Parte 3

"Nossas vidas são definidas por momentos. Principalmente aqueles que nos pegam de surpresa."

Eu flutuava em meio as nuvens. Olhei de um lado para o outro e me vi sozinha, apenas me perguntando como fui parar aqui outra vez, como se fosse a continuação do outro sonho. Senti uma presença atrás de mim e quis me virar, mas não consegui me mexer.

- Não tente. - Alguém falou. Essa voz, eu conheço de algum lugar.

- O que está acontecendo? Isso é um sonho não é?

- Sim, é um sonho.

- E porque não me deixa te ver? -Perguntei em outra tentativa falha de me virar.

- Porque não posso deixar. - Ele falou e senti sua respiração em minha nuca - É perigoso.

- É você que me salva todas as vezes?

- Sim, sou eu.

- Então você me persegue?

- Mais ou menos... - Falou e o sonho foi mudando. A paisagem em minha frente desaparecia e voltava, como se eu tivesse acordando, mas eu não quero acordar.

- Por favor, me diga quem é você!

- Eu só posso dizer que sou alguém que te proteje de todo mal.

- Eu quero te ver... - Falei e abaixei o olhar. Não estava mais flutuando, e tudo ao meu redor tinha a cor branca.

Olhei para trás quando percebi que conseguia me mexer, mas ele não estava aqui. Tinha ido embora, mais uma vez.

Abri os meus olhos e me levantei de vez da cama. Esses sonhos estranhos acabam comigo. É como se vivesse a realidade, e foi praticamente a continuação do sonho que tive ontem a noite, só que dessa vez, eu falei com o homem desconhecido. Ou não. Não sei. Quem sabe?

Me sentei em frente ao espelho procurando algum hematoma no meu pescoço. Acho que foi apenas uma irritação contra alguma coisa. Deve ser alegria a roupa que usava.

Me assustei ao ver, pelo espelho, um vulto passando por mim. Me virei na mesma hora e um homem estava parado ao lado de minha porta. É o homem que eu esbarrei na minha caminhada ontem pela manhã. Mas o que ele está fazendo aqui? Como sabe onde moro?

- Olá - Ele falou com um sorriso de canto e colocou as mãos dentro do bolso da calça - Sou amigo de Olivia. Ela me chamou para sair e quis conhecer a casa. - Andou pelo quarto olhando os objetos ao redor. Nao é tão normal um estranho ficar mexendo em minhas coisas. - Foi uma grande coincidência nos encontrarmos outra vez.

- Sim, uma grande coincidência. Vocês não iam sair? - Tentei corta-lo para sair de meu quarto.

- Olivia me pediu pra te chamar. Nós vamos ao cinema e ela não quer te deixar aqui sozinha.

- Podem ir. Eu não vou, tenho muita coisa pra fazer - Menti. Não tenho nada pra fazer em dia de domingo.

- Que pena, sua companhia iria ser tão agradável... - Ele disse decepcionado.

Sorri sem graça esperando-o sair de meu quarto.

- Bom, até mais. - Ele chegou mais perto de mim com intenção de um abraço, mas me afastei. - Entendi. Invadi seu quarto e você me acha um pervertido não é?

- Não, eu...

- Vocês vem ou não? - Olivia entrou no quarto.

- Eu não vou, tenho muita coisa pra fazer Livi..

- Como não vai? Vai sim. Não tem nada pra fazer hoje já que é domingo. Vamos te esperar la na sala, e ande rápido. - Eles dois sairam do meu quarto e nem me deram tempo para responder.

Se fosse apenas com Olivia, eu iria. Mas esse homem me deixa nervosa e tenho uma sensação estranha quando estou perto dele, tipo um pressentimento ruim e que devo me afastar. Me arrumei rapidamente e contra a minha vontade. Ou eu só sou maluca.

- Então, vamos. - Falei ao descer as escadas. Eles estavam no sofá conversando de mãos dadas. Estranhei esse ato já que Livia tem namorado. Eles se levantaram e seguiram para fora da casa.

O caminho inteiro para o cinema foi estranho. Eles dois não conversavam e nem se olhavam direito, apesar de serem amigos como dizem. A Livia parece meio tensa e um pouco preocupada, e eu apenas fiquei calada.

Nós entramos no cinema pouco tempo depois de comprar pipocas e refrigerantes. Vamos assistir um romance pela escolha trágica de Olivia, porque se fosse por mim, seria terror, ação ou qualquer coisa que não tenha romance.

Subimos pela escada lateral do cinema para encontrar três cadeiras vagas, e achamos bem no meio onde eu gosto de assistir. Me sentei ao lado de Livia e me incomodei ao reparar que Bruno tinha passado por ela e iria sentar ao meu lado.

- Licença, eu vou sentar aí... - Alguém falou ao meu lado. Bruno estava de pé olhando para um homem. Não deu para ver seu rosto já que estava de costas para mim e a luz apagada do cinema não ajudou.

- Não, eu vou me sentar ai. - Bruno falou e recuou quando o homem andou em sua direção. - Tudo bem, não quero brigar, estressadinho. - Eles se olharam por mais um tempo. Os olhos dele só faltavam pular para fora e seu punho estava fechado. Felizmente, ele andou e se sentou ao lado de Olivia, que nem tinha reparado a situação.

O homem se sentou ao meu lado olhando para frente, como se nada tivesse acontecido. Engoli em seco a sensação de já ter ouvido a sua voz e prestei atenção ao filme sem graça.

Ouvi cochichos de Bruno e Olivia ao meu lado, risinhos da parte dela também, o que me deixou com raiva. Ela tem namorado agora e está cheia de gracinhas para o lado dele, sem me avisar absolutamente nada. Não gosto dessa situação.

- O que você está fazendo? - Puxei ela para o lado e sussurrei em seu ouvido. - Você esqueceu que está namorando Livia!

- Calma Mari, ele é só um amigo. E bem legal, me entende como ninguém. Não é porque namoro que não posso ter amigos. - Falou convencida e voltou a prestar atenção ao filme. Bufei frustrada. Eu não deveria ter vindo, sabia que não era uma boa ideia.

Meu celular tocou e caiu no chão com o susto que levei. Droga, nessa escuridão não tem como ver. Me abaixei para procurar e vi a luz da tela ligada em baixo da cadeira do homem ao meu lado.

- Moço, meu celular caiu em baixo da sua cadeira. Tem como pegar pra mim? - Perguntei ao homem e ele concordou com a cabeça sem me olhar. Se abaixou para pega-lo e se levantou, me entregando o celular. Nossos dedos se tocaram por um segundo e aquela sensação prazerosa percorreu meu corpo. Olhei para ele sem esperar mais, e meus olhos se arregalaram ao ver aqueles olhos azuis novamente que sempre vejo, mas agora, consigo ver o dono dele com ajuda da tela clara do cinema.

- Tudo bem? - Ele perguntou com a sobrancelha arqueada. Como assim tudo bem? Eu tenho quase certa que é ele.

- T-tudo... - Peguei o celular e me virei para frente, agora sem mais nenhum jeito de assistir esse filme. Minha respiração estava acelerada e fiquei agoniada na cadeira. Meu pescoço começou a doer por conta das palavras entaladas. Eu preciso falar com ele e perguntar...

Perguntar o que? Que eu sonho com ele toda noite e que o vejo quase sempre em algum lugar?

Que agonia de não saber o que fazer.

O filme estava no final, quando ele se levantou e foi em direção as escadas para sair do cinema. Eu não posso deixa-lo ir embora sem ter certeza absoluta que é ele. Dessa vez não vou deixa-lo fugir de mim, se for ou não.

Me levantei com pressa e sai pulando os degraus de dois em dois antes que ele passe pela porta e suma outra vez.

- E-ei, moço!

Quando fiquei a um metro dele, segurei firme em sua blusa. Já havia aberto a porta de saída e ele parou de andar. Não me mexi e ele também não por alguns segundos. Colocou a mão na cabeça e deixou o capuz cair, mostrando seu cabelo curto, loiro e meio cacheado nas pontas.

Ele virou lentamente para mim e sorriu. Ele sorriu pra mim, de um jeito angelical.

soltei sua blusa pelo espanto. Aqueles mesmos olhos azuis que eu vejo sempre, estão agora em minha frente me encarando e eu não consigo parar de olhar. Meu corpo inteiro está eufórico e meu coração fervendo.

É ele sim.

- Quem é você?

Perguntei e ele me deu as costas saindo da sala do cinema e entrando no corredor com rapidez, mas o segui e agarrei outra vez em sua blusa.

- Você não vai desaparecer outra vez.

- Não sei quem você é. Me solte por favor! - Ele falou e colocou o capuz novamente, tentando se afastar de mim.

- Você sabe quem eu sou, voce tem que saber - tentei acompanha-lo mas ele é muito rapido. - Por favor, pare!

Ele parou de andar quando pedi e se virou para mim trincando os dentes. Começou a andar em minha direção, ficando proximo o suficiente para me fazer andar para trás até bater na parede.

- Eu não queria ter que fazer isso, mas você não me dá escolha-

- N-não me ache louca, okey? S-só ó me diga quem é você e o porque fica me seguindo! - falei mais alto que o normal, não tenho controle. - Tenho sonhado com você por muito tempo e isso não é normal, eu estou ficando louca! Apenas me diga seu nome. É o mínimo que você pode fazer!

Seus olhos me encararam à um palmo de distancia. Meu peito subia e descia frenético, e ele continuava sem reação alguma.

- Gabriel.

Falou por fim e esticou as mãos na parede atrás de mim. Seu rosto ficou prestes a tocar no meu.

- Como eu já disse, não queria fazer isso, mas não tenho escolha. Você não pode saber que eu existo por mais que eu... - Ele ficou hesitante em continuar. Seu rosto ficou a centímetros do meu e olhava fixo em meus olhos. Eu não entendo absolutamente nada do que fala. Suas pupilas se dilataram ao começar a falar.

- Você vai esquecer que me viu hoje e que falou comigo. Seu celular caiu no chão e um homem gordo e barbudo te ajudou a pega-lo. E não vai mais deixar Bruno se aproximar de você.

Minha visão ficou turva. Pisquei algumas vezes e... O que eu faço aqui fora?

- Mariana! - Olhei para trás e vi Olivia e Bruno saindo do cinema e caminhando até mim - Porque você saiu correndo? Viu um fantasma garota?

- Eu não sei...

Bruno pegou em meu braço e senti repulsa. Me afastei na mesma hora. Ele ficou sem entender, e eu mais ainda. Por que fiz isso? Que branco é esse na minha cabeça?

- Então é melhor irmos embora. - Ele falou não tentando mais se aproximar. - Por hoje já deu.

Conselhos... 

- O que você foi fazer lá Gabriel? - Miguel me perguntou enquanto eu me distraía sentando na ponte apenas observando o rio. - Nós já conversamos sobre isso.

- Eu sei Miguel, eu sei. Mas eu sinto o perigo de longe. Ontem, e agora esse cara estranho... Eu tenho que descobrir o que é e o que ele quer com ela.

- Mas é perigoso. Não pode aparecer pra ela toda vez que estiver passando por perigos mundanos, ao menos se for algum perigo sobrenatural. Você é anjo velho, sabe das regras mais do que eu.

- Já ouvi isso um milhão de vezes. Apenas não aguento ve-la assustada. Sei que não posso interferir quando alguém a ataca, como aquela noite que ia sendo assaltada. Não consegui me segurar. É dificil demais, não suporto.

- Isso é normal. E você sabe disso, é o mais capacitado de todos os anjos, mas essa garota está mudando você.

O pior é que ele tem razão. Como meu amigo de longas datas, sempre tem o conselho certo. Todas as noites nos encontramos nessa ponte para conversar sobre dia que passamos ao lado de nossos protegidos e sobre nossos desejos futuros.

Mesmo com séculos de trabalho, essa foi a única vez que apareci para alguém. Mariana tem alguma coisa que me enfeitiça todas as vezes e partes do dia, e nunca consigo deixa-la triste. É i suportavel a sensação de ve-la passando por algum problema que eu posso ajudar, mas ao mesmo tempo, não. Eu já amei todos os humanos que passaram por mim e os protegi até hoje, mas ela é totalmente diferente. O amor não é igual. Nada é igual, é uma coisa totalmente nova. É como se eu tivesse alguma ligação com ela. Eu sinto sua tristeza ou sua felicidade. Não sei explicar.

- Tome muito cuidado Gabriel.

- Vou tomar. - suspirei muito forte e o observei sair da ponte voando para seu protegido. Eu deveria fazer o mesmo e tentar descobrir algo sobre Bruno. Sinto e vejo uma áurea escura sobre ele, e não quer fazer bem a minha Mariana.

Não posso deixar nada de ruim acontecer com ela. Eu dei minha palavra.

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