Capítulo 04

                                                               •Isabela•

—Santo Deus o que é isso? —Olívia finge ter se assustado quando me sentei para tomar café da manhã.

—Não dormiu bem a noite? —Ellie pergunta preocupada. Espirrei antes de responder. 

Meu corpo havia finalmente cedido.

—Peguei chuva dois dias seguidos, voltei pra casa encharcada. —Omito a cena ridícula de ontem. Passei a noite frustrada, não só com a garganta arranhando e a dor de cabeça que não me deixaram dormir direito, mas pelo fim de um livro que nunca vou saber. 

 Será que mais alguém no mundo tem alguma noção do que é passar por isso? 

—Não está se sentindo bem? Pode ficar em casa se quiser. —Ellie coloca a mão em minha testa.

—Não é pra tanto, vou ficar bem. —Pego uma fatia de pão, seguido de uma xícara de café quente, que desceu castigando as paredes da minha garganta. A sensação era a de estar engolindo espinhos e pregos acompanhados de soda cáustica.

—Para onde você foi ontem? —Ellie indaga, ainda me analisando preocupada, provavelmente por conta das caretas ao tentar engolir alguma coisa. 

—Fui conhecer a catedral de Notre-Dame, o "Lé Coffé" e aproveitar para terminar o livro.

—Você foi lá? —Perguntou surpresa. —E o que achou? Foi bem atendida?

—Sim, mas constantemente cheio, acabei não conseguindo comer lá. —Olívia e eu nos olhamos, notando o recente desconforto dela.

—Sim, lá é sempre bem cheio! —Diz tomando um gole de seu café. Como se tentasse disfarçar. 

—Você costuma ir lá? —Olívia indaga curiosa. Tão ligeira quanto eu. 

—Eu ia, não tenho mais tempo e é contra mão! —Explica afobada.

—Entendi! —Respondemos juntas e mais uma vez nos entreolhamos.

—O que você acha? —Olívia questionou assim que Ellie saiu com o carro da garagem. 

—Tenho várias teorias, vou até lá e tento descobrir algo. Ellie tem várias parcerias com empresas fornecedoras, eles podem ser um em potencial. —Minha irmã assentiu com sua expressão de desconfiada, como eu disse, somos cão e gato, mas idênticas e sempre sincronizadas. 

—Ou um que ela já teve problemas. —Sugeriu. 

—Boa! 

***

Me encontro com Anne e Vienna na troca de aula, que me lembram ansiosas da tarde de cinema.

—Vamos passar na conveniência antes de irmos para casa da Vih, comprar algumas besteiras. —Anne diz enquanto guarda suas coisas.

—Legal. —Espirro pela terceira vez em menos de um minuto.

—Toma, você vai se sentir melhor. —Vienna me entrega um pote de comprimidos. —É para resfriado. — Explica sem uma pergunta. Ela realmente era bem precavida, deve ter sofrido tanto quanto eu com a mudança climática. 

—Obrigada. —Iria tomar um assim que avistasse o bebedouro mais próximo. 

—Hoje é a primeira aula de educação física, os meninos irão fazer o teste para o time principal. —Vienna comentou quando começamos a andar em direção aos vestiários.

—O Theo comentou, está ansioso já que só são dois goleiros disputando esse ano. —Anne completa. 

—Podem ir na frente. —Apontei com a cabeça para o bebedouro no fim de um corredor paralelo, mais uma vez alheia a conversa delas.

Elas saíram andando e eu fui para a direção oposta, tomei o remédio seguido de um pouco de água que desceu com dificuldade por conta da minha garganta, dando indícios de que iria piorar ainda mais. 

O corredor que eu estava, ficou completamente vazio, diria também silencioso, se uma música não estivesse vindo de uma das salas. Curiosa, segui a mesma e encontrei não muito longe de mim, um estúdio de dança, onde uma única aluna treinava lindamente. 

Um filme se passou pela minha cabeça. 

Ao vir pra cá, decidi que todos os meus anos na dança seriam deixados de lado. Vê-la dançar sozinha me fez relembrar do antigo estúdio de ballet da Madame Blancket, onde eu passava a maior parte do meu tempo sozinha. 

Odiava dançar com outras pessoas, eu não queria destaque, só queria me ocupar. Fugir, para ser mais exata. Odiava muito mais, ser guiada por regras e coreografias, embora o estudo da dança também fizesse parte da minha formação técnica. Eu gostava mesmo era de sentir a música, como a garota parecia estar fazendo naquele momento. 

Seu cabelo ruivo vai até a cintura, e sua pele parecia uma porcelana de tão branca. Infelizmente não pude admirar por muito tempo, pois o sinal tocou e ela logo se ajeitou para desligar o som, notando minha presença do outro lado da porta. 

Ela sorriu simpática, retribuí envergonhada e voltei andar em direção aos vestiários. Logo me encontrei com as meninas, que reservaram um dos uniformes pra mim, me troquei a tempo da treinadora chegar. 

—Bom dia meninas, antes de começarmos, vou entregar a requisição dos exames médicos desse ano. —Uma mulher beirando os trinta anos falou alto para atrair a atenção de todas. —Meu nome é Kyle, serei a treinadora de vocês, mês que vem iremos montar os times de Vôlei, Handebol e Futebol feminino, então quem quiser participar dos testes é só colocar o nome na lista que se encontra no painel de inscrições. —Completa entregando todos os papeis, uma a uma.

A mesma ruiva de antes entrou pedindo desculpas pelo atraso, após receber um olhar reprovador da treinadora. 

—Todas na quadra em cinco minutos! — Diz deixando o vestiário.

Fechei meu armário com Vienna ao meu lado, apertei o rabo de cavalo no alto da cabeça e termino de amarrar meus tênis.

—Quem é ela? —Perguntei baixo, apontando com a cabeça para a ruiva, Vienna procurou com o olhar antes de me responder com pesar.

—Aléxia Still. Sobrinha da treinadora Kyle, e um fenômeno do Ballet, ganhou todos os campeonatos regionais e estaduais, mas regrediu desde que perdeu a antiga professora. Ela não se apresenta mais, nem se enturma também. Passa a maior parte do tempo no estúdio treinando, só sai de lá para assistir aula. —Vienna evitou olhar para ela enquanto falava, já eu, observei seus traços de longe.

Parecia uma boneca de tão linda. Contudo, isso não me impediu de reparar na entonação magoada com que Vienna me falou sobre ela.

—Ela também é ex-namorada do Jony, andava com a gente antes da briga com o Ethan, mas depois... acabou se excluindo, preferiu ficar do lado do Jony. —Anne pareceu chateada ao relatar a história também.

 Confesso que fiquei curiosa.

Falando em Jony, ainda não estava frequentando as aulas. 

—E vocês, ficaram do lado de quem? 

—Do Ethan é claro. —Anne respondeu prontamente. 

—Eles são muito próximos. —Vienna se referiu a amiga. —Mas no final, todos nós ficamos do lado do Ethan, ou melhor dizendo, a escola inteira, até os que não sabem o motivo. 

—E quem escolheu o Jony, como ela, acabou sendo excluída de tudo, hoje em dia os dois nem chegam perto um do outro, mas mesmo assim ela não voltou atrás.  —Assenti completamente horrorizada. 

Aléxia pareceu sentir que falávamos dela, pois juntou suas coisas rapidamente antes de sair, mas ainda me olhou brevemente, sorrindo tão fraco que eu pude jurar ser um cumprimento. Ou um pedido de ajuda. 

—É bom não se misturar, essa briga dos dois ainda vai longe, e para todos os efeitos, torça para o time que está ganhando, não vai querer o Ethan vasculhando sua vida. —Anne pareceu querer me alertar. 

—Não compro briga de ninguém, e não tenho medo da razão. Não tenho nada contra nenhum dos dois, mas pra isso acontecer basta me ameaçar, esse Ethan não vai querer vasculhar nada que me diz respeito, nem eu tenho coragem de fazer isso! —Fui mais grossa do que gostaria. Talvez por apenas cogitar a ideia de ter alguém vasculhando minha vida.

—É claro que ele não vai fazer nada contra você, está com a gente agora. 

—Anne. —A interrompi. —Não preciso que me defendam, se ele tiver algo contra mim, é a mim que vai ter que peitar, não recebo ordens, nem devo respeito a quem não conheço. Sinceramente, ele pode até ser amigo de vocês, mas eu estou cada vez menos disposta a conhece-lo. —Elas sorriram satisfeitas com minha resposta. 

Por isso gosto cada vez mais delas, sem frescuras, sem mimimi. Aceitam minha opinião e acolhem o que tenho para oferecer mesmo assim. 

Já desse Ethan, estava lutando para não formar uma opinião baseada em relatos de terceiros, não costumo julgar uma pessoa sem antes conhece-la, mas interesse também, confesso que não tenho nenhum.

Principalmente pelas repetidas vezes que ouvi sobre sua mania de controle e possessividade.

Não costumo cultivar amizades tóxicas. 

                                                         •Ethan•

—Estou falando cara. Ela jogou o café encima de mim e eu fiquei tipo, acho que agora não dá mais pra pedir o número dela. —Termino rindo enquanto Noah e Dave riam até cair lágrimas. Estou contando o que aconteceu comigo na tarde de ontem, uma das situações mais aleatórias que já vivi na vida.

 Só não foi pior porque a garota era simplesmente linda pra caralho.

Ela parecia a porra de um anjo! 

Uma beleza completamente fora do comum, marcante e angelical. Daquelas que passam pela gente e deixam até o cheiro gravado.

Como eu posso me lembrar até do seu cheiro?

Na verdade, eu não conseguia parar de pensar nela, desde que me deixou plantado no meio daquela praça maldita, banhado a café. Eu sinceramente, cogitei estar de frente para um anjo. Um anjo da pele dourada, macia e reluzente. 

Nunca me pareceu tão certo chamar alguém de minha. Eu estava mais do que convencido, de que aquele anjo seria meu, ainda naquela noite! 

Dane-se Mia Foster, eu queria ela! 

O anjo dos olhos verdes e cabelos castanhos, ondulados até o meio das costas. A boca carnuda tinha um formato de um coração, enquanto ela comprimia os lábios, lábios esses que estavam pálidos e trêmulos, devido ao frio. As maçãs do seu rosto por outro lado, tinham o mais puro pigmento avermelhado de um rubor verdadeiro. Por mais que fosse de raiva.

—Estão rindo do que? —Theo entrou no vestiário indo direto para o seu armário. 

—Ele ainda está falando da doida de ontem. —Dave responde e imediatamente Theo riu, lembrando-se da história que contei mais cedo. 

—Sai dessa Ethan, você mesmo falou que ela te livrou do encontro com a Mia Foster. —Theo pega seu uniforme e entra em uma cabine.

—Eu não sei porquê você não queria sair com ela, é até bonitinha. —Dave rebate.

—Bonitinha, mas a Anne disse que ela levou os pais dela pra conhecer um cara que pegou na balada. Eu não preciso de mais uma Samanta na minha vida. —Sinto um arrepio subir pela coluna só de lembrar, mas calma, é aqueles arrepios que dá quando você está prestes a tomar dipirona! 

—Será que é verdade isso ou a Anne estava tentando proteger a Mia? Igual estão fazendo com a Isabela. 

—Protegendo de quê? 

—De você! —Responde como se fosse óbvio. 

—Eu não tinha pensado nisso. —Falo amarrando meu tênis. —Mas, e essa Isabela aí? Qual é a dela? —Mudei de assunto. 

Sem saber ainda, que não tinha mudado coisa nenhuma. 

—Nem vem capitão. Eu já estou investindo. —Dave me atingiu com uma toalha. Revidei logo em seguida. 

—Ela é bem o estilo das meninas —Noah começa. —Um pouco mais fechada, mas é questão de tempo eu acho. 

—É bonita pelo menos? —Dave me olhou cumplice.

—Bonita? —Ezra, um dos caras que participará dos testes, se intrometeu na conversa. —É da Florida irmão, diretamente de Miami para Ottawa. —Suspirou, como se isso realmente respondesse minha pergunta. 

—Os caras estão caindo matando, mas quem disse que alguém passa pela Vienna e Annabeth? 

—Furada! Eu não quero acabar igual você e ao Theo. —Falei com o Noah, mas acabei acertando outro. Não adiantava ficar cutucando meu irmão,  ele parece ser dez anos a frente da gente, mesmo sendo apenas alguns minutos mais novo que ele.

Noah sempre foi muito mais maduro que qualquer um de nós, e muito mais responsável também, talvez é isso com que faça ter um relacionamento extremamente estável e seguro já a essa idade, e nada, eu disse nada... consegue tira-lo do serio. 

—Por que eu? Estou no mesmo barco que você e o Dave. —Theo perguntou terminando de vestir sua camiseta do uniforme.

—Você e a loirinha estão mais juntos que o Noah e a Vienna. —Vou para meu armário guardar minhas coisas. 

—Eu fico com ela, igual você fica com todas. Qual o problema? —Odiava falar disso com ele, nunca deu o braço a torcer, mesmo depois que eu aceitei o relacionamento dos dois, sempre fala da minha loirinha como se fosse uma qualquer. Já mandei ele ter cuidado com o que fala, Annabeth é uma das poucas pessoas por quem tenho um absurdo carinho de irmão! 

—Problema nenhum. Desde que você não tente me convencer que não gosta dela. —Tento defender a loirinha. 

—Ele vai negar até ela cansar, porque você sabe que elas cansam né? —Noah também provocou, já tivemos essa conversa milhares de vezes, e meu irmão a protege tanto quanto eu, afinal ela foi o cupido deles dois.

—Chega desse papo droga. Se pular fora já era, arrumo outra, ela não é a única que me liga de madrugada. —Fitei rapidamente, reprovando o jeito como falou. 

—Vocês conversam de madrugada? —Noah pergunta surpreso. —Cara, vocês estão mais avançados que nós. 

—Umas duas horas no máximo. E de dia eu nem cumprimento, dá na mesma. 

—Eu vou ligar pra Vienna essa madrugada. — Noah fingiu estar reflexivo.

—Ei Ethan, se você não me ajudar hoje, eu mando um pedido de namoro pra Samanta num bilhetinho em seu nome. —Dave brinca enquanto saíamos do vestiário. —Falando nela. 

—O que...

—Oi gato. —O demônio em pessoa aparece na minha frente, antes mesmo de conseguir responder. 

—A gente te encontra na quadra! —Noah mal conseguia segurar a risada, me deixou para trás assim como os outros.

Eles me pagam.

—Agora não Samanta, estamos indo para os testes. —Falei tirando o braço dela do meu ombro.  

Não posso negar, ela é até bonita. Tem um corpo legal e peitos grandes, mas era só isso. 

E digamos que... eu viso mais a variedade, do que a qualidade em si. É claro que não apelo, mas não é como se eu precisasse selecionar.

Geralmente as que são mais descaradas assim como ela, é porque se garantem, mas não passava disso. Só que Samanta era a porra uma exceção, pois me vencia pelo cansaço, cheguei a conclusão que as vezes me dava menos trabalho dar logo o que ela queria, do que gastar meu tempo dizendo não. 

Mas isso acabou desde o seu último showzinho. E ela estava bem ciente disso. 

—Qual é, nem para uma rapidinha? —Fala com voz de criança. Eu estava no meu limite. 

—Nem rapidinha, nem demorada. Não tem mais graça, deu pra entender?  —Tento andar, mas ela me bloqueia. 

—Você é um babaca! — Ela exclamou com a voz estridente e irritadiça. 

— Ah, eu sei, e você também sabia disso quando resolveu ir para a cama comigo. — A deixei gritando para trás, completamente sem paciência. Por alguma razão ela achou que seria diferente das outras. Ela pensou que seria mais do que apenas uma transa casual. 

Eu achava incrível como algumas garotas podiam se iludir. A maioria sempre achava que com elas seria diferente. 

Cheguei no campo quando a equipe já estava em formação, vou direto para o lado do treinador.

—Como está meu capitão, melhorou a dor no ombro? — Paul pergunta me cumprimentando. 

—Estou bem melhor treinador, obrigado. E aí, já está com os nomes? 

—Já estou sim. Estamos com mais de quarenta e cinco alunos esse ano. —Entrega-me uma planilha. 

—Uau. Vamos conseguir fazer duas reservas. 

—A sua ideia de trazer o futebol a três anos atrás foi um sucesso.  

—Metade da nossa equipe não sabia pegar uma bola de Rúgbi na mão. —Rimos, é claro que usei esse discurso ao meu favor, e quem mais saiu na vantagem fui eu, sem dúvidas, futebol sempre foi minha paixão. 

—Recolha os exames técnicos por gentileza. Eu vou buscar os coletes. 

—Claro. —Pego a prancheta de sua mão e começo a recolher os papéis dos alunos. 

Após uns quarenta minutos de jogo teste e muitas anotações, eu já estava no meio do time dando dicas e passes. 

—Boa Luck! —Dei dois tapas no seu ombro após um belo passe de escanteio. Continuei observando a equipe, quando vi uma loirinha acenando pra mim, era Anne. Estava na beira do campo conversando com Vienna e uma morena, presumi que fosse a tal Isabela. 

Ninguém me avisou que ela era tão bonita assim, digo... até me avisaram, mas a descrição do Dave não fazia jus ao corpo dela. 

—É Dave, vai ser uma disputa acirrada. —Grunhi ainda a observando de costas.  Seu cabelo estava preso em um rabo no alto da cabeça. Me dando uma visão completa da sua silhueta. 

  Percebi que estavam esperando pelo Noah, que foi falar alguma coisa com sua namorada, e acabou arrancando uma risada de todas. Foi o único momento que pude vê-la melhor. E foi também, o exato momento em que uma chama de expectativa inexplicável surgiu dentro de mim. 

Ela ainda não havia me visto. O que era frustrante, geralmente não demora tanto tempo assim para ser notado, e tenho a mais absoluta certeza que ela já havia ouvido falar de mim. Deveria estar no mínimo... curiosa. 

—Ai!! —Mais uma vez fui atingido pela bola. 

—Foi mal Ethan! —Naytan já estava me tirando do sério, o garoto não leva jeito nem para gandula. 

—Naytan, menos força e mais jeito, manda pra cá. —Devolvi a bola em mais uma tentativa de ajudar. Ou chamar atenção, como preferirem. 

Me posicionei do outro lado do campo, mas foi em vão, ele usou a força novamente e em frações de segundos eu vi a bola indo em direção as meninas. 

—OLHA A BOLA! —Naytan gritou. 

Por sorte eu já estava perto e a peguei antes de acertar justamente a morena. Pronto, agora eu teria sua atenção. 

—Essa foi por pouco. —Brinquei.

A garota me olhou, e um tom avermelhado tomou conta das suas bochechas, acreditem, pela primeira vez na vida não era rubor, muito menos encanto. 

—Você? 

                                                       •Isabela•

—OLHA A BOLA! —Alguém gritou impedindo que Anne pudesse concluir sua frase. Antes mesmo dos meus reflexos agirem, um garoto se põe na minha frente e defende a bola que estava prestes a me acertar em cheio. 

O universo bem que me deu um sinal quando Vienna nos pediu para pararmos no meio do treino dos meninos, minha sede aumentou exponencialmente, e me arrependi de não ter ouvido minhas necessidades naturais. 

—Essa foi por pouco! —Se virou sorrindo, sorriso esse que durou poucos segundos. —Você?

—Você de novo? —Preferia ter sido acertada pela bola em alta velocidade!

O mesmo garoto que destruiu o meu livro, que me fez ter um ataque de fúria jamais visto e ainda me fez pegar uma gripe lascada, está aqui, bem na minha frente. Ou seria uma ilusão por conta da febre de hoje cedo?

—Não vai me dizer que estuda aqui? Pior, não vai me dizer que você estuda aqui, e eu acabei de te salvar de uma bolada? —Encarei perplexa, o pacóvio garoto de olhos azuis. 

Meu dia não podia ficar pior...

—É muito azar o meu mesmo! Um time inteiro aqui e logo você? 

—Vocês se conhecem? —Anne perguntou desconfiada, para não dizer, aterrorizada.

—Não! Ele é só um embuste que quase me atropelou ontem. Passou de propósito na poça d'água que me encharcou e pior, destruiu o final do meu livro que derreteu na minha mão! —Expliquei irritada, como se elas realmente tivessem entendido.

—E ela é a maluca que me deu um banho de café! —Despejou ainda me encarando com frieza. Embora, suas linhas expressivas nem estejam tão endurecidas quanto as minhas. É como se estivesse rindo internamente, talvez ainda se divertindo com a situação.  —Naytan, joga essa bola de novo, mas dessa vez usa mais força, ouviu bem? Força! E vê se acerta! —Ordenou para o garoto que estava a poucos metros de distância. 

—Isso, mira direito, ele é mais alto do que eu, você consegue! —Também o encorajei, o tal Naytan procurou ajuda encarando outra pessoa, não entendendo nada.    

—Ethan! —Dave se aproxima sorridente e todo suado.

—Mas é claro! —Grunhi com deboche ao descobrir seu nome. Como eu previa.  —Uau, conseguiu ficar ainda mais patético, mas fez sentido. 

Anne ainda estava estática, já Vienna segurava uma risada assim como Noah, os dois pareciam se divertir com a situação. 

—Essa é a Isabela que você estava doido pra conhecer. —O garoto o encarou entediado. Agora mais calma e com a vista menos cega de raiva, consigo ver uma semelhança absurda entre o tal Ethan, e o namorado da Vienna, Noah. 

—Ah, você jura? Foi dessa maluca que falei! —Também debochou apontando para mim.

Bufar e revirar os olhos se tornou uma reação imediata a cada frase proferida pelo embuste a minha frente. 

—Falou o quê? —O desafiei a repetir. Dave, Noah e Theo, que nem vi chegar, abriram a boca em formado de "o".

Todos agora pareciam se divertir com a situação, menos Anne, enquanto eu e a cópia barata do Noah ficávamos mais vermelhos a cada segundo. 

—Disse que você o livrou de um encontro cafona. —Noah diz casualmente. 

—Não, eu não disse nada disso! 

—Disse que era uma gata também. Como foi mesmo que ele descreveu? —Dave finge estar pensativo. —Ah, um anjo, disse que ela parecia um anjo! —Completou recebendo um olhar mortífero.

Torci meus olhos e bufei impacientemente, desviando minha atenção para Vienna, em uma tentativa de clarear as ideias.

—Esse é o embuste que vocês me falaram? —Não perderia a oportunidade de provoca-lo, se eu já não estava a fim de conhece-lo, agora então... queria manter distância! —O chaveirinho que tem o rei na barriga?! 

Elas não respondem, mas pude ver a expressão dele contorcer. Me fez sorrir orgulhosa, com minha facilidade em atingi-lo, recém descoberta. 

—Que merda de chaveiro, você falou isso de mim Vienna? —Ele a interroga e a coitada fica sem reação. 

—Vai detestar saber que eu tiro minhas próprias conclusões.  —Arqueei uma sobrancelha o encarando uma última vez. —Levem o chaveirinho aí para tomar um banho, ainda está cheirando a café requentado. —Os meninos fizeram suas melhores expressões de surpresos, segurando a risada. 

—Antes café, do que poça d'água.

—Soltei o ar pesadamente, obrigando meus pés a me tirarem dali.

Continuei meu caminho inicial até o bebedouro, não deixando de dar aquela conferida na roupa, e não encontrei odor algum, nem de suor, nem de poça. 

Espera, mas eu estou gripada...

Santo Deus! 

—Agora você pode nos explicar direito? —Me assusto ao levantar meu corpo do bebedouro e dar de cara com Vienna e Anne.

—Como assim vocês se conhecem? Como isso aconteceu? —Anne pergunta quase em desespero. Termino de tomar água e a encaro. 

—Ontem eu estava na praça, da catedral, terminando de ler aquele livro que estava lendo mais cedo. Quando fui atravessar a rua, um carro me deu passagem e esse garoto passou em alta velocidade, quase me atropelando, pra piorar, passou por cima da poça d'agua. Fiquei toda encharcada naquele frio, e para completar a desgraça, as últimas páginas do livro estavam na minha mão e também se molharam, ou seja, eu perdi dias da minha vida em uma leitura intensa para não saber o final do livro.

—Tá, mas... ele parou para te ajudar? Como vocês se falaram? —Anne ainda tentava entender.

—Não. Vi a moto dele estacionando e fui tirar satisfação, ele estava se encontrando com uma garota, mas na hora nem pensei, comecei a xinga-lo e a menina foi embora achando que eu era alguma ex-psicopata. Resumindo, ele me tirou do sério ao ponto de jogar meu café, infelizmente já frio nele! —Suspiro em uma tentativa de me acalmar. —Odeio brigas, odeio discussão, mas odeio muito mais levar desaforo pra casa, eu disse que não tenho medo de estrelinha! 

Eu nunca tive paciência para me explicar ou pedir satisfação sobre qualquer coisa, amo ouvir historias, mas quando essas historias duvidam da minha índole ou necessitam que eu questione, prefiro cortar o mau pela raiz! 

Depois disso só me resta ignorar. 

As duas me olhavam como se eu fosse um bolo de chocolate, arqueei uma sobrancelha questionando. 

—Eu sabia que amaria você desde que ouvi seu primeiro barraco! —Anne me abraça feliz da vida. 

—Seremos o melhor trio da Saint Marys!  —Vienna gargalhou, ainda desacreditada. Anne emendou seu abraço nela também, a alegria das duas acaba me distraindo e eu retribuo o abraço, ficamos assim, em um ninho triplo.

—Vocês são terríveis! —Completo rindo.

Quando voltamos para a quadra depois da pequena parada para se hidratar, —o que resultou em um reencontro bem desagradável. — eu aproveitei um pouco dos treinos para matar a saudade de quando fazia a única coisa que podia ocupar minha mente, e por um momento até pensei em voltar a dançar e praticar ginástica, mas isso mudou completamente quando vi uma foto dela no mural de troféus.

“Em memória de Josie Callegari Campbell” 

Estava gravado na placa dourada, fixada na prateleira. Não era a única foto dela, também haviam inúmeras matérias jornalísticas, em um espaço pequeno no corredor do ginásio, onde foi designado para seu memorando fúnebre. 

Após alguns minutos parada em frente tendo certeza de que ninguém estava me vendo ali, eu descobri que ela foi uma das maiores representantes da escola como ginasta e líder de torcida. O provável pontapé inicial para sua carreira.

Ou seja, eu jamais poderia fazer parte. Mesmo assim as poucas aulas de educação física iriam servir para matar nem que seja um pouco da saudade. 

Infelizmente fui pega no flagra, meu coração disparou, Aléxia estava do meu lado observando os troféus. A vendo de perto, sua beleza chegava a ser covardia. Naturalmente perfeita. Com um leve rubor de vergonha. 

—Não quis te assustar, desculpa. —Sorriu me fitando muito brevemente, nunca pensei admirar tanto os olhos castanhos. Os seus pareciam duas jabuticabas, contrastando com seu cabelo ruivo natural e a pele porcelana, agraciada com sardas naturais, ainda que quase imperceptíveis, somente na região central do rosto, pegando o topo do seu nariz arrebitado e parte das maçãs. 

—Não vi você chegar. —Respondi. Ainda muito receosa com sua aproximação. —Você dança pra caramba, parabéns. —Emendei, em uma tentativa de tirar sua atenção dali.

Mais uma vez ela tirou seus olhos da vidraça para me observar. 

—Obrigado. Meu nome é Aléxia, mas você já deve saber. —Estendeu uma mão gentilmente. 

—Isabela. —Aceitei seu cumprimento. 

—É eu sei. —Assentimentos juntas, sem graça.  —Você também dança? 

Perdi a força dos meus músculos faciais, com medo de que ela tivesse acabado de associar os nomes, já que olhava na mesma direção.

—Por quê? —Segui seus olhos e encontrei uma foto, junto a um troféu e duas medalhas. A foto era de um time de futebol, e no meio de todos aqueles garotos estavam Jony e Ethan, abraçados como dois melhores amigos enquanto sorriam largamente.  

—Porque você leva jeito. —Disse apenas, suspirando pesadamente ao tirar sua atenção dos troféus. Ela não tinha percebido. 

Eu iria responder, se ela não tivesse acenado um "tchau" com a mão. Percebi que se afastou por ter avistado Vienna e Anne. 

Nem a conheço direito, mas notei a tristeza em seu semblante. 

Quando os treinos acabaram, segui as meninas que queriam participar dos jogos finais para a escolha do time de futebol. Nos sentamos na arquibancada enquanto os meninos ainda jogavam.

—Já está acabando, será que podemos ir? —Anne pergunta desconfortável, depois de um longo tempo observando o jogo. 

—Exatamente, já está acabando amiga, espera mais um pouco. —Vienna estava vidrada na performance do Noah.

Acompanho com o olhar para onde o desconforto da Anne vinha. Theo, até então o caso negado como disseram, ria visivelmente cantando uma menina, fico sem acreditar na frieza da Anne vendo aquilo. Ou ela realmente não tem sentimentos por ele, ou de fato consegue engolir, eu não sei qual seria minha reação, afinal, não tenho nenhuma experiencia com esse tipo de relacionamento, a não ser uma pequena amizade que eu não gostava de chamar de colorida, porque ninguém, absolutamente ninguém sabia. Ao contrario da Anne e do Theo, que pelo o que entendi, todo seu ciclo de amizade, o que me inclui também, sabem.

Fiquei observando a reação dela e não percebi quando Noah se juntou a nós. 

—Estávamos pensando em ir comer alguma coisa depois, vocês topam? —Perguntou parando de frente para Vienna

—Não vai dar, hoje é a tarde do cinema com as meninas. —Responde pegando em sua mão.

—Tudo bem então, posso pelo menos te deixar em casa? —Pergunta carinhoso, sorri olhando para Anne.

—Claro que pode. —Anne respondeu por ela. —Pronto, carona garantida. 

—Como foi o jogo? —Vienna riu balançando a cabeça negativamente.

—Foi tranquilo, o Ethan vai nos ajudar nos resultados.

—Por que? Ele participa da escolha? —Pergunto curiosa. Um pouco incomodada com uma possível injustiça na verdade.

—Sim, ele é o capitão do time, os treinadores deixam como um terceiro voto. —Aceno que entendi. 

—Vamos meninas? —Anne se levanta, saindo de perto, segundos depois Theo se junta a nós, sem tirar os olhos dela.

—Ela está me evitando? —Perguntou sarcástico, ainda a acompanhando, eu fiz o mesmo.

—Você fez alguma coisa? —Noah indaga rapidamente.

—Não que eu saiba! —Nos olha intrigado, a procura de respostas.

—Se fez ainda não chegou para o nosso departamento, vou procurar saber e te retorno. Agora, se eu não retornar... é porque fez e estou comprando a briga da minha amiga. —Vienna responde debochada.

—Te espero no vestiário! —Lancei um aceno para os dois, antes que pudesse ficar de vela, seguindo Anne em direção aos vestiários. 

—Tchau Isa! —Dave praticamente gritou, chamando minha atenção.  

Eu sorri, começando a me acostumar com seu jeito. Mas, não parei, até porquê ele estava acompanhado, e mesmo ignorando-o por completo, fingindo até mesmo não notar sua presença, percebi pela visão periférica que Ethan também olhava na minha direção. 

Não demorou muito para Vienna me alcançar, chegamos juntas no vestiário. 

—Aconteceu alguma coisa? —Pergunto a Anne reparando seu "bom humor."

—Não, por quê? —Nos olhou cínica. 

—Porque você parece bem incomodada. 

—Jura? Não reparei. —Mente. Vienna me lança um sinal para deixar quieto. Cada uma pegou uma toalha e fomos para a ducha.

—Mais tarde ela fala! —Sussurrou apenas para eu ouvir.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo