Nuvem Radioativa
Nuvem Radioativa
Por: Isabelle Santos
Prólogo

Esse mês o acidente Nuclear de Chernobyl completou 30 anos.

30 anos desde que abandonei meu lar, 30 anos desde que o pior dia da terra aconteceu.

Há 30 anos atrás, eu não sabia que me encontraria nessa situação assustadora um dia. Andando pelas ruas da minha cidade completamente abandonada, radioativa e tomada por vegetação, sendo seguida por um grupo de turistas americanos e suas câmeras fotográficas.

Ando pelos lugares e não os reconheço, e nos que reconheço sinto uma pontada no coração. Posso ver meus filhos correndo e brincando, minha família, meus amigos. Todos felizes naquele lugar que agora é envenenado e abandonado, marcado pela dor e polvilhado de placas de PERIGO.

O clima é tenso. Os turistas comentam que sentem uma vibração ruim no lugar, nossa guia explica os locais que visitamos. Alguém comenta que pode sentir a radiação no ar e que tem medo de passar mal, outro fala sobre a possibilidade de esbarrar em um animal monstro deformado pela radiação, embora nossa guia garanta de que isso é improvável e de que a viagem por qual pagamos é segura.

Em contrapartida, todos nós já vimos fotos de animais mutantes na internet, e o pior, pessoas afetadas. Eu vi pessoalmente.

Mas o que fazer? Voltar correndo para a Van e dizer que desiste do tour?

Se fomos loucos de entrar em Chernobyl, teremos que ser loucos para ir até o fim.

Seja por loucura, coragem, curiosidade, ou no meu caso, autoterapia duvidosa; agora nós estamos na cidade-palco do maior desastre nuclear da história. Um lugar que já foi considerado o mais perigoso da terra.

Eu sou Tamara Ivanov, estava em Pripyat em 26 de Abril de 1986, dia do acidente Nuclear de Chernobyl. Minha casa foi a coisa menos valiosa que tive que deixar para trás, e mesmo 30 anos depois eu ainda me sinto radioativa, marcada. Enfrentar a cidade fantasma de Chernobyl de perto foi uma das formas que achei de tentar conviver com o que aconteceu comigo e com minha família.

Para mim, esquecer não deu certo. Por isso resolvi tentar aceitar.

Mas as pessoas vão esquecer.

Daqui há milhares de anos, caso o ser humano ainda não tenha se destruído por completo, o governo, ou seja lá o que vai controlar a vida das pessoas nessa época, irá considerar Chernobyl habitável. E as pessoas virão, porque a humanidade é assim. Se esquecerão das mortes, do sofrimento, dos bombeiros enterrados em caixões de chumbo e cobertos por cimento; e tudo estará bem. Afinal, não haverão mais pessoas como eu vivas e o acidente será apenas um registro na história mundial, provavelmente pequeno e apagado se comparado com os outros que ainda virão.

A verdade é que vai acontecer de novo. Eu não sei onde e nem quando, mas vai acontecer, pois os humanos vão continuar brincando com o que não podem controlar. Continuarão tentando manipular coisas maiores e mais poderosas do que eles, mexendo com a natureza, buscando riquezas e destruindo vidas de pessoas como eu.

Outros acidentes.

Outros desastres.

Outras mortes.

Continuará acontecendo enquanto a humanidade estiver sobre essa terra, e o que nos resta é torcer para que desastres como o de Chernobyl não aconteçam com nossas futuras gerações.

Eu acho que Chernobyl foi amaldiçoada desde sua fundação.

E quem a amaldiçoou foi a própria humanidade.

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