CAPITULO 1

Sofia

5 meses depois

O cabelo hoje não parece nada disposto a me ajudar. Sabia que seria assim quando viesse para área da frente da mansão limpar as folhas, hoje faz cinco meses que estou trabalhando para a família Galanis e a dona Ártemis, a dona da casa é uma mulher incrível. As mechas ruivas não parecem interessadas em colaborar com o meu trabalho.

Ainda não perdi as esperanças de conseguir um emprego de professora na escola da ilha, dona Ártemis falou com o diretor, eles são velhos conhecidos, mas não tem vaga para esse ano ainda, então tenho que aguardar.

– Já acabou querida? – minha mãe questiona assim que entro na cozinha.

– Sim, o vento não quis colaborar muito hoje, mas já terminei – aviso me sentando na cadeira perto da porta.

– Então podemos ir – ela termina de guardar os pratos, limpa as mãos e então saímos da mansão, seguimos pela alameda de pedras em direção a nossa casa.

Quando as pessoas veem a gente juntas pensam que ela é minha avó, meu pai também passa por isso, embora esteja bem conservado, os cabelos grisalhos lhe dão um aspecto de mais velho. Nasci quando meus pais não aguentavam mais tentar, minha mãe já tinha trinta e cinco anos, foi perigoso, a gravidez foi de risco e isso mudou a vida dos dois, as coisas ficaram difíceis no país deles e então se mudaram para Grécia e desde então vivem aqui na ilha, eu não lembro da mudança, pois nasci quando eles já estavam aqui em Santorini.

Amo esse lugar, sonho em lecionar para as crianças da ilha, encontrar um grande amor e construir uma grande família.

Existe uma grande desvantagem em ser filha única e de pais com mais idade, eles me tratam como se tratavam as moças de cinquenta anos atrás. Me proíbe de namorar, sair para festas, de ter amigas da minha idade. Mas há uns anos atrás me rebelei e fui para Atenas fazer a faculdade dos meus sonhos, foi um escândalo na família, papai ameaçou me deserdar se eu ficasse com algum homem da faculdade e desde então não sei nem o que é beijar na boca.

– Está no mundo das nuvens, querida? – minha mãe pergunta assim que chegamos em casa.

– Só cansada – falo dando de ombros.

– O filho da patroa está voltando para casa – avisa enquanto monta a mesa do nosso jantar.

– Qual deles? – pergunto pegando uma maça e me sento em uma das cadeiras – São três, não é?

– Sim, dois gêmeos que são os mais velhos e o caçula – avisa de costas para mim mexendo nas panelas – O caçula ainda mora meio aqui na ilha, ele que está voltando.

– Legal – digo na falta do que falar.

– Quero que mantenha distância dele Sofia – vira e me encara – Ele é um Don Juan incurável, não quero você perto dele e nem que fique sozinha com ele.

– Ele jamais olharia para mim – falo indiferente.

­– Só se ele fosse cego, a questão é que você é filha da empregada da casa e ele jamais te levaria a sério, então mantenha distância – pede – Sem contar que seu pai – ela se cala, parece avaliar as palavras.

– Meu pai? – incentivo.

– Você ainda é virgem Sofia? – pergunta e sinto minhas bochechas esquentarem.

– Que pergunta mãe, a senhora sabe que sim, nunca tive ninguém – falo envergonhada.

– É que você ficou tanto tempo em Atenas que pensei.

– Pensou errado – a corto.

– Temos costumes na nossa terra querida, por isso você tem que se manter virgem para – ela se cala novamente.

– Para? – pergunto curiosa.

– Na hora certa você saberá, aconteceu comigo e vai acontecer com você – ela coloca um pouco do molho na mão e prova – O fato é, mantenha distância do Senhor Poseidon.

Ele jamais olharia para mim, minha pela é muito branca, meus cabelos são de um ruivo desbotado, meus olhos são verdes claros e minha boca parece que comi beterraba de tão vermelhos.

De repente minha mãe começa a tossir, corro para o seu lado, ela se curva gemendo de dor e começa a respirar com dificuldade.

– Mamãe fala comigo – começo a chorar e entrar em desespero, meu pai ainda não chegou, saiu para pescar e só chega mais tarde.

Ligo para o hospital e peço uma ambulância, meu coração palpita no peito parecendo que vai sair pela minha boca, rezo para que nada de ruim aconteça com a minha mãe. De repente ela escorrega pelas minhas mãos e cai desacordada no chão.

– Mãe! – chamo com a voz embargada e lágrimas grossas descem pelos meus olhos – Fala comigo, não me deixa – toco seu rosto e sinto sua respiração fraca.

Alguns minutos depois a ambulância chega, não sei porque demorou tanto, tudo nessa ilha é perto. Eles a colocam na maca e eu vou na ambulância com ela segurando sua mão, seu rosto está pálido e meu estômago está embrulhado.

No hospital ela é levada às pressas para a UTI e eu fico na recepção com o coração na mão aguardando notícias. O hospital da ilha é todo equipado e com profissionais capacitados, graças a família Galanis. Mas é bem pacato, quase nunca acontece algum acidente que movimente as enfermeiras, por isso me encontro sozinha na sala de espera e ninguém pode assistir a minha crise de choro. Fico minutos, horas sentada ali com a cabeça apoiada nas mãos, perco a noção do tempo enquanto me concentro em minha angustia.

– A senhorita é parente da senhora Adália? – sinto alguém tocar o meu ombro e levanto o rosto encarando a pessoa que está falando, é um homem aparentemente jovem e bem bonito.

– Sim, como está minha mãe? – pergunto me levantando e ignoro a sua aparência.

– A senhorita está aqui sozinha? Qual o seu nome? – pergunta.

– Sim, nem sei se meu pai sabe que estamos aqui – falo me lembrando agora do meu pai – Ela está bem, doutor? Podemos ir embora? – pergunto impaciente – Me chamo Sofia.

– Eu sinto muito Sofia – ele começa e percebo que está procurando as melhores palavras – Fizemos de tudo para salvar a sua mãe, mas infelizmente ela não resistiu ao infarto e veio a óbito.

– Como? – pergunto em um fio de voz sentindo o chão se abrir em meus pés – Não! – grito em plenos pulmões e caio sentada no chão – Diz que é mentira, Doutor, ela não pode me deixar.

– Calma Sofia – ele segura meus braços e me ajuda a levantar – Fique calma, fizemos tudo que estávamos ao nosso alcance.

– O que vai ser de mim sem a minha mãe? – sinto uma dor forte no meu coração como se alguém estivesse tentando arrancá-lo de dentro do meu peito.

– Eu sinto muito – ele toca meu ombro tentando me confortar.

– Mas ela era saudável, Doutor – falo com a voz embargada.

– Ela já tinha bastante idade, e estava um pouco acima do peso então houve um bloqueio na passagem do sangue para o coração, devido ao acúmulo de gordura nas artérias, causando o infarto – ele explica, e o jeito é tentar me conformar, ela se foi e não vai mais voltar.

Começo a agir no automático, entro para reconhecer o corpo e novamente tenho uma crise de choro. Ela não podia me deixar, logo agora que voltei para casa ela se vai deixando um vazio enorme no meu peito, tínhamos nossas desavenças as vezes, mas eu nunca me imaginei sem ela.

Tomo as rédeas de toda a agilização do enterro, meu pai está inconsolável, não fala nada desde que lhe dei a notícia, mas algo passou em seus olhos quando eu disse que agora seria apenas nós dois, não consegui identificar, mas tive um calafrio.

Muitas pessoas da ilha apareceram para o velório, minha mãe era querida por todos, caminho ao lado do caixão em direção ao cemitério, meus olhos estão em uma tristeza visível.

– Eu sinto muito querida – senhora Ártemis fala parando ao meu lado e me abraça – Adália era uma boa pessoa, que deus guarde sua alma em um bom lugar – vejo pelo seu semblante que ela realmente está triste – Apolo não pôde vir, foi resolver uns problemas em Atenas mais pediu para te confortar – dou um sorriso amarelo para ela – Qualquer coisa que precisar não hesite em falar comigo Sofia, você tem em mim uma amiga.

– Obrigado senhora Ártemis – agradeço.

– Nada de senhora querida, aqui somos amigas – me abraça e prestamos atenção no discurso do padre.

Meu pai sumiu antes da primeira pá de areia cair sobre o caixão, e eu continuei imóvel no meu lugar observando o caixão ser coberto por areia e as primeiras pessoas começarem a ir embora, as mãos da senhora Ártemis ainda rodeiam o meu corpo e saímos do cemitério.

Ela foi uma boa companheira nesse momento, me acompanhou até minha casa e me fez companhia por algumas horas. Conversar sobre a vida me fez esquecer um pouco da dor da perda, quando finalmente a noite cai e ela vai embora meu pai aparece.

– Sofia – ele fala com a voz embolada, a roupa está suja, amassada e ele fede a bebida – Sofia! – grita.

– Aqui, papai – falo indo até ele – O senhor bebeu? – pergunto o óbvio.

– Não é da sua conta menina – ele tomba para frente e cai de joelhos no chão, é uma cena deplorável – As coisas serão diferentes de agora em diante, Sofia – ele diz virando a garrafa de bebida que está em sua mão e me encara com um semblante estranho e eu mal poderia imaginar que estava prestes de começar o meu inferno na terra.

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