Capítulo 1

Clico em publicar e fecho o notebook bem quando meu pai bate na porta e coloca a cabeça para dentro do quarto.

– Filha, tá pronta?

– Quase! – Eu digo, enfiando o notebook na mochila.

– Vou colocando as suas malas no carro. – Ele me dá um sorriso fraco enquanto arrasta o conjunto de malas roxas para fora.

            Fecho a mochila pesada e jogo-a por sobre os meus ombros. Antes de sair, paro na porta e observo o interior do meu quarto. Praticamente todos os meus itens pessoais foram embalados e encaixados nas malas junto com a maioria das minhas roupas e sapatos. Ainda bem que eu nunca fui uma pessoa acumuladora ou então essa mudança seria bem mais difícil, logisticamente falando.

Vejo o meu reflexo no espelho acima da cômoda e encontro olhos assustados e, ao mesmo tempo, cheios de expectativa. Uma lágrima desce por meu rosto. Nunca fiquei mais de quinze dias fora de casa, longe dos meus pais e irmãos. Não vai ser fácil começar uma vida nova em uma cidade diferente, mas saber que meus amigos estarão comigo me conforta e torna essa partida um pouco menos sofrida.

Será tudo completamente novo para Zula, Will e eu. Sair da nossa cidade tranquila na região dos Lagos, no Rio de Janeiro, e nos estabelecer bem no centro da eletrizante São Paulo vai ser uma loucura e tanto, mas chega uma hora em que deixar o ninho é necessário. E, bem, a nossa hora chegou. É uma aventura em que estamos nos jogando de cabeça e a queda-livre só está começando.

Enxugo os olhos e respiro fundo saindo do quarto e fechando a porta atrás de mim. Minha mãe prometeu que vai deixar tudo do mesmo jeitinho para quando eu vier visitar, mas eu duvido que minhas irmãs mais novas, Paloma e Samanta, vão permitir que ela cumpra a promessa. Elas só estão aguardando que eu saia de casa para transformar o meu quarto em closet, aposto. Já estou vendo as discussões homéricas que isso vai render, pois meu irmão mais velho, Junior, também deve estar sonhando em fazer do meu quarto o seu estúdio particular e depósito para os instrumentos da sua banda, Os Marrecos.

Chego na sala e minha família está toda reunida me esperando. As meninas correm para mim e me abraçam, chorando. Depois disso a cachoeira foi oficialmente aberta. Minha mãe se derrama nos braços do meu pai, que falha terrivelmente em disfarçar suas próprias lágrimas. Até Junior esfrega os olhos e cruza os braços no canto da sala.

– Hey, isso não é uma despedida. É só um até logo.

            Minha mãe soluça dramaticamente.

– Qual é, dona Elizabeth? Eu vou estar a apenas oito horas daqui de carro. Eu virei visitar vocês assim que puder. E vocês também podem ir lá conhecer a minha casa.  

– Sua casa é aqui, Morgana. – Minha mãe se aproxima de mim e abre os braços para que eu me aconchegue em seu abraço.

– É sim, mãe. Você está certa. Mas vocês sabem que eu preciso fazer isso. É uma proposta irrecusável, eu não sei quando e nem SE terei outra oportunidade como essa novamente.

– Eu sei, meu amor. Só que isso não torna mais fácil eu ver a minha filhinha saindo de casa. Eu sempre achei que seu irmão seria o primeiro, e não você.

– Ah, não se preocupe, mamãe. Se tem um de nós que vai ficar embaixo da sua asa pra sempre é o Juni.

            Meu irmão aperta os olhos enquanto anda na minha direção e, quando acho que ele vai rir, ele me abraça e me tira do chão. Eu não protesto como em todas as vezes em que ele faz isso. A verdade é que me sinto segura com ele. Vou sentir muita falta das suas implicâncias, mas principalmente da sua proteção. Ele me coloca no chão, mas antes de se afastar, fala ao meu ouvido.

– Você se cuide lá, tá entendendo? Não vai se colocar em perigo, porque eu não vou estar lá para te salvar. Mas se acontecer qualquer coisa e você precisar de mim, eu quero que me ligue e eu vou pegar o primeiro avião.

– Pode deixar. Eu também te amo. Diz pra Ana que eu deixei um beijo.

            Ele assente e me dá um beijo na testa, depois sai de casa com as mãos nos bolsos. Eu enxugo os olhos novamente e me viro para abraçar as minhas caçulas.

– Vocês duas me prometam que não vão enlouquecer a mamãe com briguinhas bobas.

– Se ela não cismar de usar as minhas roupas sem pedir, eu prometo. – Diz Paloma, provocando.

– E se ela não pegar o meu gloss labial favorito e acabar com ele, eu também prometo. – Diz Samanta, dando língua.

– Vocês têm 5 anos ou o que? Nem parecem adolescentes. – As duas abaixam a cabeça, envergonhadas. – Comportem-se e eu levo vocês para fazer compras na 25 de Março quando entrarem de férias. E, quem sabe, na Oscar Freire também.

            Os dois pares de olhinhos azuis chegaram a brilhar. Elas me deram mais um abraço apertado e um beijo sanduíche nas bochechas. Mamãe se aproxima de mim e pergunta baixinho.

– Se o Victor aparecer aqui, o que eu digo?

– Diz que eu morri!

            Ela faz uma expressão de espanto e dá três soquinhos no rack de madeira.

– Que horror, filha! Isola! Não fala besteira.

– Ok, então diz que eu fui pra onde Judas perdeu as botas, onde o vento faz a curva ou que eu caí no abismo do fim do mundo. Não me admira se ele acreditar no terraplanismo.

– Tá bem. Eu digo que não é da conta dele pra onde você foi.

– Isso. Está ótimo.   

– Filha, vê se come direito. – Ela pega minhas mãos em tom de súplica. – É importante fazer compras regulares.

– Mãe, você não precisa se preocupar com isso. Não é como se fosse possível eu morrer desnutrida, tem bastante reserva aqui pra ser queimada. E a alimentação será uma das minhas responsabilidades na casa, já que sou a única que cozinho bem, então Zula e Will não vão sair do meu pé no quesito refeições.

– Mas eu estou falando de comida descente, e não ficar vivendo de fritura. Você precisa cuidar do colesterol. 

– Ta bem.

– Também não invente de fazer aquelas dietas mirabolantes e ficar desmaiando por aí.

– Isso faz anos! – Eu digo indignada, pois há muito tempo eu parei de fazer jejum para emagrecer.

– E nem fazer aqueles pratos cheios de queijo e creme de leite. Você precisa de uma alimentação saudável e balanceada.

            Ela não para de falar...

– Uhum, eu sei.

– Sem “uhum”. Eu vou checar com o William e a Zuleika se você está seguindo a receita da nutricionista e tomando seus remédios.

– Mãe, eu tenho vinte e seis anos, eu não preciso de babá.

– E nem venha me dizer que não terá tempo de fazer os exercícios que seu médico recomendou, pois você vai morar em frente a um parque. – Definitivamente ela não me escuta. – Não é porque você vai estar longe dos meus olhos que vou te deixar esquecer de se cuidar!

– A senhora terá que confiar em mim, mamãe!

– Eu confio, mas você é o meu bebê. – Ela me aperta nos seus braços. — Vai me avisar tudo? Todas as vezes que sair de casa, quando chegar no trabalho, quando voltar pra casa, se for para outros lugares...

– Eu prometo que vou tentar, mãe. Mas você não pode ficar brava ou preocupada se eu esquecer. Você tem as meninas para se ocupar, e o Juni, e o papai. Você nem vai se lembrar de mim.

– Não me enrola, mocinha. Pelo menos promete que não vai esquecer a sua mãe e vai me dar notícias sempre que puder. 

– Claro, mãe. Eu te amo.

– Eu também te amo. – Ela não para de me apertar.

– Amor, ela tem horas de viagem pela frente. – Meu pai tenta convencer minha mãe a me soltar.

– Eu não gosto nada dessa ideia de vocês irem dirigindo.

– É necessário, mãe. Sairia muito caro alugar um caminhão de mudança e tudo o que estamos levando cabe perfeitamente na Picape.

– Vamos, Beth, solte a menina. Você não vai querer que ela dirija à noite.

– Você tem razão, eu não quero. Mas é a nossa garotinha que está indo embora, Paulo. – Ela choraminga.

            Suas palavras parecem fazer com que a ficha dele finalmente caia e seus olhos voltam a ficar marejados. Papai se aproxima e nos abraça. Eu estou um pouco sufocada, mas não ouso me mexer. Eu preciso de todo esse amor para levar guardado comigo e aplacar um pouco da saudade que já estou sentindo.      

            Nosso abraço desajeitado se desfaz aos poucos e eu seco os olhos de minha mãe.

– Nós vamos nos falar sempre. – Eu forço um sorriso.

– Está bem. Eu vou contar com isso.

– Fiquem bem.

– Ah. – Eu paro no caminho do carro e me viro pra ela. – Arrasa naquele emprego, filha.

– Eu vou.

            Respiro fundo, pois não aguento mais chorar. Entro no carro que está abarrotado com as minhas malas e olho mais uma vez para a minha família acenando do portão. Registro essa imagem na minha mente e pela primeira vez me sinto pronta para dar início a essa nova jornada.

                                                                  @@@

            Buzino sem parar em frente à casa de Zula, mas nada dela aparecer.

– Will, sobe lá e traz ela por aqueles cabelos coloridos, pelo amor de Deus.

– Não vai ser necessário! – Ela pula na frente do carro batendo no capô. – Vovó não me deixou sair de casa sem uma marmita de lanches pra gente devorar no caminho.

– Viva a vovó Lena! – Eu e Will gritamos ao mesmo tempo. – Está perdoada. – Eu digo enquanto ela joga a mala dela na traseira da Picape.    

– Essa é a sua única mala? – Will a pergunta, verbalizando a minha dúvida também.

– Sim. Eu não tenho muita coisa pra levar comigo. Vocês sabem que eu sou desapegada. Além do mais, quero renovar todo o meu guarda-roupa quando chegarmos lá. Em São Paulo tem uns brechós incríveis!

            Ela entra no carro e joga os braços ao redor do meu pescoço, depois puxa Will pelos ombros e o junta a nós, me esmagando entre eles em um abraço desengonçado.

– Eu estou tão animada!   

– Estou vendo. – Eu digo, quase sem ar.

– Vai ser tão divertido morar com vocês.

            Ela finalmente nos solta e se ajeita no banco.

– Ei, porque estão com essas caras de enterro?

– Minha mãe fez um drama enorme e eu fui contagiada. – Eu confesso.

– Minha despedida da Luciana não foi nada como eu esperava. Ela não parou de chorar e agora a imagem que estou levando de recordação é o rosto dela inchado, vermelho e coberto de lágrimas. Esse negócio de relacionamento à distância vai ser muito difícil. – Diz Will, cabisbaixo.

– Ah gente, vamos melhorar esse astral! Eu também vivi a vida inteira sob os cuidados da minha avó e meu pai chorou igual uma criança ao me ver sair pela porta, mas eu não estou me deixando abater. Nós estamos correndo atrás dos nossos sonhos e as pessoas que nos amam estarão sempre nos apoiando. É o momento de construir o nosso futuro. It´s the time of our lives[1]! Uhul!

            Ela liga o som e conecta um pen drive no painel. Logo o carro é preenchido pela batida de Pitbull e Ne-Yo e não demora para darmos partida cantando a plenos pulmões. A estrada pode ser sinuosa, cheia de curvas e obstáculos, mas quando estamos com amigos de verdade o caminho é o de menos, o que realmente importa é que estamos nessa juntos.

[1] É o momento das nossas vidas!

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