavrões mentalmente, mas logo abriu a boca.

— Eu quero matar o Pedro! Ele destruiu meu celular!

— Vamos almoçar…

— Você fez de novo, Ísis. — Luís se aproximou de nós e a repreendeu

Eu sabia que Luís não era o único cara que sofria com a perseguição de Pedro da escola, mas era o único que tinha uma namorada maluca, isso sempre despertou vários comentários maldosos, mas ninguém nunca viu nenhum dos dois se importar.

— Eu fiz o que prometi!

— O Pedro se safou de novo, não foi? — Ele deu um sorriso triste

— Ele sempre se salva! — Me intrometi — A diretora tem medo do dinheiro do pai dele.

— Ela puniu vocês?

— Não, só mandou o Pedro para enfermaria.

— Ótimo, vamos comer, pelo menos nesse fim de almoço, ele não vai nos encher.

O seguimos para o refeitório, a maioria dos alunos já comeu, meus amigos estão sentados me esperando na nossa mesa de costume, me despeço de Ísis, Luís e me junto aos meus amigos. O almoço e as aulas da tarde se passam chatas e arrastadas, no fim da tarde me despeço dos meus amigos, indo para a biblioteca, estou um pouco atrasado, encontro Ísis ao pé da escada. Subimos a escada, ela era longa e bonita, a porta da biblioteca está entreaberta, entramos e nós direcionamos a mesa em que a professora Cláudia está acompanhada por Janaína e Emanuel, alunos da turma da Ísis.

— Então… — A professora nós encara

— Desculpe o atraso. — Ísis fala

A professora não parece surpresa, nem Janaína e Emanuel, eu me jogo em uma cadeira e Ísis na outra, e então começa um debate sobre a organização do estande, o qual não estou nenhum pouco interessado, eu só preciso dos pontos extras, todos nessa mesa precisamos, tudo se passa lentamente até que a professora recebe uma ligação e nós pede licença, Emanuel me encara, parece curioso.

— O que vocês fizeram dessa vez?

— Eu, nada. — Digo sucinto e aponto para Ísis — Ela bateu no Pedro.

Ísis está encarando as mãos avermelhadas, alheia a conversa, a diretora nem ao menos pediu que ela fosse à enfermaria e nem ela mesma foi até agora.

— Pedro é insuportável. — Emanuel comenta — Eu vejo a marcação que ele faz com você, o Luís e um moleque do primeiro, já passou da hora dele ser expulso.

— Eu não acho tanto assim… — Janaína aparece na conversa

— O problema é que a diretora não vai fazer isso… Até que horas vamos ficar aqui? — Meu estômago ronca

A porta se abre e todos nós nos viramos para encarar quem entra. Davi. Ele é do terceiro C, parece ser legal, mas nunca o vejo pelos intervalos, somente quando aparece as vezes para jogar futebol na quadra da escola as sextas.

— O nosso último e atrasado integrante chegou. — Janaína ri

— É, o professor de biologia me segurou na sala.

Ele nos cumprimenta e se senta entre mim e Janaína, jogando o fone e o celular em cima da mesa, não há muito o que conversar, nenhum de nós é amigo ou algo do tipo, mesmo já tendo umas duas semanas que estamos trabalhando um com o outro, nada nos atrai, além de algumas fofocas de pessoas da escola, os minutos se passam em silêncio e sem a professora, até que o celular de Davi apita e ele mostra a mensagem da professora.

“Esperem um pouco mais, estou voltando em breve.”

Tenho que ir a pé para casa, mesmo sendo perigoso a noite, minha casa não é distante, mas, por outro lado tudo pode acontecer, sair mais cedo seria uma boa, percebo que todos pesam o mesmo que eu.

— Podemos rachar um Uber. — Diz Davi

— Não vai dar muito certo. — Falo — Estamos em cinco.

— E minha casa é uma completa contramão. — Diz Emanuel — Do outro lado da cidade.

— Talvez meu pai venha me buscar, ele pode deixar vocês em casa. — Sugere Janaína

Estamos no meio daquela discussão nada acalorada quando o celular de Davi vibra em cima da mesa, todos o encaramos quando ele olha e solta uma risada espalhafatosa, e me entrega o celular, é um e-mail da escola, ou melhor, de um e-mail chamado cobras_terceiroano, dou uma risadinha antes e uma maior ainda quando leio a mensagem. Esse pessoal não tem mesmo o que fazer.

“Como estão indo suas cobras?

Todo mundo sabe que o projeto de variedades está chegando, projetos de português, ciências, história… de tudo e é claro, o projeto independente do terceiro ano (aplausos por favor), esse ano vamos brincar de um jeito tecnológico e com seus segredos.

Esconda bem suas mentiras e segredos, pois até o dia do projeto todos serão expostos.”

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