05: Livros

Os raios do sol perfuraram as fendas na janela do meu quarto e me fizeram acordar.

De alguma forma, minha mãe entrou no meu quarto à noite, tirou os meus sapatos e me cobriu com o cobertor.

Desde o que aconteceu, esta foi a primeira vez que eu dormi bem. Não sei o porquê, mas eu sei que o livro que o garoto Ki-suco me emprestou, tem a ver com isso. Ninguém nunca emprestou um livro, nem uma caneta, nem uma borracha ou qualquer coisa e sem me conhecer, ele emprestou.

Ontem no ônibus, foi como uma dessas cenas de filmes, ou livros, como em “Eleanor e Park”, só que o Aquarela não é mestiço, eu não sou ruiva e não nos parecemos nada como o livro. Ele é... distante e sorridente, porém ainda distante.

Com os meus pensamentos á mil, separei minhas roupas para o Colégio e fui para o banho.

Antes de ligar o chuveiro, despi-me e me observei com o espelho. Se as pessoas percebessem bem, talvez notariam que eu perdi 4 quilos e que minhas roupas estão começando a se soltar no corpo, mas ninguém, nem mesmo a minha mãe, que é paranoica e superprotetora, percebeu. Há também minhas marcas, eles estão em tantas partes, que em breve, não poderei escondê-las dentro de mim.

Assim que fui à cozinha, encontrei uma pilha de pratos sujos e um copo de água fervente secando no fogão.

A mãe anda esquecendo das coisas ultimamente, ela não faz muito esforço, às vezes ela gasta toda a tarde dormindo no sofá. Eu não a culpo, entendo seus motivos, afinal, papai a abandonou grávida, não sei como seria esse sentimento, mas não deveria ser bom. É difícil vê-la como ela está, principalmente por eu não poder fazer muito. Sou uma pessoa sem palavras, eu não saberia confortá-la.

Peguei alguns biscoitos do armário, comi-os e segui caminho até o ponto de ônibus escolar.

Quando chegou o ônibus, entrei e procurei o Ki-suco, mas ele não estava lá, o seu lugar estava vazio, eu senti frio, não consigo explicar, mas era como se o ônibus estivesse incompleto sem ele.

Caminhei até o assento, sentada junto à janela, esperei que ele chegasse, talvez estivesse apenas atrasado.

Longos segundos passaram, então o ônibus começou a andar de novo e uma menina sentada na poltrona do lado me encarou.

“Esqueça, ele não virá". Ela tinha um piercing dolorido (era no septo) cabelo curto como um menino, e usava roupas masculinas. Fiquei quieta, afinal, eu também não a conhecia. O que ela quis dizer com "Ele não vem?" Eu não estava esperando por ele, eu não tinha expectativas ... Talvez, bem, talvez eu quisesse vê-lo novamente, mas não entendi por que ela estava me dando declarações sobre alguém que eu nem conhecia o nome.

Durante a viagem, tentei fazer o meu melhor para não olhar de lado, sem ele lá, era como se eu estivesse indefesa. O próprio Ki-suco era uma barreira das pessoas, outras pessoas diziam ter medo dele, mas eu não.

Abri o livro que ele me emprestou, dei uma lida e, de vez em quando, percebi que a menina com aparência masculina estava reparando no livro nas minhas mãos.

O ônibus parou na frente da escola, então eu desci e segui em frente. Antes, eu costumava olhar para o horizonte esperando ver o Noah encostado no carro dele, agora, eu apenas ando.

As coisas estão confusas, andar, sentir, respirar e parar de respirar, tudo parece igualmente igual. Isso não deve ser bom, não é mesmo?

Eu andei de lado sem prestar atenção aos comentários sobre mim, afinal, o que as pessoas pensam sobre mim não me irrita mais.

No final do dia, ao segurar aquela lâmina, nada disso parecerá importante.

Aproximando do meu armário, eu podia ver o Noah no gramado com a sua namorada. Ele olhou para mim, mas eu desviei o olhar.

A Stéfany é uma pessoa mimada e ciumenta, a última vez que ela viu o Noah olhando alguém, ela ameaçou cortar o cabelo da menina que se aproximou dele. Ele foi meu primeiro amor... porque agora tudo o que posso sentir é a minha culpa.

Tudo poderia ter sido evitado, eu sei que foi minha culpa, mas foi ele quem me jogou na lata de lixo, quem me fez sentir um nada, que me fez rir quando o meu coração se despedaçou por dentro. Se ele fez todas essas coisas, como posso ainda assim, me sentir culpada?

Posso ouvi-los do outro lado, imagino como é a relação deles. O Noah chega do Colégio, joga basquete em casa, argumenta com o seu pai (provavelmente por conta de uma nota mais baixa), sobe para o quarto, desenha algo e depois ignora as mensagens da Stéfany que devem chegar a cada 10 segundos. De tudo, ele deve se lembrar dos erros que ele cometeu ao lado de seus "amigos" na escola, se sente culpado, muito culpado. Então, apenas para ouvir de alguém que o ama, vai para a casa da sua namorada, estaciona o carro e bate na porta. A Stéfany abre a porta com um short curto, um top rosa, uma maquiagem pesada e brincos grandes, sorri e beija o namorado, levando-o para dentro. Ela começa a se despir, então segue o ritmo e faz o mesmo com seu namorado, os pais dela não estão em casa, os dois vão para cima e ele sabe o que acontecerá, a Stéfany tenta fazer que o Noah não pareça exausto, mas são tentativas em vão, ela sabe que ele nunca foi seu e que ela nunca foi dele, como ninguém é de ninguém. Os dois fazem sexo, ele se sente experiente, mas em sua mente, a garota se deusa com ele, porque aos 16 anos de idade já tinha estado com caras mais firmes e bom cama, melhores do que ele. Então, quando eles finalmente terminam, ela diz que o ama, ele se sente melhor, mas ele sabe que são mentiras, porque a partir dela, tudo o que você pode esperar são falsas palavras e sentimentos de mentiras.

Voltando a realidade, sou pega de surpresa por uma bolinha de papel que é arremessada contra mim.

"Presta atenção para onde olha, sonsa!" a Stéfany diz irritada, perdendo o controle sobre si mesma.

Eu apenas viro o rosto, sentindo lágrimas se formarem no canto dos meus olhos.

Outra Melodia invade a minha cabeça.

“Acalme ela. Ela está me dando nos nervos. Você não a ama. Pare de mentir com essas palavras.” (Melanie Martinez, 2015.)

Abro o meu armário e vejo um pedaço de papel amassado cair no chão.

"Suas rosas. Elas têm espinhos? Uma rosa sem cores, ainda é uma rosa?

Um garoto sem falta de si mesmo,

Poderia tocar numa rosa desbotada?"

[...]

Os meus olhos encheram-se de lágrimas, respirei fundo e amassei o bilhete contra o peito.

Uma garota desbotada.

Um garoto sem qualidades.

O que isso importa?

A música continua tocando na minha cabeça.

Tinha sido o Noah, foi ele quem escreveu, eu tinha certeza que sim.

Eu limpei as lágrimas e segui em frente.

Uma parte de mim chora, ao saber que, sentimentos são arremessados como pedras, e que pouco importa o que o outro sente, quando se está no meio da fama, nada mais importa. Os adolescentes como o Noah são estúpidos por pensarem que a vida se resume apenas à escola.

Noah e eu nunca poderemos ser nada a mais do que somos um para o outro: desconhecidos.

Livros e mais livros, era tudo o que eu queria ganhar, mas infelizmente, o garoto Aquarela não tinha ido para o colégio.

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