Capítulo 3

A alegria que se tem em pensar e aprender faz-nos pensar e aprender ainda mais.”

Aristóteles.

Ezequiel sentava-se no degrau da varanda observando Igor que permanecia de pé no pátio em frente à cabana, na clareira que ele destruiu poucos dias antes, clareira esta criada por intermédio dos poderes do ancião da mesma forma que a casa e tudo à sua volta. Com o bordão, irradiava ondas sucessivas de energia que iam para todos os lados rebatendo no que quer que encontrassem pela frente e acertando o jovem mago em rajadas simultâneas por todas os lados ao mesmo tempo. Igor desviava com bastante perícia, mas volta e meia acabava recebendo uma descarga elétrica fraca, porém desagradável, já que precisaria de ter olhos até nas costas. O mago intensificou as descargas de forma a dificultar as esquivas do jovem, uma vez que ele desejava que Igor utilizasse os seus poderes para neutralizar os ataques.

Igor começava a ficar cansado quando, por fim, o seu subconsciente trouxe à tona uma forma de se defender e uma barreira luminosa esverdeada formou-se à volta do corpo, moldando-o. Todas as bolas e raios de energia arremessados batiam na proteção sem nada acontecer e Igor riu da cara do professor que intensificou ainda mais os ataques. Logo a seguir, apareceu uma nova lembrança e ele começou a flutuar, subindo devagar e rindo deliciado com o dom de poder voar.

Escute aqui, meu filho – disse Ezequiel, interrompendo os ataques que se tornaram inúteis – você é um mago e não o Lanterna Verde, então, aja como tal.

Mal terminou de falar, bateu o bordão no chão e, com um trovão de assustar, um raio intenso rasgou o ar, saindo do pequeno globo no seu topo e atingindo a barreira do rapaz. No início nada aconteceu, mas, logo depois, Igor foi tomado de convulsões e a sua proteção ruiu. Fora de controle, o pobre coitado caiu enquanto o ataque era suspenso. Sem se aguentar, o velho começou a rir do aprendiz.

Então – continuou Ezequiel, quando Igor se recuperou e sentou-se, sacudindo a cabeça e exibindo um pequeno sorriso – que lição podemos tirar disso?

Que o senhor é bem perigoso – disse, rindo em seguida da careta dele. – E eu crente que me tinha dado bem!

Considerando que esta barreira foi feita de forma intencional, estava ótimo, mas tenho a certeza que você não deveria ser derrubado pelos raios, mesmo sem a barreira. Eles são energia, então absorva-os e reaproveite-os. Lá na mata, a sua barreira aguentou a explosão das mais fortes bolas de plasma que já vi na vida e nada lhe aconteceu.

Igor levantou-se e entrou na cabana, pegando água. Sentou-se no degrau, bebendo devagar e pensativo:

Ezequiel – disse, por fim –, quando eu voltei a mim, o senhor deu-me roupas e disse que as trouxe de uma cidade próxima, mas em outra ocasião afirmou que estamos a muitos quilômetros de qualquer lugar civilizado.

É porque naquele momento eu não desejava que soubesse que sou um mago e criei as roupas – explicou o ancião. – Eu tinha medo que você estivesse muito pior do que parecia.

Entendo, mas sei que tenho que ir em breve – insistiu ele, preocupado. – Talvez não seja seguro permanecer muito tempo no mesmo lugar.

Sabe, filho, como é que pretende enfrentar aquilo que não conhece? – questionou o mago, muito sério. – Você até pode continuar fugindo de algo, mas, sem conhecer o seu inimigo, jamais poderá derrotá-lo. Para sair daqui, só caminhando muito para o leste, voando ou abrindo um portal.

Como é que se abre um portal?

Só os magos de primeiro nível têm essa capacidade – respondeu, encolhendo os ombros. – Você possui, mas não se lembra e isso é algo que não tenho como ensinar. Essa é quase que a única diferença entre o seu e o meu graus.

Como o senhor pode saber que eu tenho esse dom? – inquiriu Igor. – Nada nas minhas atitudes demonstrou algo para esse lado!

Acredite em mim, filho, que sei o que digo. – Ezequiel levantou-se e entrou na cabana, retornando com um livro bastante velho nas mãos. – Tome, leia isto, mas cuide bem do livro que sobraram muito poucos dele.

O jovem abriu o livro e, apesar dos caracteres ao estilo rúnico, descobriu que sabia ler aquilo.

― ☼ ―

Os dias foram passando e Igor treinava a sua magia com afinco, já podendo fazer várias coisas. Não perdia uma única oportunidade para devorar o livro que o ancião lhe emprestara. Certo dia, o jovem começou a ficar muito irrequieto e sem compreender o motivo. Indagado pelo Ezequiel, encolheu os ombros.

Eu sinto um forte distúrbio no equilíbrio das partículas planares – respondeu, sem pensar muito bem no que dizia. – Temo que esteja para acontecer algo ruim e já venho sentindo este desconforto há alguns dias, mas agora ficou bem mais forte. Só que não sei definir o que é, nem mesmo sei direito o que disse.

Isso significa que pode haver gente de outros planos por aqui, gente que não deveria estar na Terra.

Mas onde?

Depende da sensibilidade do Guardião dos Portais para detectar isso. Pode ser milhares de quilômetros, até na Lua.

O senhor sente algo?

Só o seu nervosismo, filho – respondeu Ezequiel, mas tinha dificuldade em esconder a própria preocupação. – Eu não sou um Guardião dos Portais, mas, pelo jeito, trata-se do que você é. Então acalme-se, porém fique atento.

Nessa tarde, ambos saíram para passear na mata porque Ezequiel desejava que ele aprendesse algumas coisas incomuns, como camuflagem, entre outras. Ele dizia:

Assim que recuperar a memória, você acabará por dominar a luz e poderá ficar invisível, mas até aprender isso terá de se contentar com os conhecimentos do nível dois. Lembra-se, na clareira, quando os pumas atacaram?

Sim, confesso que pensei que o senhor tinha fugido e me deixado à própria sorte. Depois, vi-o pelo canto do olho.

Eu estava muito perto, mas perecia idêntico a uma das árvores. Aprenda mimetismo, como o camaleão, que poderá ser muito útil.

Igor descobriu que não era difícil, além de ser bem divertido, mas jamais enganava Saci que, como sempre, os tinha acompanhado nesse passeio. Estupefacto com essa capacidade do animal descobri-lo, perguntou para Ezequiel os motivos. Rindo, o mago explicou:

Os cães, são daltônicos, Igor. Lembre-se: engane um cão e enganará qualquer outro; veja como um cão e jamais será enganado. Simples assim.

Todavia, por mais que tentasse, Igor não conseguia e isso deixava-o um pouco frustrado porque não gostava nada de perder.

O entardecer já ia avançado quando retornaram. Feliz, Igor aproveitava para apreciar a natureza tão virgem e bela. Ele que vinha prestando atenção a tudo, notou que faltava algo, uma coisa simples e que devia ser um péssimo sinal. Chamou a atenção do amigo, voltando a ficar irrequieto:

Ezequiel, já notou que está tudo demasiado silencioso? – comentou, em tom de pergunta. – A esta hora, costumamos ouvir bastantes pássaros e até macaquinhos nas árvores. Além disso, aquela minha sensação desagradável aumentou muito.

É verdade, Igor, e olhe a só nuca do Saci – comentou o ancião, apontando. – Ele só fica arrepiado desse jeito se houver algo muito ruim por perto. Não se assusta fácil.

Ainda estavam bem a dez minutos de chegar quando o Saci rosnou alto e começou a caminhar agachado, mais parecendo um leopardo pronto a dar o bote do que um cachorro enorme. Ezequiel pôs a mão no ombro do jovem, fazendo com que deixasse o cão ir à frente.

Sem aviso prévio, Saci voltou a rosnar ainda mais alto, mas não era mais um rosnado canino e sim algo macabro e assustador, grave e muito intenso, semelhante a um rugido de crocodilo, só que muito mais alto. Mais uma vez Igor sentiu a mão do Ezequiel segurando seu ombro a pedir que parasse. Sem tirar os olhos do cão, viu uma coisa que o arrepiou até à alma, porque não estava mais à frente de um cachorro e sim de algo que metamorfoseava e se definia a cada passo que dava. Agora, o animal já competiria com um Tiranossauro Rex em tamanho sem quaisquer dificuldades. As patas traseiras eram grandes e encolhidas nos mesmos moldes de uma lebre, tendo talvez um terço a mais de comprimento que as frontais. Os dedos eram longos e tão manipuláveis quanto os de um ser humano. A sua cauda era grossa como a de um crocodilo e devia ter um comprimento equivalente ao seu corpo que já passava dos dez ou doze metros, todo revestido de um couro verde-escuro brilhante e muito robusto. O pescoço tinha os seus três metros e era dono de uma mobilidade impressionante, como uma serpente, só que com a cabeça de uma beleza transcendental e proporcional ao tamanho. Possuía um formato triangular e a boca grande, com uma fileira de dentes muito brancos e bem alinhados, embora os caninos fossem maiores que os demais. Os olhos eram grandes e penetrantes, bem puxados para trás e com uma capacidade de dilatação e contração das pupilas similar à dos felinos, o que lhe permitia ver muito bem no escuro. Acima da boca terminava o nariz com duas fendas que se fechavam à vontade do dono e os ouvidos supersensíveis eram protegidos por finas membranas que se moviam em qualquer direção com facilidade. Igor, assombrado, viu toda essa metamorfose ocorrer em apenas quatro passos que a criatura deu, descobrindo que à sua frente estava um dragão enorme que começou a correr para a clareira em grandes saltos. A sua cabeça ficava uns dois metros acima das copas das árvores e, a cada urro, saía fumaça e algumas chamas do focinho. Dali, Igor não conseguia ver se era pela boca ou pelo nariz, mas também nem pensava direito nisso.

Nesse momento, o monstro abriu dois pares de asas enormes, feitas de finas membranas semelhantes às orelhas e deu um salto gigantesco para cima, alçando voo e ganhando altura muito rápido. Ezequiel puxou o amigo e os dois magos começaram a correr para a cabana, sempre atentos. Quando chegaram à clareira, encontraram o dragão pousado em um dos cantos do fundo, mas, fora isso, não havia nada de anormal. Ezequiel aproximou-se e afirmou:

Algo ou alguém andou por aqui – fez sinal para se aproximar, mostrando marcas no solo – mas o que quer que seja deixou as pegadas mais doidas que já vi.

Olhando de soslaio para o dragão, Igor aproximou-se e voltou a ter a mesma sensação desagradável. Ezequiel, assim que notou que não havia mais nada por perto, murmurou algumas palavras e o bordão brilhou com força. Com ele, tocou no dragão que começou a encolher, retornando à forma de um cão alguns segundos depois. O animal aproximou-se do mago e encostou o focinho na sua mão.

Este negócio que veio aqui é muito mau, Igor – continuou o velho. – Em dois mil anos de existência, nunca senti nada tão mau. Vamos para dentro. Com Saci por perto, estamos seguros.

Fala sério, o senhor tem um verdadeiro dragão como animal de estimação? – perguntou Igor. – Dragões existem?

Como costumava dizer um antigo mago amigo meu morto há muitas gerações: “há muito mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a tua vã filosofia.”

O senhor conheceu William Shakespeare? – Igor fez uma cara de espantado, tão estranha que Ezequiel até riu. – E ele era um mago?

Ele era melhor escritor do que mago – comentou o sábio, debochado –, mas fomos muito bons amigos. Quanto ao dragão, eles são de um mundo que fica no oitavo plano, servem a propósitos bem definidos e não são animais de estimação, como você mencionou. A sua amnésia é que o impede de saber isso, mas eles costumavam ser nossos aliados, ajudando magos de segundo e terceiro níveis para andar pelos treze planos ou esferas de existência, entre outras coisas.

Mas não há só treze planos e sim quinze…

Quem lhe disse isso? – Ezequiel mostrou-se muito abalado e nervoso quando ouviu tal coisa. – Quem lhe disse que há quinze planos?

Desculpe, Ezequiel – respondeu Igor, espantado com a repentina exaltação do seu professor –, mas isso saiu sem pensar.

Bem, entre os magos de primeiro nível que podem atravessar os planos sem ajuda dos dragões – explicou o ancião, mais tranquilo –, há um que defende a tese de que existem mais planos, mas isso nunca foi provado.

Vejo que tenho mesmo muito do que me lembrar – disse Igor, triste. – Vai ver, eu conhecia esse homem.

Essa coisa que veio aqui é preocupante. Sinto uma maldade pura, uma total ausência de equilíbrio – afirmou ele. – Se era disso que fugia, meu filho, temos encrenca. Ainda bem que o Saci está por perto.

O senhor transformou-o em um cão?

Não. Os dragões podem assumir outras formas, como uma magia toda própria porque se tornam de fato nas criaturas, mas nunca conseguem imitar a forma humana. Eles possuem uns poucos poderes bem específicos. Eu apenas ajudei porque, com a minha intervenção, a metamorfose é muito mais rápida. Ele escolheu a forma canina a meu pedido, para não dar na vista. Estamos juntos há uns dezoito séculos, uma história de amizade muito longa.

Por falar em idade – disse Igor, rindo –, para um ancião de dois mil anos o senhor está com uma forma física invejável, para correr daquele jeito.

Ainda devo ter muitas décadas pela frente, meu filho. – Ezequiel deu uma boa gargalhada. – É muito bom manter a forma.

Apesar do mago sentir-se seguro com Saci, Igor ficou irrequieto e nervoso, mal pregando o olho durante a noite. De manhã, acordou preocupado e cansado, mas sentiu-se melhor depois de tomar um bom café. Após, sentados na varanda, perguntou:

Ezequiel, há algo aqui que seja de valor para um possível invasor?

O que é de valia para uns, pode não ser para outros – respondeu ele, enigmático. – Mas sim, há algo valioso aqui, só que ninguém não tem como saber disso porque fica aqui, mas em outra dimensão adicional, como se fosse um bolso dentro do bolso.

Igor – continuou Ezequiel, mudando de assunto. – Você não se lembra dos seus pesadelos, mas o assunto deles é sempre o fato de haver muitos mortos e você culpar-se disso. Por acaso não tem ideia do que pode ser? Afinal, para ter sempre os mesmos sonhos é porque isso aconteceu e o deixou muito chocado…

Ele está de volta – interrompeu Igor, levantando-se. Nem dois segundos depois Saci fez a mesma coisa. – Sinto um grande distúrbio das linhas planares.

Logo depois todos ouviram a risada, uma risada fria, de congelar o sangue. No fundo da clareira arbustos mexeram-se e uma coisa preta, como uma sombra, apareceu. Parecia algo saído da cabeça de algum lunático que pretendia criar um personagem de filme de terror assustador, mas ficou apenas no esboço, disforme.

A primeira reação do jovem foi congelar com o susto, mas a visão começou a lhe provocar muitos lampejos de memória. Foi fugaz e rápido, não eliminando na íntegra a amnésia, porém ajudando a recordar bastantes coisas, o suficiente para se lembrar de grande parte dos seus poderes. O vacilo foi um erro perigoso, mas, apesar disso, Igor ainda foi o primeiro a reagir, erguendo ambas as mãos acima da cabeça e arremessando duas bolas de energia que deveriam ter destruído qualquer coisa num raio de mais de cem metros. Ao mesmo tempo, uma forte luminosidade esverdeada moldou-lhe o corpo, protegendo-o de tudo. As esferas plasmáticas, contudo, não tiveram o efeito desejado no estranho ser de pesadelo, que começou a rir e absorveu a força, aumentando o nervosismo e insegurança do jovem.

Quando a estranha e bizarra criatura revidou, ela não usou plasma e sim uma esfera negra e fria que, ao tocar a barreira de proteção do Igor, rebentou em dezenas de esferas menores que o envolveram e estouraram, provocando o colapso das defesas do jovem mago. Igor saltou para o lado, mas foi atingido de raspão por uma delas. Sentiu uma dor lancinante no braço que ficou gelado e com a mobilidade um pouco comprometida, sentindo-o fraco.

Igor, sempre te encontrarei e jamais escaparás de mim – comentou o monstro disforme, rindo sem parar. – Eu disse que te acharia e aqui estou. Podes até tentar, mas jamais escaparás de mim. Os teus pais eu já peguei e vou continuar a destruir tudo o que tu amas e prezas, eu juro. Os teus poderes são inúteis contra mim.

Nunca, seu demônio preto – gritou o jovem, irado. – Não és indestrutível, ninguém é.

Em meio a uma nova risada da criatura, Igor arremessou mais um par de bolas de energia, mas o ser parecia crescer a cada ataque do jovem. Nesse momento, Saci transformou-se outra vez, colocando-se entre ambos e criando uma cortina de fogo sobre o invasor enquanto Ezequiel erguia o bordão e também atacava, fazendo a criatura ter que recuar, acuada.

Agora você já sabe quem é o seu inimigo, filho – afirmou o velho, mantendo a calma enquanto via o pânico no rosto do jovem e concluindo que ele devia ter recuperado pelo menos parte da memória.

Movendo-se com alguma dificuldade, Igor desferiu um novo ataque na entidade, mas as suas investidas só o fortaleciam e o sábio viu isso. Deixando os ataques por conta do Saci, aproximou-se do mago e segurou o seu ombro, dizendo:

Tente fugir, Igor, tente abrir um portal e feche-o logo a seguir para ele não o rastrear. Aqui, você só aumenta o poder dele. Procure os seus pais que nós vamos retardá-lo. Ele não pode enfrentar a mim e ao Saci juntos, mas quando você se aproxima ele fortalece demais.

Mas e vocês? – questionou, aflito –, eu não posso abando…

Você apenas atrapalha, Igor, saia – insistiu Ezequiel, imperativo, enquanto lhe apertava mais o ombro –, e evite voltar para não ser rastreado.

Ao contrário do jovem, os ataques do dragão afetavam a criatura que não conseguia aproximar-se mais. Assustado, mas reticente, Igor começou a correr para dentro da floresta, embrenhando-se bem para longe e Ezequiel juntou-se ao dragão nos ataques, lançando raios muito mais fortes do que aqueles que usava para treinar o jovem.

Igor ainda não se lembrava direito de todos os recursos que dispunha, mas já se recordava quem era e sabia que o desespero nele fazia os seus poderes maiores virem à tona. Daquela vez não foi exceção e, à medida que corria, as duas mãos começaram a brilhar de forma fraca em uma cor leitosa. Estendeu ambas para a frente enquanto corria e subitamente não estava mais no cânion. Parecia que o lugar na sua frente era uma pintura tão realista que imitava a realidade e ele atravessou-a, como se a rasgasse. Logo a seguir e ainda correndo, ficou tudo bem mais escuro e ele tropeçou, caindo em algo macio e esbarrando em uma parede. Ofegante e assustado com o enorme estrondo que provocou, esfregou a cabeça com a mão no lugar onde ela bateu: a parede do seu quarto, na casa dos pais. Logo a seguir, atinou-se que rompeu os limites do espaço-tempo e abriu um portal para onde queria ir desde o início, passando a se lembrar como fazia isso. Aliviado olhou em volta e viu de frente para o armário junto à cama a brecha que abriu e que ainda mostrava a paisagem virgem do cânion do Itaimbezinho. Apressado, levantou-se e fechou a passagem, sentando-se na cadeira ao lado, com os pulmões arfando e pensando. Uma parte sua tentava compreender o motivo de ser impotente contra a criatura quando Ezequiel, que era muito mais fraco, podia mantê-la ao respeito. Mais provável era que ele e o Saci já tivessem liquidado o demônio. Começou a vasculhar a sua memória e descobriu várias lembranças, mas ainda tinha lacunas.

Nesse momento, lembrou-se o que desejava fazer antes de conhecer Ezequiel e um arrepio de medo subiu-lhe pela coluna porque acabou de concluir que o barulho que fizera deveria ter sido suficiente para que alguém fosse verificar, mas ninguém apareceu. Saiu do quarto e desceu para a sala, chamando os pais em voz alta e não encontrando viva alma. Vasculhou toda a casa até que foi ao quarto deles e, o que viu, fê-lo ficar em choque e, depois, chorar.

Encontrou ambos recostados na cama, como se vissem televisão apesar de ela estar desligada. Contudo, os seus corpos pareciam de dois anciãos e estavam sem vida. O ser dissera a verdade e sugara a essência deles como fez com tantos outros. Ele sabia que os corpos não deteriorariam e ficariam como se tivessem mumificado.

Chorando sempre, abriu um portal e levou-os a outro lugar para lhes dar um sepultamento digno da condição deles. Pelos seus cálculos e de acordo com as suas lembranças, agora ele e Ezequiel deviam ser os últimos magos vivos e ativos no Universo inteiro, exceto pelos adormecidos, que desconheciam as suas capacidades apesar de as possuírem.

Depois disso e ainda sem se lembrar direito de todo passado, mas voltando a dominar a uma parte dos seus poderes de forma consciente, Igor retornou e decidiu aposentar-se como mago.

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