Além de uma Promessa
Além de uma Promessa
Por: P.S.MARGUTTI
Capítulo 1

                         As vezes as pessoas não têm noção das promessas                                                                que estão fazendo no momento em que as fazem.

                                            A culpa é das estrelas.

                                                         LIVRO I

                                                           

                                                           Nicole

Mais uma noite de sexta-feira, outro dia de tortura. Odeio estar naquele palco, mas sou obrigada a subir, faço por ela, pois preciso mantê-la bem, em um lugar bom. Minha mãe é a única coisa que tenho, não posso perde-la.

Quando meu pai faleceu, ela entrou em estado de depressão profunda, tentou tirar a própria vida várias vezes e fui obrigada a crescer, precisei trabalhar para nos sustentar. No começo, estava em uma clínica pública, no entanto, descobri que a maltratavam. Ela vivia agitada e enlouquecendo a cada dia mais, se perdendo em um mundo dentro da sua própria cabeça. A única solução que tive foi procurar uma clínica especializada no problema dela, porém, o valor é exorbitante e com um trabalho simples jamais conseguiria pagar os custos diários mais remédios, por isso estou aqui, é exatamente por ela que me esforço.

Antes de entrar no palco, convenço a minha mente que sou outra pessoa e o mundo lá fora desaparece, ninguém mais poderia me julgar por essa escolha. Minhas mãos estão tremendo, meu corpo todo rejeita o que estou vestindo, mas preciso fazer valer a pena e usar a melhor performance.

Ganharia mais se saísse com os homens que frequentam esse lugar, no entanto, assinei um acordo quando entrei aqui e não abro mão dele. Jamais aceitaria dormir com alguém por dinheiro e não condeno quem precisa fazer isso, é uma vida sofrida e cheio de frustrações e decepções, o que ganho já é o suficiente.

Jonas coloca a cabeça para dentro do meu camarim, chamando a minha atenção.

— Está quase na hora, flor! Já está pronta?

— Sim — Não! Nunca estarei de fato pronta.

Jonas, — ou Jojo, como gosta de ser chamado, — é dono da boate, bonito, forte, perde bastante tempo na academia, tem um corpo escultural, é bissexual e gosta de brinquedinhos.

Poderia dizer que somos amigos, pois sempre me tratou bem, mas acredito, que seja muito profissional.

Respiro fundo, endireito o corpo, coloco a máscara cobrindo a minha identidade. — Não tenho mais tempo para melancolia!

A música começa, caminho lentamente até o meio do palco, fecho os olhos e deixo o som dominar, dando lugar a ousadia. Balanço o corpo como se estivesse sozinha em um quarto escuro, me sinto mais à vontade com a máscara, ajuda a esquecer quem sou e os homens adoram, causa mais sensualidade e mistério.

As luzes do palco focam em mim, os olhares perfuram minha pele, enquanto tiro a roupa delicadamente ficando apenas com as peças íntimas. O óleo corporal reflete as luzes me fazendo brilhar, sorrio aceitando o fato de que sou o que eles desejam.

Deslizo pelo pole dance, entre assovios e gritos com palavras perversas, até que um olhar me pega desprevenida, é tentador e faz meu corpo pegar fogo instantaneamente. Minha respiração acelera, falta ar, no entanto, continuo, tenho que chegar ao fim, não posso parar.  

A luz clareia o salão por um tempo e posso vê-lo. É um homem lindo, queixo quadrado, o corpo bem definido e tenho toda a sua atenção. Seus olhos escuros, — daqui não posso definir a cor — correm pelo meu corpo, parando na tatuagem da costela, é uma frase seguida de uma flor com ramos delicados, nada extravagante. Suspiro com a intensidade, sentindo o ritmo da música em cada fibra do meu corpo.

Ele se aproxima do palco e como um imã vou em sua direção, é estranho e ao mesmo tempo certo, como o ar que respiramos. A aglomeração que se forma, quebra o transe, homens xingando, sendo empurrados, e para o meu desespero o cara bonito leva um soco.

— Oh! Meu Deus!

Um par de olhos conhecidos focam em mim. Ademir! Como ele soube?

A música ainda não acabou, porém corro para fora do palco, em direção ao meu camarim, encerrando o show.

Pensei que ele nunca iria descobrir, como pude ser tão burra?

Meu coração vai sair pela boca a qualquer momento.

— Ele descobriu, o que vou fazer? — choramingo sozinha, não por muito tempo, Jonas entra pela porta como louco.

— O que aconteceu lá? Ficou maluca? Correu um perigo e tanto indo à beira do palco. O que deu em você? — parece mais eufórico que eu.

— Não sei.

— Você está pálida! — a preocupação muda sua expressão.

— Ele... ele está aqui, Ademir me viu.

Seus olhos se arregalam em compreensão.

Jonas sabe da minha história. Nessa hora ouvimos gritaria no corredor e logo a porta é escancarada, agarro o roupão colocando-o.

— Onde ela está? — a voz do Ademir gela meu sangue. — Te achei vadia, como pode fazer isso comigo.

Ele se aproxima, agarrando meu braço direito apertado.

— Me solta!

— Solta ela seu maldito, o que pensa que está fazendo?

Jonas tenta ajudar, mas Ademir empurra seu peito, me colocando na frente dele, impossibilitando qualquer um de ataca-lo.

— Ela é minha namorada e vou levá-la comigo!

Com isso me arrasta porta a fora.

— Nicole! — Jonas grita, vindo atrás de nós.

Os seguranças estão esperando um comando e Jojo esperando a minha decisão. Entretanto, sei que se comprar essa briga, Ademir destruirá tudo e não quero que isso aconteça, seria um massacre, ele é perigoso, pode voltar e matar todos eles.

— Ademir para, eu vou com você!

— Flor!

— Vai ser melhor assim, me desculpa!

— Se sair com ele, não poderei te ajudar mais Flor!

Entendo perfeitamente. Jonas é um homem bom, no entanto, não me deve nada, não sou sua responsabilidade.

— Tudo bem!

Viro as costas, deixando a única coisa que garantia tranquilidade para minha mãe.

Quando chegamos no carro, que está há dois quarteirões de distância da boate, ele me joga contra o capô.

— Ai!

As lágrimas escorrem pelo meu rosto, antecipando o que acontecerá a seguir. Essa não é a primeira vez que Ademir é agressivo comigo, e já tentei várias vezes me afastar, mas o maldito não permite, ele continua me perseguindo.

Começamos um relacionamento quando mais precisava de apoio e ajudou muito no início, porém o tempo foi passando, e as preocupações com a minha mãe nos afastava, aos poucos revelando quem ele era. A maior parte das nossas brigas é sobre sexo, talvez o fato de ser virgem me deixa com medo, principalmente pela agressividade, apesar de nunca ter forçado nada sem minha permissão.

— Sua vagabunda, achou mesmo que ia me enganar? Desde quando começou com isso?

— Desculpa! Sabe que preciso do dinheiro para cuidar da minha mãe... — falo entre soluços, tentando buscar distância.

— Eu poderia ter ajudado, daria o dinheiro para você. Mas não, preferiu mostrar o corpo e transar com os homens ricos! Comigo dá uma de santa, diz que quer estar pronta, só que vem aqui?

Ele está furioso, andando de um lado para o outro.

— Eu não saio com ninguém, só danço e ganho dinheiro, só isso!

Ademir observa por um tempo, com os olhos cheios de ódio. Inesperadamente, segura meu pescoço apertado, batendo minhas costas no carro. A dor irradia pelo corpo e o ar falta nos pulmões.

— Só isso? Sabe quantos homens estavam te olhando? Sabe! — grita no meu rosto. — Como fui idiota e deixei me enganar por uma puta feito você! — a risada que sai da sua boca é medonha, assustadora.

Minha visão está escurecendo, quase não consigo escutá-lo, sinto que estou perdendo a consciência e esse é o meu fim, ele vai me matar.

— Vou te mostrar quem sou!

Ademir me gira, soltando meu pescoço, o ar entra de uma vez, me fazendo tossir, me abaixa contra o carro e ergue meu roupão, não tenho forças para pará-lo. Uma das suas mãos segura a minha cabeça na lataria e com a outra está lutando para abrir o sinto da calça.

O beco é escuro e não tenho chances contra ele, no entanto, a fúria toma conta de mim e empurro, só que antes de conseguir fugir agarra meus cabelos, jogando-me no chão, chutando em seguida, várias e várias vezes.

— Desculpa, por favor, só pare com isso! — grito em desespero tentando cobrir o rosto, no entanto, não para.

Uma luz o assusta e ele corre para o carro, liga o motor e sai cantando pneus, indo embora. Devia me sentir aliviada, porém estou com medo, muito medo, sozinha e sem proteção, agora sem emprego e amigos, não tenho mais nada.

A dor está por todos os lugares, a visão embaçada pelas lágrimas, enquanto penso o que fazer para manter a minha mãe segura.

                                                           Narrador

Câncer, câncer, estou com câncer...

Essas palavras não saem da cabeça de Antônio, sabia que as dores não eram normais, mas nunca imaginou que seria tão grave.

A uma semana quando saiu do consultório do Drº Afonso, ficou desnorteado e ao mesmo tempo imaginando se sua esposa, Eleonor, estaria esperando por ele do outro lado. Ela foi o único amor da sua vida, nunca deu espaço para outra ocupar o lugar dela.

Eleonor era doce e humilde, adorava ajudar os outros e tinha um apreço enorme pela fazenda e a fábrica, tratava os funcionários como parte da família, Antônio se dedicou muito mais depois que ela faleceu. Uma pena ter tido um infarto antes de completar quarenta e cinco anos de casados, ele tinha preparado tudo para fazer uma surpresa a esposa, mas não deu tempo, dois dias antes Eleonor morreu enquanto jantavam sozinhos. Depois disso Antônio exigiu que o jantar fosse em família, pois nunca se imagina o que poderia acontecer.

Na manhã desse sábado, Antônio resolveu tomar café com a família, coisa que não faz há anos, sempre sai cedo e chega tarde, apenas para o jantar.

Passou a semana pensando como iria contar ao filho e aos netos, como reagiriam com essa notícia tão triste, ele nunca gostou de ver as pessoas sofrerem, principalmente sua família.

“Será que meu filho ficará feliz em assumir os negócios? ”

Era a única coisa com o qual está preocupado, seu filho ainda não demonstrou interesse pela fábrica ou na fazenda. Depois que se separou da esposa, Heitor, só fica atrás de garotas novinhas, noitadas a fora e o neto, Otávio, segue o mesmo destino do pai. Somente a neta que o alegra, Beatriz se parece muito com Eleonor, mas gosta de gastar como a mãe, no entanto, Antônio nunca negou nada a ela.

Descendo as escadas notou que sua família já estava tomando café, não ficou bravo por isso, eles nem sabem que Antônio está em casa.

— ... Já imaginou comprar um apartamento no Rio de Janeiro? Pai eu preciso desse dinheiro, lá tem muitas mulheres gatas e posso garantir, pois passei uns dias lá e cara, foi as melhores noites da minha vida! — escuta o neto.

“Otávio precisa mudar esses conceitos! ” Pensou.

— Por isso está com essa cara toda roxa? — Heitor pergunta com desdém, como se fosse um tédio falar com o próprio filho.

— Ele arrumou briga... — Beatriz diz rindo.

— Cala a boca, pirralha! Não foi nada disso.

— Então o que foi?

— É outra coisa, que não vem ao caso agora. Pai, pode convencer o vovô a me comprar um apartamento?

Antônio sorri, já pensando em qual dos seus amigos, que mora no Rio de Janeiro, poderia ajuda-lo com isso e daria de presente ao neto um bom lugar e com vista para o mar.

— Acredito que seu avô tem mais coisas para pensar do que te dar alguma coisa, ele só vive naquela maldita fábrica. Seria bom mesmo se morresse de uma vez, ai venderia essa porcaria e também a merda dessa fazenda, não suporto mais morar aqui, mas é melhor do que morar na rua.

Antônio perde o chão, é um baque ouvir o seu próprio filho dizer algo tão terrível, e mais difícil imaginar que suas conquistas seriam entregues a um cara como ele. Heitor sempre disse que tomaria conta de tudo para o Antônio, mesmo se não ficasse à frente dos negócios.

Ele se enganou com família, achou que todos ficariam tristes com a sua morte, só que é ao contrário, fariam uma festa.

— Pai se o vovô morresse, sentiria muita falta dele, no entanto, fazer uma viagem pelo mundo inteiro com minha parte da herança é tentador. — Beatriz fala.

— Não desejo a morte do vovô, no entanto, quero muito o apartamento, sei lá.

Foi a gota d’água. Antônio caminhou para a saída e entrou no carro, Alex, o motorista, correu para dirigir, ao olhar para o semblante do patrão notou sua tristeza, então sem fazer perguntas dirigiu sem destino algum. Alex viu quando as lágrimas escorreram pelo rosto do homem mais amável que já conheceu, com pena entregou um lenço para ele e em silêncio continuou, até ouvir a ordem para parar na frente de uma praça.

Alex é de confiança, filho do antigo motorista, Arlindo, sempre fez um bom trabalho, Antônio o admira muito, então fala assim que estaciona.

— Tenho Câncer!

— Meu Deus! O médico disse alguma coisa? Tem tratamento?

Antônio lembra das palavras do Dr. Afonso, “Você tem pouco tempo de vida, talvez um ano ou meses, não temos como dizer. ”

— Vou morrer a alguns meses! — Antônio está extasiado, falando sem emoção.

— Procure outro médico, talvez um tratamento desses que vivem falando por ai.

Para Alex o ponto chave de uma doença é ter esperança, e iria pesquisar mais a fundo na internet. Ele ama Antônio, como se fosse seu pai.

— O doutor indicou um tratamento, porém não vai me curar, apenas alongar um ou dois meses de vida. Não vale a pena, só para ter mais alguns dias nesse mundo.

Principalmente agora, depois de ouvir a sua família.

— Sinto muito, senhor! — Alex limpou as próprias lágrimas, tentado dar apoio ao patrão.

— Eu estou bem agora, só preciso de um pouco de ar.

— Claro Senhor, como quiser. Quer companhia?

— Não filho, só vou dar uma volta.

— Esperarei aqui.

Então Antônio saiu do carro, em direção ao meio da praça.

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