Quem sou eu?

   A noite já havia caído e dentro da vila, na casa mais afastada possível, estava um casal, ambos muito conhecidos pela sociedade. Ela por suas façanhas, e ele, por ser um fiel soldado de ABAD.

   – Já lhe disse, ninguém vai pegá-lo aqui, e quem procuraria por você a essa hora da noite? – Disse Adelly ao seu amante Axel, enquanto estava deitada em sua cama comendo um cacho de uvas.

   – Se me pegarem nessa casa eu estou fora do exército. Pior, morto! – Ele respondeu nervoso.

   Adelly riu do medo do homem a sua frente, largando as uvas em um pequeno prato, se sentando para poder olhá-lo melhor.

   – Você com medo? Você não é o grande Axel, o valente guerreiro que vence todas as batalhas do rei Akír? Que diferença faz morrer aqui ou em uma batalha? Além disso, como eu já disse aqui você está totalmente seguro, e com uma ótima companhia... – Ela disse sorrindo enquanto erguia seu vestido vermelho deixando à mostra suas belas pernas, vendo os olhos hipnotizados do homem.

   – Bem... Alguns riscos valem a pena... – Axel sussurrou levantando de onde estava, passando sua mão pela perna da exilada, iniciando um beijo ardente e apaixonado na moça. Ali, começou uma noite que daria início a grandes coisas.

   Mais tarde naquela noite, Adelly pegava um copo de água enquanto observava a noite de sua janela. Por um momento suas lembranças voaram até o dia em que viu sua mãe pela última vez. Sorridente como sempre, mesmo deitada em uma cama desconfortável, sabendo que nunca mais sairia dali. Se Adelly tivesse olhado seus frascos antes de sair da casa na floresta, ela perceberia que alguém havia trocado o remédio por um veneno. Só poderia ser ela, Abina. 

   – No que será que essa mulher maravilhosa tanto pensa? – Disse Axel envolvendo seus braços ao redor da cintura da moça.

   Adelly sorriu ao sentir Axel perto dela, mas mesmo o tendo ali, ainda havia uma dúvida em que ela nunca havia perguntado pelo medo de qual resposta teria. Seu coração pertencia a ele, mas sabia que ele não largaria seus privilégios de ser um oficial importante do maior reino da terra para poder fugir com ela. Talvez fosse por isso que Adelly fortalecia tanto a ideia de ser a rainha de ABAD, pois assim ela manteria longe a ideia de que esse amor poderia dar certo.

   – Você concorda com o que esse povo acha que eu sou?

   Surpreso, Axel se afastou lentamente se escorando na mesa no canto da sala. Axel sabia que um dia tal pergunta surgiria em seus lábios e, dependendo do que ele respondesse, ele a perderia para sempre.

   – Claro que não, meu amor. Eu estava lá naquele dia, e lembro perfeitamente de como você saiu de sua casa chorando alto. Além disso, você me contou tudo o que aconteceu, desde a sua jornada até a casa de sua tia, até sua volta e também como descobriu que a bebida que sua mãe tomou era veneno e não o remédio que você fez para ela.

   – Não só por essas coisas... Também tenho essa mecha branca, na qual todos pensam que é o sinal do meu poder. Estou tão farta disso, fui incriminada por algo que não fiz, além de todos serem meus inimigos por acharem que eu sou uma feiticeira... – Disse a moça sentando na cama com as mãos no rosto.

   O soldado se dirigiu até a cama de Adelly se sentando ao lado dela, pegando as mãos da mesma a fazendo olhar para ele.

   – Eu sei que nada disso é real. Eu acredito totalmente em você, sei que você só queria que sua mãe ficasse saudável, mas infelizmente essa tragédia aconteceu... Mas quero que saiba que eu sempre vou estar ao seu lado, e te defenderei quando for preciso, porque você se tornou alguém mais do que especial para mim, Adelly, mesmo sabendo que não tenho como competir com Abnorú por você... Ele em breve será o rei e... Eu... Se ele me quiser, me tornarei o novo comandante do exército.

   – O quê? – Ela se levantou rapidamente pela surpresa.

   – Seria o ponto alto da minha vida ao ter este cargo, mas sabendo da minha amizade com o príncipe Atter, creio que minhas chances de alcançar isso serão drasticamente diminuídas. No final das contas, talvez eu perca as duas coisas mais importantes da minha vida...

   Adelly baixou o olhar triste por ouvir aquelas palavras dita por alguém que ela sempre sonhou em ouvir. Uma declaração dada entrelinhas, que mesmo sendo correspondida, algo fazia Adelly pensar que a vingança era mais importante do que o amor que ela sentia por ele.

   Alguns dias se passaram, e Atter juntamente de Alina estavam cada dia mais apaixonados. O casal continuava se encontrando às escondidas no rio e em ocasiões especiais, no monte, onde pensavam no futuro, como uma barreira a se enfrentar juntos. Embora toda a preocupação que sentiam por em breve serem as duas pessoas mais importantes do maior reino e, portanto serem o alvo principal de seu irmão, ambos sabiam que o reinado próximo não seria apenas temer a qualquer ameaça, mas governar com sabedoria e justiça outros casos, menos importantes ou até mesmo mais, como futuras guerras. Mesmo sabendo que Abnorú poderia estar ligado a qualquer destas alternativas.

   Entretanto, eles precisavam dar o primeiro passo desta nova jornada, e com isso o jovem rapaz estava ansioso por um tempo a sós com seus pais para pedir a benção de uma nova união que, acreditando ele, só trariam benefícios a ele e ao reino.

   A noite havia chegado e o príncipe estava esperando o oficial terminar de conversar com os soberanos, até observá-los saindo da sala do trono. Correndo em suas direções, o príncipe conseguiu alcançar seu pai que se despedia do homem.

   – Pai, eu preciso falar com o senhor e com a mamãe.

   Akír estendeu sua mão até o ombro do filho e o guiou até seus aposentos reais, onde sua amada rainha estava deitada comendo algumas frutas enquanto conversava com sua serva. Quando notou a presença de seu marido e de seu filho, pediu para que a mulher saísse, estranhando o fato de seu filho mais novo estar no quarto dos soberanos.

   – Aconteceu alguma coisa? – Ela perguntou se levantando da cama.

   – Nosso filho veio ao meu encontro pedindo para conversar conosco. Creio ser algo importante que não possa ser deixado para o dia seguinte, então aqui estamos.

   Os soberanos se sentaram novamente esperando que Atter contasse o que parecia estar tão ansioso e nervoso. O mesmo soltou um suspiro enquanto olhando para cima, abrindo a boca para contar a ideia que teve.

   – Durante alguns dias, eu estive pensando em como faríamos para que Abnorú não se opusesse à coroação, e eu cheguei a uma conclusão. Há algum tempo eu venho me encontrando com uma moça na qual eu estou completamente apaixonado. Seu nome é Alina, e é uma moça direita e muito respeitada. Eu e ela temos ideias semelhantes e ela está ciente da responsabilidade que virá sobre ela quando se tornar a minha rainha, com a benção de vocês, é claro. E pensando nisso, tive a ideia de anteceder o dia da coroação e fazê-lo no mesmo dia do nosso casamento. Assim, meu irmão não terá a menor das vontades de estar lá ou saber sobre. Então eu serei coroado e quando ele se der conta, não poderá fazer nada. 

   Akír se levantou sem dizer uma palavra começando a andar pelo quarto, parecendo pensar sobre o que acabou de ouvir. Já a rainha entrelaçou seus dedos tentando lembrar onde já ouviu seu nome.

   – Não vou negar que é uma boa ideia, mas você tem certeza que essa moça trará benefícios para ABAD? – Perguntou o rei se virando para o filho.

   – Sem dúvidas. Alina é uma mulher forte e determinada, além de ser muito inteligente. Ela é irmã de um dos fortes soldados do reino e, seu pai, já lutou muito por ABAD.

   – Ela parece ser uma boa moça, Akír, não seja tão duro. O menino está apaixonado e, sabemos que Atter é consciente de tudo o que pode acontecer. Nós o escolhemos com confiança, não foi? Vamos confiar nele novamente, tenho certeza que ele está fazendo a escolha certa.  

   O rei após alguns minutos pensando bem concordou com sua esposa e deu sua benção ao filho mais novo, e assim eles poderiam prosseguir com tudo o que haviam planejado.

   Finalmente o dia tão esperado havia chegado, o grande dia da coroação. Atter mal havia conseguido dormir à noite pensando no dia glorioso que teria, sendo seu casamento e sua coroação. Seguindo as normas de seu reino, no qual era o único que coroava novos reis aos vinte e cinco anos, não importando se o antigo rei já havia deixado a todos ou não, ele mesmo sendo mais novo, estava animado para esse momento. As coisas pareciam estar dando certo para ele, e enfim poderia fazer tudo o que sempre desejou. Embora com tanta felicidade em seu coração, ainda tinha um espaço preenchido pelo medo e a insegurança de saber que seu irmão estava no mesmo palácio. Mesmo cogitando a ideia de pedir algo para Adelly para que seu irmão dormisse durante todo o tempo, preferiu não se envolver com qualquer assunto que estivesse relacionado a ela. O rapaz acreditava fielmente que Adelly era uma mulher incomum, assim como o povo acreditava, estando com seu pai ao não gostar muito da ideia de apenas a exilar.

   Muitas pessoas transitavam pelo palácio organizando a festa, com decorações, comidas e muita música, acreditando que Abnorú não escutaria por dormir como um urso hibernando, além de ter o quarto mais afastado do salão principal.

   Poucas pessoas haviam sido convidadas, mesmo sendo uma data duplamente importante, pois ainda assim ambos queriam ser discretos, mas isso não duraria para sempre.

   Atter já estava em seus aposentos sendo ajudado a se vestir com alguns servos e o próprio soberano que estava emocionado com aquele momento. Sem dúvidas não era o que ele havia imaginado durante anos. Quem deveria estar ali era Abnorú, pois ele era o primogênito, mas mesmo assim Akír estava transbordando de alegria ao saber que ainda estava coroando um de seus filhos, o melhor que ele poderia escolher.

   – Você está tão majestoso meu filho... Lembro-me de quando era eu em seu lugar. Eu estava tão nervoso, minhas pernas tremiam! Mas foi tudo tão maravilhoso, e tem sido até o dia de hoje. Quero que saiba que estou muito feliz por estar vivendo esse momento com você, Atter, e também quero lhe desejar que você governe este reino como sempre tem sido com as pessoas, com gentileza, justiça, força e coragem. Você viverá grandes coisas, meu querido, eu sei disso. Eu amo você.

   O príncipe segurava as lágrimas ao ouvir aquelas palavras do pai. Era muito difícil ouvir tão descaradamente que ele o amava, mas ele entendia isso através do cuidado que ele tinha por ele. Sendo em treinar com ele, ou apenas o encontrando durante a madrugada na cozinha para comer um pedaço de torta que deveria ser para o dia seguinte. Atter o amava também e fazia questão de dizer isso sempre que podia.

   A rainha Amelina estava deslumbrada com o vestido de sua nora, que se olhava em frente ao espelho com lágrimas escorrendo por suas bochechas. Era um vestido lindo, com pequenas pedras preciosas no corpete se abrindo em um vestido armado, com um véu longo. Seu pescoço estava enfeitado com um colar delicado com uma pedraria azul que Atter havia dado a ela em seu aniversário.

   – Minha querida, você está linda! – Disse a rainha com as mãos em frente à boca impressionada.

   – Ah céus, não consigo acreditar que esse momento está mesmo acontecendo! – Disse Alina virando de lado para observar melhor seu vestido de noiva.

   – Pois acredite! Estou muito feliz de estar vivendo este momento com a mulher que meu filho escolheu, uma moça tão bonita e especial como você! Era o que eu sonhava para... Mas infelizmente ele se envolveu com aquela mulher... – Sussurrou a rainha tentando segurar o choro ao se lembrar do caso.

   – Acho que sei o motivo pelo qual a senhora a exilou. No fundo Adelly é uma boa pessoa, eu acredito nisso e sei que a senhora também. A senhora também acha que ela é inocente, e eu acredito que essa história toda irá se resolver em breve. Entretanto, sobre o príncipe Abnorú, vamos deixar que o tempo nos diga o que ele vai se tornar. – A noiva disse segurando as mãos da rainha.

   – Você tem razão, só o tempo dirá sobre meu filho... Agora, que homem de sorte é Atter por ter encontrado você, minha querida, tenho certeza de que vai ajudá-lo em suas decisões. Creio que você será uma boa rainha, se souber dosar bem o coração e a razão.

   – Muito obrigada minha rainha. – Se curvou Alina diante da mãe de seu futuro esposo.

   – Não! Não se curve! Não há necessidade, em breve não serei mais a rainha! Você terá de herdar esta responsabilidade.

   Alina sorriu enquanto pegava seu vestido, se preparando para ir, pois o que ela mais queria era se encontrar com Atter. Era tão intrigante pensar que ela se tornaria a nova rainha, alguém que representaria as mulheres no reino e que cuidaria de tudo que seu marido não pudesse resolver. Alina esperava mesmo poder estar à altura do que todos esperavam para esse novo ciclo.

   Atter estava nervoso diante daquele altar, batendo a ponta de seu pé no chão enquanto mordia seu lábio pensando que a qualquer momento sua amada entraria por aquela porta, com seu lindo sorriso encantador. Ele tentava não demonstrar o quanto tremia, enquanto sorria para aqueles que ele notava estar o observando. Seu coração pulsava rapidamente ansiando por vê-la, senti-la, tê-la completamente.

   Por fim, a música começou a tocar indicando que os portões do grande salão seriam abertos para dar passagem à noiva. Atter sentiu seu corpo estremecer por completo, enquanto ajeitava sua postura olhando diretamente para a porta. Quando escutou as mesmas rangendo, seu coração acelerou e se abriu um sorriso imenso ao vê-la entrando. Ah, ela estava tão linda... Aquele vestido não seria tão perfeito se não fosse ela quem estivesse vestindo. Alina estava simplesmente magnífica!

   O barulho não era tão discreto para um homem que coincidentemente não conseguia dormir direito, como se sentisse que algo errado estava acontecendo. O que era isso? Que barulheira toda era aquela? E a música? Estava acontecendo alguma festa? Como foram capazes de não o avisarem? Impaciente por tais circunstâncias, Abnorú se levantou de sua cama se direcionando para onde os barulhos vinham. Cada vez mais perto, o príncipe escutava o nome de seu irmão sendo proclamado, o deixando ainda mais confuso e irritado. Que festa era essa que envolvia seu irmãozinho inútil?

   Ao se deparar com a porta que revelaria o que estava de fato acontecendo, Abnorú ouviu as palavras nas quais seria atormentado por toda sua vida.

   – Recebam agora, seu novo e majestoso rei Atter, e sua esposa, rainha Alina!

   – Viva o rei Atter e a rainha Alina! – Todos gritaram erguendo suas taças de vinho.

    O ódio consumiu seu corpo de uma maneira que o fazia ferver por dentro, e com toda sua força, o homem abriu as portas do salão, olhando seus novos inimigos com seus olhos tão cortantes como uma espada. Isso acabaria em breve, Atter estava com os dias contados, e quando todos menos esperassem, Abnorú sentaria naquele trono mostrando a todos quem estava no poder.

   Amelina estava assustada olhando para seu primogênito, que estava parado olhando para todos, parecendo pensar no que fazer naquele momento. O silêncio machucava os ouvidos daqueles que sabiam do que aquele homem era capaz, e mesmo sabendo disso, Amelina ergueu a cabeça, pronta para fazer o que fosse preciso para que nenhum de seus filhos saísse machucado. Quando sentiu a mão de seu marido segurar a dela, a mesma se sentiu mais forte para o que viria a partir dali, e sabia que teria o apoio e o cuidado dele caso algo imprevisto e fora de seus controles acontecesse.

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