Mudanças

   No castelo, a rainha Amelina andava nervosa de um lado para o outro esperando que um de seus filhos chegasse ao palácio. Com uma das mãos na cabeça, ela tentava acalmar sua terrível dor ao pensar que Abnorú poderia estar com aquela moça. Há três anos quando ela interviu na sua morte certeira, a rainha com certeza não imaginava que Adelly causaria problemas para ela agora. Talvez tivesse sido melhor ter deixado que ela morresse no passado, mas se ela contasse agora sobre ela e seu filho para Akír, com certeza as coisas piorariam.

   O rei, por sua vez, estava sentado no trono com uma das mãos apoiando o queixo, enquanto relembrava os primeiros momentos que teve com seu filho. O dia em que ele nasceu, quando Akír jurou para a esposa que os dois estariam juntos para coroar seu primogênito. Era doloroso quando o rei cogitava a hipótese de que as coisas não seriam assim, de que seu filho nunca chegaria ao trono, da coroa, e da responsabilidade de cuidar das pessoas. Ao olhar para sua amada esposa preocupada perambulando por todos os lados, o rei se levantou e andou em sua direção, confortando a mulher em seus braços.

   De repente o príncipe Atter chegou andando devagar com o semblante nervoso. No mesmo instante seus pais foram até ele e seguraram suas mãos esperando que o rapaz começasse a falar se encontrou ou não seu irmão. Entretanto, Atter não sabia se contava a verdade ou se deixava que seu irmão resolvesse sua vida sozinho, como sempre quis.

   – Querido, você o encontrou?

   – Eu... – O rapaz não conseguia encarar seus pais, não era de seu feitio mentir, e sabendo disso, sua mãe o pediu para que ele a olhasse, falando com o olhar que independente de onde ou com quem Abnorú estivesse ele devia contar.

   Atter olhou para o chão em sinal de chateação, e começou a contar tudo o que aconteceu:

   – Eu o achei. Ele estava com... Adelly.

   – Adelly... A exilada... – A rainha repetia se virando de costas segurando suas lágrimas. – E agora? Se alguém o vir, irão cobrar o decreto! Eu preciso ir atrás dele!

   Amelina correu em direção à porta da sala do trono, mas antes que pudesse chegar aos corredores, Atter a alcançou e pediu para que ela voltasse:

   – Por favor, mãe, é perigoso, meu pai não poderá fazer nada caso você seja vista com eles também. Vamos torcer para que ele volte para casa sem que ninguém saiba o que está acontecendo. Além disso, que respeito meu irmão terá quando for rei se descobrirem quem ele é, ou quando a virem correndo atrás dele por todos os cantos?

   – Eu não me importo com o que pensem! Eu quero que meu filho viva! Saia da minha frente Atter! – A rainha gritou em meio ao choro.

   – Escute seu filho, minha querida, Atter tem razão, eu sei o quanto você quer que ele volte, e eu também! Mas... Ele escolheu isso, deixe que ele volte por conta própria. E quando chegar, nós resolveremos isso.

   Os dois conseguiram convencer a rainha de que o melhor a se fazer era esperar, e com isso, Atter a levou para deitar um pouco e descansar. Poucos minutos depois o rapaz estava de volta à sala do trono onde seu pai estava conversando com o comandante.

   – Com licença majestades, tenho que voltar ao meu lugar. – Disse o homem enquanto se curvava para seus superiores.

   – E então? Como ela está?

   – Dormindo, conseguimos a acalmar. Estou aliviado por isso... Mas eu vim aqui novamente para falar de outra coisa.

   Akír se inclinou para frente pronto para ouvir o que seu filho tinha a dizer.

   – Bem... Primeiramente eu queria perguntar o que o senhor pretende fazer?

   – Eu não sei ainda, mas estive pensando sobre uma hipótese que pudesse funcionar, mas não posso deixar de pensar nas consequências que isso traria.

   – Sobre a Adelly... Meu irmão com certeza irá colocar a coroa da mamãe em sua cabeça e, eu estou preocupado com isso. O reino ABAD estará em perigo com ambos comandando por aqui, como o nosso povo agirá tendo que respeitar aquela mulher que era para estar morta para eles? Ou até mesmo como a própria Adelly agirá tendo o poder para mandar executar todos aqueles que queriam a sua morte? Não consigo nem imaginar o que Abnorú vai fazer. Ele se diverte fazendo atrocidades! Não tem piedade, compaixão, hoje mesmo ele destruiu todas as mercadorias de um mercador na vila, e o fez perdoar a dívida que tinha com ele, que com certeza é alta. Estou tão preocupado com tudo, com todos, e é tão estressante sentir que não posso fazer nada...

   O rei escutava atentamente cada palavra que o filho mais moço falava, seu desespero, sua vontade de fazer o que era certo, tudo o que ele falava era de fato algo que poderia acontecer. Mas, além disso, enquanto observava seu filho, ele fortaleceu mais ainda sua hipótese que poderia vir a se tornar concreta.

   A noite finalmente havia chegado, e todos estavam em seus aposentos dormindo, menos a rainha que olhava firme para o teto enquanto sua mente estava em outra realidade, onde Abnorú era um rapaz querido, como era quando bebê, governando sabiamente ABAD. Quando sentiu uma lágrima escorrer por seu rosto, sua mente a trouxe para o mundo real, onde seu filho era um monstro, que matava por diversão.

   A mulher não era a única a perder o sono naquela noite, seu marido também estava acordado deitado de lado pensando seriamente nas palavras que ouviu mais cedo. Ao se virar para ver se sua esposa estava acordada, ele tomou coragem e resolveu contar a solução que achou para que as coisas se ajeitassem.

   – Minha querida... Você já pensou em... Não coroar nosso filho Abnorú?

   – O quê? Por que está dizendo isso agora?

   – Bem... Sinto que estaríamos cometendo um grande erro ao fazer isso. Eu sei que ele é o nosso filho e que eu prometi que faríamos isso juntos, mas... Eu conversei com o Atter hoje e...

   – Você quer... – Amelina pausou sabendo aonde esta conversa chegaria.

   – Eu não falei para ele, é claro, queria conversar com você primeiro para ouvir sua opinião.

   Amelina levantou da cama e deu alguns passos pensando sobre o que o marido lhe disse. Atter era um rapaz excelente, querido, atencioso, tinha exatamente todos os requisitos para ser um bom rei, mas ele era muito novo para assumir tanta responsabilidade, sem contar que o problema não se resolveria em todo, como Abnorú agiria quando soubesse dessa troca?

   – Meu marido... Eu não sei se é uma boa ideia. Você está pensando só no reino, e Abnorú? Como iriamos contar para ele?

   – Eu ainda não sei... Mas sobre o Atter, todos no reino o admiram e o amam, além de preferirem a ele se tivessem que escolher. Atter governaria grandiosamente, com sua sabedoria, sua generosidade e acima de tudo, governaria com justiça. Eu sei que no fundo você sabe que este é o certo a se fazer, e saiba que não iremos abandonar nosso filho, Abnorú ficará vivo e bem, se depender de nós.

   – Atter é um ótimo rapaz, mas tenho medo que ele sofra com isso também.

   – Atter é forte, e vai saber lidar com essa honra que estaremos dando a ele. Devemos conversar com ambos, e dizer a eles sobre essa conversa.

   – Está bem, faremos assim. Espero que tudo fique bem entre os dois.  – Amelina disse tentando pensar positivamente sobre a decisão que haviam tomado.

   O casal deitou novamente esperando que conseguissem dormir um pouco, o que mesmo assim ainda parecia impossível. A mãe dos meninos mal dormiu o restante da noite, pensando em quais palavras usaria para conversar com o filho mais velho sem que ele ficasse furioso. Ela sabia do que ele era capaz, mas ainda não queria admitir para si mesma que seu filho havia se tornado um homem perigoso e vingativo.

   A noite estava linda com a lua iluminando as ruas largas da cidade, assim como na aldeia onde Abnorú ainda estava. Deitado em uma cama que não era sua, porém muito acostumado, ele observava Adelly prendendo seus cabelos para deitar.

   – É impressionante como você consegue ser a mulher mais bonita do reino! Eu não me canso de olhar para você.

   – É algo que eu escuto com frequência. – A moça disse se levantando e deitando ao lado do homem.

   – Não diga... Eu sei que você é uma mulher cobiçada e dorme com quem você deseja, mas... Sabe que um dia eu irei querer exclusividade. – Ele disse sorrindo enquanto puxava o queixo da mulher para si.

   – Você diz quando for... Rei?

   – Você não é nada ingênua não é? Mas sim, irei fazê-la minha rainha.

   – Eu iria adorar isso, viver cercada de luxo, servos, manjares, tudo do bom e do melhor, sem contar em mostrar a todos que me queriam morta que eu me tornei a rainha deles, sua soberana.

   – Não vou negar que você ficaria ótima usando aquela coroa, ficaria ainda mais excitante... – Abnorú disse se aproximando para beijá-la, mas Adelly se afastou levantando da cama.

   – Mas até lá, ainda há uma trajetória. Além disso, não tem medo de perder a coroação?

   – Eu não esqueceria tão fácil assim.

   – Eu quero dizer perder o trono para alguém, como o seu irmão, por exemplo.

   Abnorú se levantou andando até onde a mulher estava escorada na janela. Ele já havia pensado sobre isso, mas Atter não teria coragem de fazer isso, aliás, muito menos sua mãe. Abnorú sabia que tinha Amelina na palma da mão, e que se ele descobrisse algo parecido, bastava chorar para sua mãe que ele conseguiria o que queria. Sempre havia funcionado então de qualquer forma ele não precisava se preocupar com isso.

   – Quanto a isso, Atter é um adolescente medíocre que acha ser o certinho, o bonzinho da história, sem contar da minha mãe, então não precisamos nos preocupar com esses assuntos.

   – Sua mãe foi muito boa comigo, foi a única que ficou do meu lado quando todos me acusavam.

   – Teria o meu apoio se eu tivesse te conhecido nessa época.

   – Mas estou feliz que tenho você agora. – Adelly disse se levantando na ponta dos pés para beijá-lo. A noite dos dois ainda seria longa.

   No dia seguinte, o herdeiro do trono voltou ao palácio com uma terrível dor de cabeça devido ao vinho que tomou na noite passada. As escadas pareciam muito mais longas do que o normal para ele, principalmente quando ouviu sua mãe chamar por ele.

   – Filho! Ah meu querido! Finalmente você voltou para casa! Vamos, venha, eu vou mandar preparar um banho relaxante e também um banquete para... – Antes que a mulher pudesse continuar, seu filho a interrompeu com a voz elevada:

   – Chega mãe! Eu acabei de chegar e você já vem me encher a paciência? Eu preciso descansar. A noite de ontem foi divertida, mas estou morrendo de dor de cabeça.

   – Filho, você não devia ter encontrado aquela mulher de novo.

   – Ah fique calada! Eu cuido da minha vida, não preciso que me diga onde devo ir ou quando chegar! Agora me deixe sozinho! – ele dizia subindo as escadas.

   – Ela é exilada! Você sabe o que acontece se alguém perceber que vocês estão juntos! E não fará diferença nenhuma se você for o futuro rei ou não!

   Abnorú desceu novamente até sua mãe e a pegou pelo braço, olhando firmemente em seus olhos para que ela entendesse bem o que ele tinha para dizer:

   – Se você contar para alguém que estive com ela, pode ter certeza de que você sofrerá consequências graves. E sim, pode entender isso como uma ameaça, mas que isso não passe de uma simples ameaça, não é mamãe?

   Amelina encarou seu filho sentindo sua visão ficar embaralhada devido às lágrimas que se juntavam ali. Como ela havia permitido ele se tornar uma pessoa assim? Seu coração doía ao presenciar aquela cena, muito mais do que a dor que sentia em seu braço apertado. Sem mais nada a dizer, Abnorú largou sua mãe subindo as escadas rumo aos aposentos enquanto sua mãe ficava ali, parada sem saber o que fazer ou pensar direito. Tudo o que ela conseguiu fazer foi se sentar na ponta da escada e colocar as mãos no rosto enquanto chorava baixo. Abnorú havia se tornado um homem desprezível, e isso não poderia ser mudado tão rapidamente até o dia da coroação, mas ela ainda podia mudar o futuro do reino, fazendo o certo. Depois de alguns minutos abandonada naquela escada, a rainha se levantou e limpou o rosto, decidida a falar com seu marido. Bastava todo esse sofrimento, bastava tentar ajudar aquele que não merecia, Amelina iria fazer o que for preciso para que Atter se tornasse o rei e que Abnorú não se intrometesse nesse assunto, senão, as graves consequências iriam ocorrer com ele mesmo.

   Apressada, a rainha andou até a sala do trono onde seu marido estava, pronta para apoiar totalmente a decisão de coroar Atter, pois ele sim merecia ter a honra de usar a coroa e ter o reino sob sua responsabilidade. Não Abnorú.

   Akír estava sentado observando alguns papeis que o comandante o mostrava. Parecia ocupado, mas o que ela tinha para falar também era importante. Talvez até mais.

   – Com licença, meu marido, mas preciso conversar com você. É urgente.

   O rei suspirou pedindo que seu comandante voltasse em outro momento e o mesmo concordou, se curvando e saindo do local. Akír se levantou e andou até a esposa que se esforçava para não demonstrar seu nervosismo, embora seu coração estivesse prestes a pular para fora de seu corpo.

   – O que aconteceu, meu amor?

   – Está decidido, Atter será coroado no lugar de Abnorú no mesmo dia em que está marcado. Mas por enquanto eu acho melhor não contarmos para Abnorú, talvez até o dia da coroação. Nós sabemos que não podemos dar conta dele, então acho melhor mantermos isso em segredo.

   – Ah... Eu queria que as coisas fossem diferentes... Mas esse é o melhor caminho que podemos seguir nesse momento. Faremos como você disse minha querida, obrigada por ter decidido fazer isso de verdade.

   Amelina sorriu tristemente enquanto o marido agia da mesma forma. Era o certo a se fazer, por mais que doesse ver no que o filho se transformou. Além disso, eles também tinham que pensar em Atter que também era seu filho, e que importava tanto quanto Abnorú.

   – Você quer ir falar com o Atter? Ele precisará saber disso. – A voz forte e única de Akír soou nos ouvidos da rainha que concordou com a cabeça, e lá foram os soberanos.

   O príncipe estava em seus aposentos se preparando para dar um mergulho no rio ABAD, aonde ele ia frequentemente para pensar sobre seus planos de vida, seus medos, seus objetivos, e também para pensar sobre como ele deveria se aproximar de uma bela jovem da aldeia, a doce e ao mesmo tempo durona jovem Alina.

   Era incrível como um pequeno esbarro poderia resultar em um jovem que lembrava todos os dias aquele rosto tão lindo. Alina era uma moça encantadora para ele, mesmo ele sabendo que ela se esforçava para não gostar dele, sem motivo aparente. Mas ele tinha esperanças de que um dia Alina iria olhar para ele com outros olhos.

   Quando finalmente pegou tudo o que precisava, o príncipe ouviu algumas batidas na porta de seu quarto. Poderia ser alguma serva vindo fazer o seu trabalho, ou então Axel, seu melhor amigo e valente guerreiro de ABAD. Porém quando o rapaz abriu sua porta e deu de cara com seus pais com um semblante nervoso, imediatamente ficou sem fala, estranhando sua aparição nada rotineira. O que será que havia acontecido? Abnorú havia finalmente voltado para o castelo? Ou ele fez algo ruim novamente? Milhares de pensamentos envolvendo seu irmão passaram por sua mente, o fazendo tirar seu nome das possibilidades totalmente.

   – Precisamos ter uma conversa séria com você. Por favor, sente-se. – Disse o rei apontando a cama para o rapaz.

   Nervoso, o príncipe concordou se sentando aos pés da cama observando seus pais nervosos em escolher quais palavras usar.

   – Atter, Eu e sua mãe, assim como todos do reino já notamos que você e Abnorú são muito diferentes. Abnorú é malvado, cruel e egoísta, já você é um jovem educado, gentil e cuidadoso, você tem toda a capacidade de governar, pois eu já andei observando você há algum tempo. Nós... Acreditamos que a melhor pessoa para receber a coroa e continuar com a linhagem real é você. Por isso estamos aqui para falar que você, Atter, será o novo rei de ABAD.

   Os olhos do príncipe se arregalaram quando ele percebeu o que acabou de escutar, ao mesmo tempo em que sentiu seu coração acelerar como nunca antes. Aquela notícia tão de repente fez com que Atter ficasse um pouco tonto, fechando os olhos com força. É claro que ele havia sido pego de surpresa, mas ao pensar sobre como aquilo poderia ser incrível, como ele poderia administrar seu reinado e governar justamente, que era o que mais lhe impressionava, ele sentia que poderia dar conta. Entretanto, logo veio seu irmão em seus pensamentos, como ele reagiu ao saber disso? Ou na verdade, ele ainda não sabe?

   – Meu irmão sabe disso? – Atter perguntou com as mãos passando pelos seus cabelos ruivos.

   – Não, e é melhor não ficar sabendo, pelo menos por enquanto. Nós sabemos quem ele é, mas mesmo assim eu ficaria surpresa com o que ele seria capaz de fazer ao saber que não será mais o rei. – Disse a rainha apertando suas mãos contra seu vestido. Amelina não fazia ideia do quanto seria difícil estar falando aquelas palavras.

   – Vocês têm certeza de que estão tomando a decisão correta?

   – Eu confiei cegamente em alguém que me fez ameaças, não vou mais me fingir de desentendida sobre esse assunto. Está decidido, se alegre meu filho, e também se prepare, porque você será o novo rei deste reino.

   – O novo rei... – Pensava alto o príncipe, analisando cada informação que recebeu ali naquele momento.

   Ele logo aceitou a ideia acreditando que iria se sair bem se agisse como seus pais durante todos os seus anos de reinado. Iria ser forte e corajoso, justo e fiel em suas palavras, sábio e generoso, ele iria se espelhar totalmente em como seus pais governaram ABAD por tanto tempo. E assim, ele se tornaria aquilo que todos queriam desde que ele nasceu. O novo rei.

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