Capítulo 8

Camila

A esposa de Henrique direciona seu olhar para nós com uma expressão confusa. Percebo que ele está tenso e não sabe o que fazer. Divirto-me internamente com a situação. Ela não pode ser tão idiota. Deve saber reconhecer uma mulher que acabou de ter um orgasmo de contorcer os dedos dos pés. Mas, ainda assim, decido testá-la:

— Muito obrigada —  agradeço a Henrique. Ele me olha confuso e parece não entender. — Se você não me segurasse, eu teria caído. Acho que minha pressão baixou de repente — continuo dissimuladamente. Henrique parece finalmente entender a minha cena e entra também em ação:

— Não precisa agradecer — diz acenando de leve, tirando com relutância sua mão da minha cintura.

A esposa dele atenua a expressão. Aparentemente tentando convencer a si mesma de que seja essa a verdade. — Algum problema, Cristina? — pergunta ainda de costas para ela. 

— Você demorou... — explica hesitante. — Fiquei preocupada. 

Merda. Ela realmente o ama. Nenhuma mulher que quisesse por um fim ao casamento acreditaria numa desculpa dessas. Inalo uma inspiração profunda e aliso o meu vestido, caminhando lentamente em direção aos corredores. 

— Você não vem, Henrique? — ouço-a perguntar. 

— Espere um pouco, Cristina. Daqui a pouco eu te encontro na mesa — avisa num tom de voz tenso. Sorrio ao me dar conta do motivo de ele não se virar para ela. Henrique está completamente excitado e não seria nada convincente a nossa desculpa se sua esposa o visse nesse estado. 

Visualizo minha mãe sentada sozinha em uma mesa, olhando algumas crianças que brincam ao redor do jardim. Caminho ao seu encontro e sento-me ao seu lado. 

— Pela sua cara já sei que acabou de ter um orgasmo daqueles — afirma mamãe dando um sorriso divertido. 

— Sim — confirmo. — E fomos interrompidos pela mulher dele justamente quando eu iria retribuir. 

— Camila... — começa a falar me olhando fixamente — Você sabe o que precisa fazer.

— Sim, eu sei. Mas é difícil abrir mão de uma boa foda. 

— Não me venha com essa! Você não está fazendo isso apenas pelo sexo — indaga firmemente. — Você sabe que ele é casado. Notou, assim como eu,  que a mulher dele o ama. E como se não bastasse, é filho daquela mulher horrível!  

— Eu sei, mamãe. Vou resolver isso. Henrique está ocupando muito meus pensamentos... Não deveríamos ter ido além daquela noite. Aliás, aquela noite nem deveria ter acontecido. 

— É o melhor, querida. Para vocês dois — conforta-me colocando sua mão esquerda sobre a minha. — Você está se apaixonando, e isso não é bom.

— Eu não estou me apaixonando! — respondo com veemência. — Eu não me apaixono. 

— Você não se apaixonava — corrige ela. — Eu conheço você, minha filha. Você jamais passaria por cima dos seus ideais se não estivesse gostando desse Henrique — Solto um suspiro pesado e não a respondo. — Você sabe que digo isso para o seu bem. Só quero vê-la feliz — elucida apertando minha mão e a beijando. 

— Eu sei — assinto retribuindo o beijo em sua mão. 

— É muita coragem sua vir até aqui! — esbraveja uma voz atrás de mim. Mamãe transforma seu sorriso numa linha dura e levanta-se, me trazendo consigo. Fico ao lado dela e ergo os meus olhos para ver de quem se trata. A mãe de Henrique.

— Boa tarde para a senhora também — replico tentando manter o meu controle. Cristina vem logo atrás, claramente constrangida pela atitude da sogra. 

— Não me venha com essa! — retorque elevando o tom de voz, atraindo a atenção de algumas pessoas. — Você deveria se envergonhar de impor sua presença a essas crianças! Uma mulher como você não pode estar aqui!

— Uma mulher como eu? — questiono. — E o que seria uma mulher como eu? 

— Uma prostituta! 

— Eu não sou uma prostituta — respondo sem me alterar. — E ainda que eu fosse, isso não faria de mim alguém inferior. 

— Mas é mesmo uma sem-vergonha! Você não tem respeito por ninguém? 

— A senhora é que não sabe respeitar os outros! — replico, irritada. — Eu ajudo essas crianças. Faço isso por amor a elas, por saber que precisam de mim, e não é a senhora quem vai me impedir de fazer isso. 

— Sua vagabunda!

— O que é isso, mamãe? — questiona Henrique aproximando-se de nós. — O que a senhora está fazendo? 

— Estou colocando essa mulherzinha no lugar dela! — diz aos berros. 

Minha mãe dá um passo a frente, mas eu a detenho com um braço. 

— O meu lugar é onde eu quiser — replico a olhando firme. — Não é a senhora quem tem poder sobre mim. A única pessoa responsável por minhas atitudes sou eu mesma — Ela me lança um olhar repulsivo e cospe próximo aos meus pés.

— Eu tenho é pena dos homens que frequentam aquele seu bordel. E mais ainda dos que se deitam com você — Direciono meu olhar para Henrique, mas ele se mantém quieto, sem dizer nada. 

— A senhora deveria tomar cuidado com o que diz — aviso olhando diretamente para Henrique. — E não é um bordel, é uma Casa de Prazer — Dou as costas para ela e saio sem olhar para trás, segurando firme a mão da minha mãe. 

— Você não sabe o esforço que fiz para não bater naquela mulher! — explode minha mãe quando chegamos ao carro. 

— Sei sim. Foi o mesmo que o meu. 

— Você tem que manter distância dessas pessoas, minha filha — pede acariciando o meu rosto. 

— Eu vou, mamãe. Mas não sem antes ter minha pequena vingança contra Henrique. 

— O que pretende fazer? — pergunta, aflita. 

— Não gostei nada da sua covardia perante a mãe dele. Ele pagará por isso da melhor forma que eu conheço — explico com malícia na voz.

— Que seria? — pergunta mamãe com um sorriso nos lábios. 

— Prazer, mamãe. O meu prazer.

~~•~~

Deixo minha mãe em sua casa e sigo para o meu apartamento. Durante um sinal vermelho, digito uma mensagem para Caíque pedindo para que me encontre em alguns minutos. Ele responde quase que imediatamente confirmando.

Entro no meu apartamento e vou direto para o banheiro, tirando minha roupa no caminho. Solto um suspiro ao sentir o contato da água fria contra a minha pele quente, e rezo para que ela seja o suficiente para aliviar minha irritação.

Lido com mulheres como a mãe de Henrique o tempo todo. Mulheres essas arraigadas a valores e convenções sobre a conduta feminina que sempre fiz questão de manter longe da minha vida. Pessoas que usam dogmas religiosos para submeter e reprimir a liberdade da mulher. Tento ser indiferente, mas as vezes é difícil ouvir tantos absurdos calada. Para minha mãe também não é fácil. Eles a julgam e a acusam de não ter me ensinado a comportar-me como uma mulher de respeito. Eu agradeço todos os dias pela mãe que tenho. Pela liberdade que ela sempre me deu para fazer as escolhas que quis para a minha vida. Meu pai faleceu quando eu tinha doze anos e ela teve que ser forte por mim e por ela durante muito tempo. 

Sinto falta da época em que tia Malu viera morar conosco. Ela estava sempre com um sorriso no rosto e com um namorado diferente. Ela está há dois anos morando no sul do país com um homem que, segundo ela, é tudo o que sempre quis. Fico feliz por ela, mas triste por desde então minha mãe passar mais tempo sozinha naquela casa tão grande. Ela se recusa a vender o imóvel e nega todos os meus pedidos para que venha morar comigo. 

Saio do banho e vou até o meu closet, tirando de lá um conjunto de short e blusa monocromáticos em tom lilás e lingerie preta. Visto-me e calço um par de sandálias rasteiras, prendendo o meu cabelo num coque abacaxi no momento em que a campainha toca. Caminho até a sala e abro a porta, ganhando o vislumbre de um lindo homem e seu cabelo Black Power, que esbanja estilo e graciosidade. 

— Oi, meu doce — cumprimenta Caíque puxando-me pela cintura e dando um beijo em meu pescoço. 

— Oi — respondo envolvendo meu braço em seus quadris. Conduzo-o para dentro, fechando a porta atrás de mim.

— Preciso da sua ajuda — digo sentando-me ao seu lado no sofá. 

— Conheço este olhar — fala sorrindo maliciosamente. — Estou até com pena do sujeito — ironiza tentando conter o sorriso. 

— Não sinta — peço mordiscando os meus lábios. — Ele merece tudo o que pretendo fazer.

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