"Ainda que eu falasse a lIngua dos homens, e falasse a lIngua dos anjos, sem amor, eu nada seria."

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Mais uma vez acordei assustada sentindo aquela presença. Olhei ao redor eufórica e procurando-o, mesmo não enxergando nada devido ao breu do quarto, eu sentia sua presença. Sentia meu braço formigar com algo, e olhos curiosos me vigiando.

- Olá? - Perguntei ao escuro do quarto procurando alguma resposta, mas não obtive. Suspirei aliviada por ter sido apenas um sonho e limpei meu suor que escorria da testa.

Minha respiração voltou ao normal. O dia de hoje vai ser bem cansativo e não quero chegar em meu novo emprego com olheiras fundas e negras abaixo dos olhos.

Olhei o relógio ao lado da cama e me assustei. Faltam dez minutos para seis horas. Me contorci de preguiça entre os lençóis quase chorando por ter que levantar daqui a dez minutos. Rastejei até a cortina, já tampando minha visão da claridade, e a abri meio lenta devido a preguiça.

Meu coração acelerou quando o quarto foi inteiramente iluminado, mostrando o que havia escondido por trás da escuridão.

Vi um rosto.

Eu contemplei um par de olhos azuis profundos me encarar enquanto desaparecia inexplicavelmente, pela segunda vez, em minha frente.

Apressei-me para abrir totalmente a cortina e me virei novamente para o quarto tentando encontrar aquele rosto outra vez, mas não tive sucesso.

Quando completei quinze anos, eu vi esse mesmo rosto, ou melhor, esse homem. Essa é a única prova de que não estou ficando louca.

Deixei isso de lado e corri para me arrumar com pressa. Hoje é meu primeiro dia de trabalho depois de tanto tempo procurando algum lugar que tenha vagas. Esse mês foi muito apertado em relação a dinheiro. O pagamento do aluguel está atrasado, as contas de casa... Moro com minha prima Olivia e dividimos as despesas, só que ela está desempregada procurando um emprego a mais tempo que eu, só não teve a mesma sorte.

- Bom dia. - Olivia disse quando entrei na cozinha calçando meu sapato. - Que pressa é essa? E não saia sem tomar seu café. Ontem você só saiu porque eu não te vi mocinha.

- Hoje é meu primeiro dia na loja. -Falei e me sentei na cadeira, comendo as torradas que ela fez. Observei seu rosto ficar meio caído. - Não fica assim Livia, você vai conseguir arrumar um emprego. É só ter um pouquinho de fé.

- Não sei não. Deixei currículos em todo lugar, fiz entrevistas e tudo mais... Você tem pagado as contas sozinha! Não sei o que deu errado. Eu não sou tão feia assim. - Ela se sentou emburrada na cadeira, se jogando na mesa.

- Você não é feia prima. - Sorri. Como pode se achar feia, seus olhos verdes combinam muito com seu cabelo ruivo. - Azar o deles que não te contrataram.

Ela sorriu fraco e começou a tomar seu café.

- Você tem razão. Preciso de um pouco mais de fé em mim. - Deu de ombros.

Me levantei depois de uns cinco minutos me deliciando com o bolo de chocolate e corri para pegar o ônibus.

Cheguei no ponto ao mesmo tempo em que ele parou, exatamente às 6:30.

O salário não é grande coisa onde vou trabalhar, mas é melhor do que nada. Daqui a pouco terá um aviso de despejo se eu não receber logo algum dinheiro. Eu morava com meus tios, mas eles tiveram que se mudar e a escolha de ficar aqui foi minha. Eu amo Paris, mas me sustentar sozinha é tão dificil. Eles mandam ajuda com algumas quantias, mas não é suficiente.

Desci e olhei a hora no relógio de pulso antes de entrar na loja. 4 minutos de atraso. Suspirei com medo da Sr. Ângela. Eu a conheço desde quando era pequena, ela sempre é pontual com tudo, chega a ser sinistro.

- Bom dia Dona Ângela. - Entrei na loja e ela estava fechando o armário de relógios.

- Boa noite, não é Mariana. - Ela tirou os óculos - Eu disse sem atrasos.

- Foram só quatro min... - O olhar que ela me deu atravessou a minha cabeça.

- Me desculpe, não vai se repetir.

- Ande, começe a trabalhar antes que eu mude de idéia. - Revirou os olhos. Foi até os fundos da loja e entrou em sua sala. Coloquei minha bolsa atrás do balcão e observei a loja. Bijuterias de todos os tipos e preços. O chão estava imundo, gritava para ser varrido. Pequei a vassoura ao meu lado, ergui as mangas e começei a trabalhar.

Sempre que tenho um minuto para ficar parada e pensar na vida, não consigo ter nada em mente. Minha vida parece não ter muito sentido, e eu sinto isso desde pequena. É um sentimento terrivel.

Passei o dia inteiro ocupada atendendo as pessoas e arrumando a loja inteira sem para para descansar, mas mesmo assim, nem vi o tempo passar. Ângela, finalmente, saiu de sua sala e fechou a loja às seis da tarde.

- Parece que você não é tão inútil assim. - Ela falou. Assenti e começei meu percurso para casa.

Admito que não gosto de sair a noite. Caminhar por essas ruas escuras é perigoso, mas vou ter que aceitar isso.

Fiquei no ponto de ônibus um bom tempo esperando passar um que me leve até a rua de casa. Não sei que horas o ônibus passa por aqui porque não ando muito por essas bandas. Deveria ter me informando mais cedo, só que eu esqueci por causa da pressa. Comecei a batucar os pés no chão, ansiosa.

Já são oito horas da noite. Saí da loja as seis e até agora estou aqui.

Me alegrei ao ver em meio a escuridão, um ônibus chegando. Não deu pra ver direito o seu destino de longe, mas quando chegou perto, minhas esperanças acabaram. Ele leva pro outro lado da cidade.

Tive um idéia. Como eu não tinha pensado nisso?

Peguei meu celular e liguei pra Olivia, mas chama, chama e não atende.

- Atende Livia, por favor. - Chamou, chamou até que ela atendeu.

- Alô?

- Olivia! Graças a Deus você atendeu. Por favor, liga pra um taxi e manda vir me pegar aqui em frente a loja. Você sabe o endereço. - Aguardei ela responder por um tempo. - Olivia? OLIVIA!

Olhei enfurecida pra tela do meu celular.

Descarregado.

Só pode ser brincadeira! Deu vontade de jogar ele no chão de tanta raiva. Bateu o desespero quando olhei no relógio e eram quase nove horas da noite.

Até agora oassaram 3 onibus e nenhum chega perto do meu destino, nào vou esperar mais. Olhei ao redor procurando algum movimento suspeito, mas a rua estava deserta. Só alguns postes iluminavam com luz fraca e nenhum carro passava.

Onde é que eu fui me meter?

Levantei do banco e começei a andar pela calçada observando cada beco e cada esquina. Aprendi a ter cuidado depois de tantas coisas que aconteceram comigo. Mas, na maioria das vezes, alguém sempre me socorre e nada acontece.

Por falar em alguém, eu tenho certeza absoluta que o homem de olhos azuis me salvou uma vez. Eu vi seu rosto quando, em um momento de desatenção, ele me puxou antes que eu atravessasse a pista sem ver o carro que se aproximava. Ele estava de capuz. Depois saiu andando como se nada tivesse acontecido.

Lembro bem que virou a esquina e quando corri até ele para agradecer, tinha simplesmente sumido de vista. Fiquei maluca rodando meus olhos pelo local confusa enquanto era observada com olhos tortos das pessoas que passavam. Mas hoje eu o vi de novo em meu quarto, e sei que existe. Não adianta mais ficarem me chamando de louca ou dizendo que é minha imaginação.

- Moça? - Ouvi uma voz atrás de mim e parei de andar. Olhei para trás e vi um homem encapuzado com as mãos nos bolsos. Por um minuto eu achei que fosse ele. Mas ao reparar bem em seu olhos no meio da escuridão, não eram azuis e nem brilhantes.

- Sim? - Perguntei me afastando. Sua olhar me transmitiu desconfiança.

- você precisa de ajuda?

Eu não soube o que responder, até ver um sorriso de canto abrir em sua boca. Uma sensação fria percorreu meu corpo. Fiquei pálida de medo na mesma hora. Segurei firme minha bolsa debaixo do braço e ele deu uma risada bauxa, mexendo a cabeça negativamente.

Ele vai me assaltar.

Todo o dinheiro que tenho está nessa bolsa, ele não pode pegar. Isso não é justo.

Sem pensar duas vezes, eu corri o mais rápido que podia para me afastar desse homem. Ouvia seus passos largos atrás de mim e fiquei ainda mais desesperada. 

- SOCORRO! - Gritei, sabendo que ninguém iria me ouvir a essa hora.

Tropecei em meus próprios pés nervosos e cai em em cima de uma poça que se formou da água da chuva.

- Eu iria pegar apenas sua bolsa... - Ele parou em minha frente caída no chão. Engatinhei tentando me afastar, mas fui empurrada e caí outra vez. -... Mas você é irresistível. E indefesa assim...

- Não chega perto de mim! - Choraminguei jogando a bolsa nele. Ele pegou a bolsa e a jogou de lado, se aproximando mais de mim. Com meus cotovelos eu tentei me afastar, mas estava entre ele e a parede do beco. Eu estava em pânico. Comecei a chorar descontrolada ao ve-lo me tocando.

Tocou meu cabelo e o cheirou. Desceu para o meu rosto, me mandando ficar em silêncio. Eu queria levantar e correr. Correr para bem longe. Mas ele me alcançaria e pioraria a situação.

Fechei meus olhos, diminuindo o volume do meu choro como ele mandou, e implorei em voz baixa por alguma ajuda enquanto tinha minha blusa quase toda tirada do meu corpo. Tentei dar um soco em seu rosto, mas segurou muito forte meu braço, me fazendo murmurar de dor.

Em fração de segundos, o homem foi tirado de cima de mim bruscamente e  gritei de susto. Minha cabeça bateu contra a parede com força e fiquei meio zonza, apenas vendo vultos se movimentando em minha frente.

As lágrimas pioraram a visão deixando tudo mais embaraçado e ouvi o que pareciam ser murros e estava acontecendo uma briga. Quando tudo ficou silencioso, senti o toque de alguém em meu braço outra vez, e esperneei quem quer que fosse, mas senti outro toque em minha testa. Um toque quente e prazeroso. Minha visão piorou mais ainda. Antes de apagar totalmente, vi um par de olhos azuis me encarando de perto e dizendo bem no meu ouvido que ficaria tudo bem.