4. O Acordo

Luciana

Corri da festa, abandonando as risadas debochadas para trás. Eu queria cavar um buraco e meter a minha cabeça dentro. Quase acabei fazendo isso sem querer quando tropecei nos meus próprios pés no fim da escada.

Eu caí no chão, ralando minhas extremidades. Do meu joelho direito começou a escorrer um fino fio de sangue, mas não consegui sentir dor por causa da pressa. Levantei-me como se não tivesse acontecido nada, e continuei correndo.

Parei antes de atravessar a rua somente por causa do sinal fechado, e acabei perdendo um pouco da adrenalina que me levou até ali. A força nas minhas pernas se esvaiu, por fim. Fiquei sentada no meio-fio, cobrindo o rosto para amenizar o choro público.

Comecei a sentir os sinais da ardência no joelho. Meu peito estava disparado, a vergonha e  humilhação que aquela universidade tinha me proporcionado já eram além da conta para uma pessoa só. A dor aumentou exponencialmente. A dor física vem para nos lembrar que há algo ainda pior que a dor psicológica.

Eu não conseguia suportar a vergonha. O que eu esperava? Que Otávio revelasse seu amor oculto por mim? Que dissesse na frente de todo mundo que tinha se apaixonado pela psicopata que o persegue todos os dias no fim da tarde? Pela doida que sempre está no consultório fingindo enxaqueca?

Será que ele reagiu daquela forma só porque estávamos em público?

É claro que não, Luciana, acorda para a vida. Você pagou o maior mico.

Por que eu fui gritar daquele jeito aquelas palavras?

Bem, em minha defesa, eu congelei na frente dele. Na hora que as palavras saíram, eu não consegui controlar o volume. Eu tive medo de me calar de novo e passar mais meses sofrendo em silêncio. Agi por impulso.

Agora colho o que semeei.

Achei que não poderia dormir nunca mais na vida. Não sabia nem mesmo se conseguiria pisar na faculdade no dia seguinte.

Eu me senti o mais completo lixo.

Percebi que me sinto assim com frequência, e sei que devia me esforçar para não deixar esse tipo de sentimento invadir minha mente, mas... como eu faço isso? Vejam a situação em que estou.

Minha mãe tinha razão. Eu nunca deixaria de ser essa aguada sem graça e sem noção, incapaz de sequer sonhar com o amor de alguém, ou muito menos, sair com alguém decente.

Ouvi alguns passos se aproximando, e provavelmente era Alessandra, mas eu juro que não queria ver ninguém.

— Ei, garota. — Ouvi, mas não virei as costas. Era uma voz masculina, bonita e grave, e que eu já tinha ouvido antes.

— Meu nome é Luciana, se quer espalhar por aí a minha humilhação. — Respondi, amarga. Não podia deixar de extravasar o fato de que Otávio esqueceu meu nome.

— Meu irmão é um idiota. — Ele completou. Ao ouvir isso, olhei na direção da voz, e... Aquela voz não combinava com aquele cara. Era uma voz muito marcante, muito sexy. E aquele cara era tão novo...

O irmão do professor.

Era o mesmo garoto que me salvou na piscina. O cara a quem eu não agradeci. Aquele a quem eu disse umas imbecilidades enquanto estava bêbada. O que ele queria? Rir também? Se é irmão de Otávio, pode ter sido enviado por ele para pedir desculpas?

Pare de criar loucuras, Luciana, ouça o rapaz.

Ele estava usando uma camiseta branca e calças jeans, seus cabelos eram longos e loiros.

Pena que não é o irmão dele que está aqui.

Suspirei de tristeza.

— Oi. — Falei, sem conseguir esconder a decepção e voltando a virar as costas. Eu me lembrei que devia algo a ele. — Ah, é... Obrigada por salvar minha vida. Já estou sabendo que foi você.

— Não precisa agradecer. — Ele murmurou, e cruzou os braços. Lancei um olhar e vi como estava arrogante ali, parecia o Otávio.

— O que você quer? — Grunhi. Não gostei de ele ter continuado ali. — Presumo que viu o que aconteceu lá no gabinete. Se não se incomoda, quero ficar sozinha.

— Eu não vim zombar de você. Vim te ajudar.

Aquela resposta me fez erguer uma sobrancelha inquisitiva em direção a ele. Quem aquele cara, cujo nome esqueci, pensava que era para dizer que poderia me ajudar?

— Quer me ajudar? Cave um buraco e me enterre. — Eu murmurei. Ele suspirou, parecia querer dizer alguma coisa sem saber como.

— Olhe, eu sinto muito pelo que meu irmão fez. Ele não te merece. — A expressão do loiro era de inconformidade. Senti até um pouco de amargura na expressão dele. Combinava bem com o que eu estava sentindo agora.

Porém, eu não quero a pena dele. Quem esse insolente pensa que é? Para vir até aqui dar opinião? Bem, eu vou relevar somente porque não tenho intenção de ficar pior do que já estou.

— Obrigada. — Foi o que me limitei a dizer. Se ele continuasse falando eu ia tacar meu sapato nele.

— Você... parece ter bastante dinheiro. — Ele comentou.

Já chega. Agora o sapato vai voar. Por que ele acha isso? Será que ele reconheceu minha mãe naquele dia do acidente?

Pelo menos alguém se lembrou do que aconteceu naquele dia.

— Por que está falando disso? — Olhei para ele com ódio. Esse garoto era o quê? Mercenário? Eu ia dar uma última oportunidade de ele escapar ileso.

— Vou direto ao ponto. — Ele se sentou ao meu lado, meio marrento e sinistro. Seus olhos eram de um azul brilhante, parecia aquele diamante azul que a Rose jogou no mar no final do Titanic. Era tão bonito que neutralizou meu nervosismo um pouco. Eu até consegui conter uma das lágrimas que eu estava planejando liberar. — Eu posso te ajudar a seduzir meu irmão.

— Como? — Engoli a saliva ardorosamente, e senti a garganta queimando. Ele podia me ajudar? Melhor, ele estava se propondo a me ajudar? Em troca de quê? Mas, antes, melhor conferir se ele podia fazer isso. — Como seria isso?

— Várias maneiras. Tenho ideias, mas o mais importante é que posso te colocar em contato com ele. Conheço as ex-namoradas dele, sei o que ele gosta. Afinal, ele é meu irmão. — O rapaz respondeu, revirando os olhos na última parte. Ele jogou as cartas na mesa.

Não posso negar o quanto ele era lindo. Ele tinha um queixo forte, e seu pescoço era largo e másculo. Mas, pena que é tão novo.

Meu Deus, o que estou pensando?

Aquele cara de boa aparência podia ser um mercenário, um sem noção ou qualquer coisa. Mas, eu não podia negar que ele sabia bem onde me atingir. Não posso mentir para mim mesma. Por mais bizarra e fria que a proposta parecesse, eu já tinha tendência a aceitar antes mesmo que ele me dissesse o que queria em troca.

Tudo o que eu queria era o Otávio, e acho que ele percebeu isso. Ele e todo mundo na festa. E, agora, todo mundo no campus já deveria saber.

Mas, por que o irmão do meu amor me ajudaria? Tem a ver com a constatação que ele fez de que tenho dinheiro?

— E o que você quer em troca? — Perguntei. Vai que ele diz "Nada". Um lapso de esperança acendeu meu dolorido coraçãozinho. Vai ver ele só é legal.

— Bem... Preciso pagar o conserto dos instrumentos musicais que uma ex-namorada quebrou. — O loiro não olhou nos meus olhos. Em vez disso, observou os carros na rua.

Eu nem me lembrava do nome daquele cara, mas devia começar com C. Acho que é Cléber.

— Imaginei. — Murmurei, acostumada com os tabefes da vida. — Eu não sei, eu acho que o Otávio agora me odeia. — Falei, sem tentar parecer uma obcecada. Lembrar da cena lá no departamento me fez sentir de novo o nó na garganta, e meus olhos se encheram de água.

Ele parecia compadecido da minha dor. Recolheu uma das minhas lágrimas com o polegar. Eu não sei quem deu liberdade a ele para me tocar, mas se íamos fazer um acordo, eu não queria enxotá-lo. Pelo contrário, eu não consegui segurar mais uma onda de pranto e o abracei. Eu estava tão machucada que escondi o rosto embaixo do queixo dele e deixei meu pranto escorrer em sua blusa. Depois de chorar um pouco, recebi alguns afagos. — Obrigada, Cristiano.

— É Christofer. — Eu o ouvi falar em meu ombro. Era perigoso ouvir uma voz assim a essa distância.

Alessandra finalmente chegou, e veio gritando:

— Aí está você! — Ela parou quando me viu abraçada com Christofer, dando uma risadinha. — Já superou?

— Pare de falar bobeira! — Voltei a chorar, e, dessa vez, foi minha amiga quem me abraçou.

— Vamos para casa, Luci. — Ela disse, afagando minhas costas e, quando me afastei e vi que Christofer ainda estava parado ali, com uma expressão preocupada, olhei para ele e disse:

— Vou pensar no caso. — Trocamos um olhar confidente, e eu achei sincero. Não parecia um trapaceiro trambiqueiro, pelo menos. Acho que ele ia cumprir sua parte se fizéssemos um acordo. Afinal, ele já salvou minha vida.

— Me empresta seu telefone. — Ele falou. Peguei meu Iphone, desbloqueei e entreguei a ele.

Alessandra se passou os dedos em meus olhos para secar minhas lágrimas compulsivamente, avaliando qual o tamanho do estrago.

— Boba. Te falei para chamá-lo no canto. Foi azar, mas você tentou. — Disse Alessandra. — Pelo menos, agora percebeu que ele não gosta de você como gosta dele e vai desistir, não é?

Comecei a tossir. Enquanto isso, Christofer me devolveu o telefone com seu número salvo e disse:

— Conto com sua ajuda. — Ele acenou, vendo que eu estava em boas mãos, e foi embora. Alessandra não entendeu nada, e não era daquelas que deixava o samba morrer. Ela não esquecia as coisas,

Fui para casa remoer toda a minha imensa tristeza. Alessandra preparou para nós uma sopa de cebola deliciosa, com queijos por cima das rodelas caramelizadas. Nós nos sentamos em frente à TV, mas eu não queria comer. Só queria beber coca-cola.

— O que o Chris queria com você? — Ela falou, comendo uma torrada molhada na sopa.

— Ah, esse era o nome dele. — Lembrei.

— Sim, o que ele estava falando? Achei legal da parte dele ir falar com você.

— Ele é um estrupício. — Respondi, suspirando de tristeza. — Falou que pode me ajudar a conquistar o meu Otávio, mas em troca quer que eu pague o conserto de uns negócios para ele. — Abracei a almofada do sofá nervosamente.

— E como ele vai te ajudar nisso? — Alessandra meteu uma colher grande de sopa na boca e, depois, colocou o prato fundo sobre a mesinha de centro. Não parecia mais tão interessada no alimento como há poucos minutos.

— Eu não sei. Ele disse que conhece o que o irmão gosta, algo assim.

— Ele quer que você seduza o irmão dele com sexo e apelação, certeza. Não parece boa ideia. Acho que você tem que se valorizar, Luci. Não aprovo essa ideia. — Alessandra não falou nada que eu não imaginei que falaria.

— Você não entende, Alê. Só porque é linda, acha que todos têm essa facilidade! — Peguei meu celular e procurei por Cris ... — É Cristino?

— Christofer. — Alessandra disse. — Com CH.

— Como sabe?

— Como você não sabe? — Ela falando assim me fez sentir uma daquelas pessoas que não assiste BBB e fica perdida. — Ele faz parte da banda que vai tocar lá na faculdade no fim do mês.

Alessandra gostava de Rock. Talvez por isso estivesse empolgada.

Dei de ombros. Eu deveria saber disso? Acho que não. Disquei e fiquei olhando para a cara dela enquanto chamava. Chris atendeu no terceiro toque.

— Oi, Christofer. Aqui é Luciana. — Falei.

— Oi, tudo bem? — Reconheceria aquela voz limpa e sedutora em qualquer lugar. — Pensou sobre o que te falei?

— Sim. Eu preciso saber quanto você quer para fazer o que combinamos. — Comentei. Eu também não ia jogar minha herança na mão dele.

— Eu aceito o seu celular para dar como empenho. — Ele disse.

— Nossa, isso é um roubo do século XXI? Olha o artigo 157. — Coloquei a mão no coração.

— É um empenho. Eu vou te devolver o celular depois que fizer o show, está bem? — Ele disse.

— É, estou sabendo agora que você toca numa banda. — Olhei para Alessandra. Se ela tivesse mentido eu ia saber agora. — Qual o nome da Banda?

— É "Anticristo".

— Credo, garoto. — Comentei. Gente, eu sou católica. Coroei Maria num evento da igreja com 4 anos, não posso falar com esse cara. Ah, me lembrei por que estava fazendo isso. Otávio. Apesar dos pesares, eu não via saída. Estava sentindo como se fizesse pacto com o próprio Lúcifer. — Olhe, não é porque não tenho saída que me orgulho do que estou fazendo, viu?

— Então você aceita. — Ele constatou, e tenho certeza que deu um sorrisinho com seus lábios rosados e lisos. O maldito era marrento.

— Não faça eu me arrepender. — Murmurei. Alessandra espalmava a testa enquanto revirava os olhos.

— Juro que não vai se arrepender. — Ele disse, num tom sexy. Mas, quem sou eu para dizer isso? Sou sensual como uma porta.

Ele me passou o endereço e me pediu que o visitasse no dia seguinte. Chris estava com muita pressa. Nesse encontro, seria definido como ele ia me ajudar a atacar o Otávio.

Sim, eu me juntei com Christofer para conquistar o irmão dele.

E não, não tem como dar errado.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados