CAPÍTULO 3

Na última sexta-feira do mês de Fevereiro daquele ano, lembro que terminamos as aulas cedo e fomos todos para a minha casa fazer o trabalho da disciplina de História. Assim que chegamos, quase todos espantaram-se com a nossa residência, quando viram obras de arte caríssimas, africanas e ocidentais, mármore por toda casa e todo o resto que compõe uma vivenda luxuosa. Todos pareciam maravilhados, excepto o Márcio que é um fidalgo nato.

O término do trabalho foi acompanhado de um delicioso bolo de chocolate, daqueles que só a dona Isilda sabe fazer. Todos foram-se embora, lembro que apenas o Márcio permaneceu em minha casa, por ter ido ao quarto de banho. Minutos depois, o destino e a vida decidiram aplicar a lei do acaso, ou seja, a famosa coincidência. A dona Isilda estava na área de serviço e eu estava na sala de estar no momento em que o Márcio saiu do recinto e perguntou-me se todos já se tinham ido embora. Eu respondi que sim, sem olhar nos seus olhos, eu tentava disfarçar toda a tristeza que dissipava o meu âmago. O que nós não conseguimos compreender é que quanto mais tentamos ocultar a tristeza, mais as pessoas percebem que estamos tristes, e com o Márcio não foi diferente.

Como? Eu não sei, mas o Márcio percebeu que a tristeza fazia parte do meu dia. De um jeito carinhoso e protector, ele perguntou-me o motivo do meu semblante cabisbaixo. Não passava pela minha mente dizer-lhe o motivo, ainda assim, ele olhou para mim e limpou a lágrima que estava no canto do meu olho.           

– Marie, eu sei que não somos bons amigos – disse ele. - Mas mesmo consciente disto eu quero poder ajudar em seja lá o que for que esteja a acontecer. Estarei ao teu lado para o que tu precisares.

Pela primeira vez, senti-me confortável com ele, foi a primeira vez que não implicamos um com o outro e, aos poucos, eu começava a notar que no fundo o ódio excessivo tinha uma explicação. A hora já começava a tardar, então tive de acompanhá-lo até à porta. No momento da despedida, um lado meu não quis que ele fosse embora e acho que a mente oposta também pensava o mesmo. Parecíamos estar em uma sintonia tão profunda, que não conseguíamos parar de olhar um para o outro, e quando era para ele dar-me um beijo no rosto, fechei os olhos e senti os meus lábios a serem beijados pelos lábios dele. Mulher alguma resiste a um beijo roubado. Chovia lá fora durante o acontecimento do meu primeiro beijo. Foi um momento único e marcante.

Naquele exacto momento, senti que tudo girava à volta de nós, tudo estava perfeito até a dona Isilda sair e apanhar-nos em flagrante. Aproveitei-me do seu enorme carinho por mim e fiz-lhe prometer que ela não contaria nada para os meus pais. É paradoxal, mas ela deveria ter contado, talvez aquele facto fosse uma porta para o imprescindível diálogo sobre a sexualidade. 

Antes que o sono batesse à minha porta, abri o meu diário e escrevi sobre o meu primeiro beijo:

Beijar pela primeira vez é uma sensação inesquecível.

Viajei para o mundo da lua, quando senti os lábios do Márcio nos meus. Com o passar do tempo, e com as coisas que temos estado a viver, o dono deste beijo está a tornar-se no único motivo do meu sorriso e na minha luz nas horas escuras.

Tive um final de semana recheado de pensamentos românticos, o amor definitivamente faz-nos ver o céu cor-de-rosa. Uma nova aurora surgiu, mal consegui pegar no sono naquela madrugada, a imagem do Márcio não saia dos meus pensamentos, lembro que dormi muito pouco e com alguma surpesa levantei cedo da cama para encarar o início de mais uma semana laboral de uma forma diferente, sendo que sempre fui do tipo de mulher que odeia as segundas-feiras, pois, a indisposição tomava conta de mim quando pensava em assistir às aulas e aturar as demais chatices do dia-a-dia. Fui ao encontro do meu motorista, o senhor Jacinto, que estava à minha espera no carro, como era habitual. O anormal é que eu estava tão feliz que nem parecia ser aquela segunda-feira em que normalmente eu acordava indisposta. O facto é que aquela segunda-feira foi diferente e muito especial, é que nada parecia capaz de alterar o meu ânimo, emigrei para o mundo da lua e de lá ninguém me podia tirar, era isso o que eu pensava na altura.

Ninguém podia estragar o meu conto de fadas, que ganhou forma quando cheguei ao colégio e vi o Márcio na sala, me aprumei especialmente para ele e o meu sorriso estava radiante de tão feliz que eu me sentia, mas fiquei triste em instantes, porque ele não me fez elogio algum. Os homens quase nunca reparam que as mulheres se tornam mais vaidosas quando estão apaixonadas por eles, é que um elogio basta para que a mulher se sinta a mais desejada de todas.

Depois das aulas, ficamos no refeitório, lá reparei que os nossos gostos musicais eram quase idênticos. E, em um clima romântico, descobrimos a particularidade de ambos sermos fãs daquela que era a minha banda favorita antes de ser desfeita, os mexicanos Rebeldes, todos achavam as suas canções românticas demais, mas, tal como eu, o Márcio era um grande fã deles. Tudo parecia um sonho que parecia não ter fim, quando ele me pediu para fechar os olhos e ofereceu-me uma rosa assim que os abri. Foi lindo quando olhamos olhos nos olhos, porém, infelizmente, não podíamos dar um outro beijo naquele instante, nenhum de nós quis arriscar uma suspensão. Confesso que no fundo eu estava desejosa por voltar a sentir o toque dos seus lábios nos meus, mas tive de conter os meus anseios. Sou uma mulher à moda antiga e acredito que uma mulher não deve demonstrar que quer um beijo por mais que o deseje. Os homens confundem facilmente as coisas, o pedido de um beijo por parte da mulher pode levar um homem a pensar horrores sobre a sua conduta, como também pode ser relativo, porém levo em conta que o mundo moderno é um mundo desrespeitoso na maioria das vezes. Seria sublime se o coração fosse facilmente suplantado pela razão, a realidade mesmo é que o coração quando quer não nos deixa em paz, por isso nós decidimos arriscar e fazer aquilo que o coração pedia tão intensamente, que era dar um beijo.

É algo especial quando vivemos uma paixão daquelas que deixam o coração a 320 km/hora como um veloz Lamborghini, que deixa as pernas trêmulas com a sua adrenalina. Mudei-me para as nuvens, pois parecia que aquele momento iria eternizar, e a partir daí comecei a acreditar que seríamos apenas nós dois contra o mundo




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