Capítulo 3

Hoje o dia começou muito complicado. O senhor Edson, pai de Marcelo e nosso chefe, está no escritório. Ele chegou cedo e não houve nenhum contratempo até ele descobrir que Marcelo não deu as caras. Logo hoje, véspera da viagem. O Sr. Moreira está no meu pé desde a hora do almoço para que eu localize o filho, porém ele não atende ao telefone. Já enviei inúmeras mensagens no WhatsApp, SMS, e-mails e nada de Marcelo.

Confesso que estou um pouco preocupada. Marcelo vive em noitadas e até onde eu sei tinha compromisso marcado com uma fulaninha na noite passada, sobre a qual não sei nada. Também não é meu dever saber.

 Puxo uma mecha dos meus cachos, preso no arrumado coque, e fico enrolando-a sem parar entre os dedos. Marcelo sempre arruma um jeito de tornar as coisas mais difíceis no meu trabalho.

— Você já o localizou? — pergunta Sr. Moreira no meio da tarde.

 Eu o olho com preocupação.

— Não, ainda não — respondo transmitindo uma falsa tranquilidade

— A cada dia ele está mais irresponsável! — exclama insatisfeito. — É com atitudes como essa que ele pensa em assumir a direção da Umfreella? Não é o que imaginei para essa empresa. Eu precisei reformulá-la para reerguê-la e tirá-la da lama que a antiga direção colocou... — Ele olha para mim e decide parar de dar explicações. Que bom, não é como se eu não soubesse toda essa história. — Você não precisa continuar a procurá-lo. Já está quase no fim do expediente, apenas verifique se está tudo certo para a viagem.

— Sim, farei isso. Eu fiz alguns ajustes... — Não tive tempo de acabar de falar. Marcelo adentra a sala com o seu olhar perdido e encara o pai, gerando um clima de tensão.

Bem, ele está arrumado e não com a roupa do dia anterior, seria um ponto positivo se ele não tivesse vacilado tanto.

— Na minha sala, agora — exige o Sr. Moreira.

Marcelo nada diz, apenas acompanha o pai até a sala dele. Vários funcionários se amontoam no corredor para olhá-los. Alguns me lançam olhares curiosos, mas apenas Larissa tem a cara de pau de vir até minha mesa perguntar:

— Ei, Ana Luísa, você sabe o que está acontecendo? Por que somente agora o Marcelo apareceu? Parece que o seu Edson não está para brincadeira. Marcelo não consegue agradar o pai em nada, tão diferente do Felipe... — Larissa balança a cabeça indignada com as atitudes do chefe. — Escreva o que estou te dizendo: Felipe será o diretor da Umfreella. Escreva! — Eu nada comento sobre suas observações, apenas permaneço em silêncio verificando minha check-list do tablet. — Você está ouvindo o que eu digo? — Larissa coloca uma das patas de galinha, mais conhecidas como suas mãos, em cima do meu tablet para chamar minha atenção.

— Não. E não estou aqui para ser sua informante ou ficar com especulações e fofocas. Volte para o seu trabalho, ou pelo menos deixe que eu acabe o meu.

— Você esqueceu qual é o meu cargo aqui, querida? — questiona ela com a voz anasalada.

— Na verdade, não. Mas parece que você não o exerce, só o de fofoqueira. — Lógico que eu lembro que ela é Chefe do Departamento de RH. Mas foda-se! A vaca teria que ter uma desculpa muito boa para me mandar para a rua.

— Deixa as coisas mudarem por aqui e você será a primeira a ir para o olho da rua — ela me ameaça com a voz baixa para que somente eu a escute.

 Sem temer suas ameaças eu a encaro com um sorriso que a desarma na hora. Larissa bufa raivosa ao dar as costas e ir embora, dando-me um pouco de paz.

Ao fim do meu horário de trabalho, nada do senhor Moreira pai ou o senhor Moreira filho aparecerem para dizer se precisariam de algo mais.

Decido esperar por mais alguns minutos e é quando Marcelo sai. Ele parece um furacão ao passar direto sem me dizer nada. O Sr. Moreira vem logo em seguida e após uma rápida conversa, me libera para que eu vá para casa.

***

Não sei o que está acontecendo comigo, devo estar com TPM.

Marcelo passar por mim como se não me visse mexeu comigo. Nós somos parceiros no trabalho, sempre era eu quem ele procurava para falar dos problemas com o pai, das broncas, reclamar e, principalmente, rir. Ele nunca leva nada a sério quando se trata do pai, pelo menos é o que eu acho.

Ao invés de ir para casa, decido ir até a avenida Presidente Vargas e pegar o ônibus para a casa da minha mãe. Estava lotado, mas era rápido e era disso que eu precisava.

O portão branco de ferro, de aparência frágil, foi a primeira coisa que avistei e logo ao lado a plaquinha com o número 1078. Eu amo vir em Marechal. Essa é a terceira casa em que morei na infância. Morei em Rocha Miranda, Guadalupe e Marechal Hermes, sendo esse último o lugar escolhido. Depois de algumas mudanças desagradáveis, finalmente minha mãe e meu padrasto encontraram um lugar para nos criar.

Se você não conhece o Rio de Janeiro, então, talvez não conheça Marechal Hermes, não aparece muito na televisão. É um bairro do subúrbio que conserva várias casinhas resistentes à modernidade, ainda no estilo colonial. Possui a melhor batata-frita do mundo, o melhor carnaval de rua repleto de bate-bolas; amo tudo nesse lugar, tenho amigos de verdade aqui.

 Pego a minha chave e logo estou no corredor. Ao me ver, minha mãe vem ao meu encontro e me abraça tão forte que acho que vou perder todo o ar. Amo essa mulher.

— Por que não me avisou que vinha? Você andando sozinha a essa hora é perigoso!

— Mãe, ainda são sete da noite. Que exagero! Eu decidi de última hora, queria muito ver vocês. Adriana está por aí?

— Você deu sorte, sua irmã não está de plantão hoje. Ela chegou de tardinha, dormiu e agora está jantando. Seu padrasto também está. — Sua última frase soa um pouco ansiosa, não tenho o melhor relacionamento do mundo com o meu padrasto. Mas isso é uma longa história.

Minha mãe não mudou praticamente nada na casa desde que me mudei; os mesmos bibelôs, os mesmos paninhos e eu gosto muito dessa fixação por tudo no lugar. Acho que puxei isso dela.

Vou até a cozinha, onde minha mãe disse que Adriana está e me preparo para encontrar meu padrasto.

— Oi, Carlos — cumprimento-o, ele balança a cabeça e me responde com um “oi”.

Minha irmã aparece e abre um sorriso enorme ao me ver. Ela corre e me abraça, mas logo se afasta e pergunta o que houve.

— Ei, nada. Eu só estou com saudades de vocês. E também quero muito falar com você, Drica.

Adriana, minha irmã, é linda. Possui um corpo perfeito, sua pele é de alguns tons mais claros que a minha. Seus cabelos crespos têm um volume lindo, o castanho dos olhos dela traz paz. Ela é um orgulho para mim.

— Depois vocês conversam! Por enquanto você vai ficar com sua mãe um pouco. Quando vocês começam a falar, não param e pelos olhares aí já sei que não vão me incluir nessa conversa.

Eu dou um sorriso sem jeito. Como dizer para minha mãe que agora acredito em signos? Ou melhor, como falar sobre meus problemas com meu chefe? Ela, com certeza, brigaria por eu estar levando “trabalho” para casa. Durante quatro horas seguidas, permaneço conversando com minha mãe, até que um filme que começa a ser exibido na TV parece ser mais interessante. Adriana e eu decidimos ir, então, até seu quarto.

— Ok. O que está acontecendo? — pergunta Adriana, impacientemente.

Fecho a porta atrás de nós e sento ao lado dela na cama.

— É meu chefe. Hoje ele chegou no fim do expediente e parece que teve uma discussão com o pai dele.

— Eu estava esperando que você falasse sobre algo, sei lá, pessoal. Você quer conversar sobre o seu chefe rico que chega atrasado na empresa da família dele?

— É que ele estava muito estranho hoje. Geralmente ele se abre para mim, sabe? Você sabe! Ele conta as coisas, desabafa, mas hoje ele apenas foi embora. Eu não sei o que está rolando. Pensei que você, a cientista que acredita em signos, saberia me informar — digo com um sorriso irônico.

Nunca irei entender como minha irmã, uma doutora em Medicina, acredita nessas besteiras, no entanto aqui estou eu querendo saber mais sobre signos, não é?

— Seu chefe é do signo mais odiado do zodíaco, não tente entendê-lo. Acredite, nem ele próprio se entende — explica Adriana como se aquele assunto fosse a coisa mais simples do mundo. Eu sou a secretária dele, eu tenho que entendê-lo.

— Aquele lance do dia a dia que você mandou da outra vez, deu certinho. Você poderia me mandar todo dia as informações? — peço para ela.

— Você pode se cadastrar em um site online, tem alguns que enviam atualizações direto para o celular. Eu tenho meu emprego, minha vida, não poderei mandar sempre.

— Você é uma chata. O meu trabalho está em risco. Hoje a irritante do RH disse com todas as letras que assim que as coisas mudarem por lá serei a primeira a ir para o olho da rua.

— Que vaca! — exclama ela.

— Você não sabe o quanto! Eu preciso preservar o meu emprego. Falta pouco para que eu consiga dinheiro suficiente para abrir o negócio que sonhei e ainda ter um bom capital de giro. Só mais um ano e ficarei bem.

— Espero que sim! Já não aguento mais ver o quanto você se mata fora do seu horário de trabalho. Olha só o quanto você está preocupada com o seu chefe à toa. Isso não é bom para você.

— Diz a médica que atende o bairro inteiro, independentemente, da hora e local.

— Minha formação é em prol de uma medicina social e, além de tudo, eu fiz um juramento...

— Eu também fiz um juramento — rechaço. — A promessa de que em qualquer lugar que trabalhasse daria o meu melhor e é isso o que eu faço, mesmo que seja preciso fazer uns trabalhos extras de vez em quando. Além disso, meu chefe me remunera bem por isso, então está tudo certo.

Adriana ri.

— Então quer dizer que você agora acredita em previsões e horóscopos? — pergunta ela com uma das sobrancelhas levantadas.

— Não sei se acredito, mas se isso for capaz de me segurar um tempo no trabalho e me fazer compreender melhor o meu chefe.  Aprenderei tudo sobre isso.

***

Já passava das duas e meia da manhã quando o meu celular tocou. Eu estava com ele na mão, conversando no Whatsapp e atendi logo no primeiro toque ao ver a foto de Marcelo.

— Nalu? — pergunta do outro lado. Por breves segundos, meu coração se acalma, para logo acelerar de novo. O que ele quer a essa hora?

— Oi. Aconteceu alguma coisa? — questiono sem pensar muito no fato de que não estou mais no horário de trabalho.

— Eu... é, nada. Deixa. Você estava dormindo, não é? Eu não devia estar te incomodando.

— Se você estivesse incomodando eu nem teria atendido o celular e, tampouco, tão rapidamente. Fala logo, Marcelo, porque você ligou?

 — Ontem eu vacilei muito, perdi a hora completamente. Não deu nem para te chamar dessa vez de tão enrascado que fiquei, mas o ruim é que agora meu pai tem certeza de que eu não sou o cara que deve assumir a empresa.

— Tenho certeza de que o fará mudar de ideia com os seus ótimos projetos e o bom trabalho que continuará fazendo.

— Não é tão fácil... — Marcelo diz em um suspiro.

— Você vacilou mesmo — afirmo. Como ele pôde perder a hora? Estava tão bom assim? — Seu pai tem um pouco de razão em pensar assim.

— Ele me tirou quatro projetos enormes e colocou nas mãos do... Felipe. Felipe quer tirar todos os projetos sociais da empresa, todos os benefícios que eu conquistei junto aos demais funcionários. Ele está ganhando e eu perdendo o legado da empresa da minha família! E meu pai só tem olhos para Felipe! — Mesmo do outro lado da linha é possível sentir toda a revolta que Marcelo está sentindo com essa situação. A respiração pesada denuncia sua frustração. Que vontade de matá-lo. Marcelo se autossabota sempre que pode.

—Você tem que parar com isso, entende? Precisa deixar de ser um rebelde sem causa.

— Ana Luísa, cara, você parece o meu pai falando. Eu não preciso de mais críticas. Na verdade, eu nem sei por que eu liguei para você. Devo estar no fundo do poço mesmo. Boa noite!

Antes que eu possa dizer qualquer outra coisa, Marcelo encerra a ligação sem dizer qualquer outra coisa. Idiota! Muito idiota. Completamente idiota!

Levanto da minha cama e vou até Adriana. Sacudo-a sem parar. Ela me olha sonolenta entre mechas do cabelo que cobrem o seu rosto.

— Amanhã você vai me explicar direitinho tudo sobre signos e como faço para não matar um chefe louco que é geminiano.

— Bem-vinda ao mundo dos signos e horóscopos, já aprendeu a melhor lição de todas: geminianos são loucos.

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