O primeiro olhar

   Os passos dados pela rainha ecoavam pela sala do trono depois que Erick e o comandante Axel se retiraram do local. O nervosismo logo tomou conta de seu corpo, como se sentisse que algo estava errado com relação ao rapaz que estava ali há poucos minutos. Notando a expressão preocupada se sua amada esposa, o rei lhe chamou a atenção, fazendo com que ela o olhasse de volta.

   – O que você tem, querida?

   – Não quero te aborrecer, mas não me sinto muito segura sobre este rapaz. Será que ele é a melhor opção para Ariana?

   – Não se preocupe. Como eu disse, nós fizemos diversos testes com ele durante esses cinco meses e ele se demonstrou fiel e leal, além de fazer sempre o esperado por mim e pelo comandante. Se ele quisesse o nosso mal, não acha que ele já teria me matado quando o desafiei para um duelo? Antes mesmo disso, quando ele estava com a minha espada na minha frente enquanto eu estava completamente desarmado?

   A rainha voltou ao seu lugar esperando que seu marido tivesse razão. Mesmo que Erick parecesse diferente aos seus olhos, ela confiaria em Atter e tentaria se acalmar diante desta situação.

   Em seus aposentos, a princesa Ariana estava penteando seus longos cabelos ruivos para fazer uma trança para dormir, enquanto relembrava seu dia cheio de compromissos. Ao se levantar de sua penteadeira, a mesma tirou sua capa de ceda a fim de se deitar, mas antes que enfim colocasse sua cabeça sobre o travesseiro, ouviu a voz de um dos empregados atrás de sua porta.

   – Sim? – A doce voz da princesa foi ouvida pelo homem que a chamava.

   – O rei deseja lhe ver neste momento na sala do trono.

   O que estava acontecendo? Seu pai raramente a chamava para algo no salão, muito menos a esse horário. Ao se levantar, Ariana colocou um vestido mais simples da cor azul, sua preferida, para estar apresentável diante de seus pais, enfim saindo de seu quarto.

   Erick com suas poucas coisas que trouxe amarradas em um saco de pano que levava nas costas chegava ao palácio adentrando na sala do trono, se curvando diante do rei e da rainha. Sua mente estava trabalhando em imagens que poderiam ser parecidas com o quarto em que ele ficaria. Tudo era muito luxuoso para ele que viveu desde sempre no Vale da Escuridão, onde tudo era extremamente pobre e sem vida.

   Ao chegar finalmente à sala do trono, abriram-se as portas para que ela entrasse e fosse até seus pais. Notando que havia um desconhecido diante dos soberanos, Ariana se sentiu ainda mais confusa ao tentar entender o que estava acontecendo naquele momento. Quem era aquele rapaz que ela ainda não conseguia ver o rosto por estar curvado? Passando por ele e subindo os degraus para ficar ao lado de seus pais, a princesa se curvou a eles os cumprimentando.

   – Boa noite mamãe, papai.

   – Boa noite querida. Mandei que te chamassem, pois precisamos ter uma conversa séria. Você deve ter notado a presença deste rapaz, ele será o seu guardião a partir de hoje. Um guerreiro extremamente preparado para cuidar e proteger você por onde você ande. – O rei dizia estendendo a mão em direção ao rapaz.

   Há alguns anos a princesa havia ouvido sobre ter um guardião, mas nunca achou que aconteceria de verdade. Mas agora, ele estava bem ali e ela realmente não sabia se ter alguém com ela durante o dia todo seria algo bom ou ruim, até que enfim ela virou o rosto para ver de quem seu pai falava com tanta segurança. Quando seus olhos pousaram sobre o rapaz, sentiu um arrepio percorrer pelo seu corpo como algo que ela jamais sentiu antes. Curvado com o rosto apontando para o chão, com suas coisas ao lado de seu corpo, não dava para se ver muito, porém era notável que o rapaz tinha um porte físico forte, com certeza devido ao seu treinamento para se tornar seu guardião. Ariana não entendia bem o porquê de ela precisar tanto de alguém valente para protegê-la, pois tudo o que seus pais disseram era que o reino tinha alguns inimigos e certamente ela sendo a próxima herdeira do trono, tentariam tirar sua vida. Então ela preferia acreditar em seus pais, pois, além disso, era apenas para protegê-la.

   Erick em seu lugar de cabeça baixa, pensava em finalmente olhar para o rosto daquela garota que tinha seus dias contados. Se não fosse por seu pai ter tirado o trono de Abnorú talvez hoje ela tivesse a oportunidade de viver, mas de maneira nenhuma ele deveria ter piedade da garota, pois de qualquer maneira ele havia escolhido guardar o que sua mãe lhe contou para ele, pois assim ele teria o trono, mesmo não sendo dele por direito. Quando finalmente levantou seu rosto para ver a princesa, seus olhos subiram lentamente pelo vestido dela, até se encontrar com seus olhos. Como um choque por todo seu corpo, Erick sentiu sua pele arrepiar, e seu coração acelerar como nunca antes. Aqueles olhos verdes o faziam ficar hipnotizado por alguns segundos, os mais belos que ele já havia visto... Erick não esperava se comportar daquela maneira quando finalmente a visse, mas seu corpo ignorou seu cérebro que o mandava abaixar a cabeça ou parar de olhá-la, enquanto seu coração não conseguia parar de admirar sua beleza.

   Quando finalmente conseguiu se despertar daquele transe, baixou sua cabeça fechando os olhos enquanto repetia em sua mente:

   “Não se distraia, Erick. Você veio aqui para matá-la.”

   A princesa desviou o olhar assim que o rapaz fez o mesmo, pensando que ela deveria ter se comportado adequadamente e não ficar o observando como fez. Uma princesa deve agir com respeito e não se deixar levar por qualquer coisa que ela pudesse ter sentido naquele momento.

   – Seu nome é Erick, o quarto dele será ao lado do seu, pois assim será mais fácil chegar até você caso algo seja suspeito. Deverão ter respeito um pelo outro e conviver em paz, pois ficarão perto um do outro por um bom tempo, então uma amizade seria saudável entre vocês. Agora, sei que precisam de um tempo para se conhecer, então podem se retirar para seus devidos quartos.

   A princesa inclinou a cabeça e olhou para seu guardião esperando que ele a seguisse, e assim ele fez. A garota podia sentir uma onda de nervosismo dentro de si, sentindo-se intimidada ficando a sós com um rapaz que não conhecia. O que ela deveria fazer exatamente? Como deveriam agir um com o outro? Pelos corredores do palácio, ambos andavam em um silêncio constrangedor até que a princesa, inquieta, resolveu falar alguma coisa.

   – Desde quando você está treinando para se tornar meu guardião?

   – Faz cinco meses. – Erick respondeu sem a olhar de volta.

   – Você não é de ABAD, não é?

   – Não, eu era de Tórus, mas meu reino foi atacado e então eu vim para cá.

   – Ah, eu sinto muito. Você deveria ter família lá. – Ariana disse segurando suas mãos em sua frente, pensando se deveria ter falado aquilo.

   – Tudo bem, já aconteceu há muito tempo. – Erick respondeu andando ao lado da moça.

   O rapaz não imaginava se sentir tão intimidado com a presença de uma garota como ela. Sua beleza era algo tão forte que o fazia querer ficar a olhando, mas ao mesmo tempo ele reforçava em sua mente quais eram seus verdadeiros objetivos. Erick se sentia ameaçado ao sentir aquela nova sensação toda vez que lembrava como era seu rosto.

   Ariana, por sua vez, sentia seu coração palpitar ao estar tão perto de um rapaz tão bonito como ele. Seus olhos verdes pareciam tão misteriosos quando se encontraram com os dela há alguns minutos atrás, ainda mais com ele a olhando tão seriamente como estava. Talvez a princesa quisesse ler mentes naquele momento para saber no que ele estava pensando enquanto a olhava, pois, de alguma maneira ela sentia que o rapaz que a acompanhava até seus quartos seria um poço de silêncios cheio de mistério.

   – Quantos anos a princesa tem? – Erick perguntou olhando discretamente em sua direção.

   – Em dois meses eu farei dezenove anos, há sempre uma festa aqui no castelo, você irá gostar, é muito animada. – Ela disse com um sorriso meigo no rosto. – E você?

   – Tenho vinte e um, já fiz aniversário este ano, mas confesso que foram poucas as oportunidades em que pude comemorar.

   – É mesmo? E por quê?

   – Bem, minha família sempre foi pobre e... Havia outras prioridades... – Erick se lembrava de seu passado. – Porém minha mãe sempre dava um jeito de fazer um bolo de chocolate para mim. – Ele terminou sorrindo.

   Ariana sorriu por ouvir um pouco de seu guardião, percebendo que ele devia sentir falta da família. Quando ela levantou o olhar até ele, notou o sorriso do rapaz, que a fez sentir um arrepio novamente. Suas covinhas eram visíveis, fazendo com que aquele sorriso de canto alinhado ficasse ainda mais perfeito. Se ela pudesse ficaria olhando por um bom tempo.

   – Como a senhorita não se perde por esses corredores infinitos? – Erick perguntou fazendo a princesa sorrir involuntariamente

   – Já estou acostumada, mesmo com tantos corredores eu aprendi a não me perder por aqui. Com tantas aulas em diversas salas diferentes eu passo meu dia todo andando para lá e para cá.

   – Deve ser cansativo.

   – Às vezes, quando meu corpo quer apenas ficar na cama, mas sinceramente acho que não tenho tempo para me cansar. E você? Acha isso cansativo? Com certeza é muito pior treinar o dia todo junto com os outros soldados.

   – Talvez. Treinei desde a infância, então também já estou acostumado. Com isso, aprendi a me divertir com a espada quando estou treinando, porém é muito perigoso.

   – Você já se machucou perigosamente? Como em alguma batalha?

   – Várias vezes, uma delas foi ao peito. – Erick disse parando no lugar puxando sua camiseta para baixo a fim de mostrar seu ferimento já cicatrizado. – Tive que costurar sozinho a pele, e agora restam cicatrizes.

   Abismada, Ariana observava a pele do rapaz chegando mais perto dele. Nunca havia visto uma cicatriz tão aparente como aquela, pois nunca havia chegado perto de lugares perigosos onde encontraria pessoas assim. Sua mão se estendeu para tocar no peito de Erick, que a encarava sentindo seu coração acelerar novamente. Engolindo em seco, ele a olhava pensando no que ela pretendia fazer exatamente, ao mesmo tempo sentindo um desejo estranho o tomar, como se ele quisesse sentir sua mão.

   Quando a princesa se deu conta do que estava fazendo, se afastou do rapaz abaixando sua mão sentindo seu rosto ficar quente.

   – Me perdoe... Eu nunca havia visto uma cicatriz como a sua... Por isso eu... – Ela tentava dizer em meio ao constrangimento que sentia.

   – Tudo bem... A senhorita só queria ver... – Ele dizia nervoso.

   – Estamos... Estamos perto dos quartos. É logo ali em cima. – Ariana disse querendo acabar com aquele constrangimento enquanto apontava para as escadas.

   Os dois subiram as escadas largas com um grande tapete vermelho sobre elas, chegando enfim no corredor onde ficavam os quartos. Andando mais um pouco, ambos chegaram à frente da porta do quarto da princesa.

   – Bem... Este é o meu, então este deve ser o seu. – Ela disse apontando para a porta ao lado.

   – Obrigado, eu... Irei descansar agora, pois já está bem tarde e amanhã certamente a senhorita irá se levantar cedo. Pode me dizer que horas quer ser acordada?

   – Quanto a isso, não se preocupe, eu me arrumarei e encontrarei você em frente ao meu quarto, sempre às sete horas. Ah, e mais uma coisa, pode me chamar pelo meu nome, eu não me incomodo com isso. – Ariana disse sorrindo.

   – Tudo bem então, com licença. – Ele disse sorrindo de volta, dando boa noite logo em seguida.

   Entrando em seu quarto, ele respirava fundo olhando para cima enquanto pensava em tudo o que aconteceu até o momento. Ariana sem dúvidas era uma moça muito bonita, mas isso não poderia ser um detalhe a estragar toda uma trajetória na qual ele tinha planejado durante muito tempo em trilhar. Ele não poderia se distrair do que veio fazer, e ele iria até o fim. 

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