Capítulo 3

Casa dos Snider, 30º 02" 02' S 51º 10" 25' W.

O despertador do celular começa a tocar pontualmente às seis e meia da manhã, como em todos os outros dias. E como em todos os outros dias, Terry ativa a função soneca. Definitivamente ele não nascera para acordar cedo. Mas hoje é um dia especial, um dia importante. Nessa manhã em particular, o jovem que luta para conseguir abrir os olhos não poderia contar com a função soneca do seu aparelho. Não se ele estivesse preocupado em não se atrasar.

Sem nem saber para qual lado se virar para descer da cama, tamanho era seu sono, ele sai caminhando, tropeçando em tudo no seu caminho até alcançar o banheiro.

"- Um banho. É tudo de que preciso." O jovem abre o registro da água quente e aguarda do lado de fora do box, enquanto usa sua mão para controlar a temperatura da água, até deixá-la de seu agrado. Antes de entrar para o banho, porém, o jovem decide sentar-se no vaso e ver se tinha alguma coisa para evacuar.

Como de costume, ao sentar na privada, a primeira coisa que faz é pegar seu celular e ler as notícias do dia. E o resultado das lutas da noite anterior. E checar seus perfis nos aplicativos. Quase vinte minutos se passam até a descarga ser dada e Terry finalmente entrar para debaixo do chuveiro, com suas pernas formigando após o sangue começar a circular novamente por elas.

Dez minutos após começar a se lavar, ele fecha a água e deixa o box com metade do corpo ainda por secar. Agora, quarenta minutos atrasado, o rapaz não parece esboçar nenhuma preocupação.

Com a mão ele desembaça o espelho e por alguns segundos se encara. Seus cabelos castanhos claros caem por cima dos olhos, até a altura do queixo. Já passara do tempo de cortá-los. Seus olhos, também castanhos, percorrem os principais músculos de seu corpo em busca de alguma evolução fisiológica. Não encontra nenhuma. Terry sai do banheiro insatisfeito. Havia gasto muito do seu pouco dinheiro em suplementos alimentares e em um personal trainer online para conseguir desenvolver alguns músculos, mas por conta de sua incontrolável tendência de optar sempre por comer fast foods a comidas saudáveis, sabia que os resultados não viriam tão facilmente. Podia agradecer, entretanto que, pelo menos seu peso e sua pequena e protuberante barriga continuavam estáveis.

Um rápido olhar em seu quarto e ele lembra que deixou para fazer as malas na manhã do dia da viagem. Agora seu coração dispara, pois esse era o dia da viagem.

"- Mas que merda!".

A preguiça, outro de seus intermináveis defeitos, faria com que o jovem perdesse seu ônibus.

- Mãe?!?! – O grito desesperado percorre os dois pisos da casa até chegar aos ouvidos da destinatária. – Você viu a minha mala? Pegou ela?

- Peguei sim, meu amor. Tá aqui embaixo. Já arrumei ela para você. – Uma senhora de não mais do que sessenta anos responde ao chamado do filho no pé da escada, com seus cabelos castanhos amadeirados - resultado de duas horas em um salão de beleza - presos em um rabo de cavalo. Suas roupas largas, velhas e confortáveis indicam que hoje é o dia de faxina na casa. – Desce logo que o teu pai já está terminando de tomar café.

- Ô mãe. Eu falei que eu que ia fazer a mala. Não era para você fazer. – Já na cozinha e terminando de enfiar a cabeça na camiseta, Terry indaga a sua progenitora. – Lembrou de colocar o meu carregador dentro?

A mãe ignora a pergunta.

- Vamos garoto. Vamos que vou te deixar na rodoviária. Senão vai perder o ônibus. - Seu pai, que até então tinha se mantido fora da conversa, termina de mastigar o último pedaço de sua torrada e, sem terminar de engolir, se levanta apressadamente. - Esses separatistas hermanos não sabem mais o que fazer para chamar a atenção do presidente. Lamentável. - Após terminar de ler a matéria do jornal em pé, o pedaço de papel é dobrado no meio e jogado sobre a tampa do lixo reciclável.

Com um beijo em cada um, a dona de casa se despede de sua família.

- Me liga quando puder, ok? Me mantenha atualizada.

- Tá. – Terry fecha a porta da frente da casa e entra no carro que seu pai, previamente, já havia tirado da garagem e carregado com a sua mala.

- Pai! Tenho trinta minutos para chegar no Centro! Vou perder o ônibus! – Ao pegar seu celular para responder uma mensagem, pela primeira vez no dia, o jovem se preocupa em olhar as horas.

Seu pai gargalha profundamente.

O homem sentado ao volante da SUV branca, que emparelha de idade com sua mulher, pode ser considerado uma pessoa pequena, esguia. Ao contrário de seu filho, ele mal atinge um metro e setenta de altura, pesando não mais que sessenta quilos. Com cabelos ralos e finos apenas ao redor da cabeça e em um tom loiro claro, a impressão é que o patriarca da família é totalmente calvo.

- Sua viagem é só às onze horas, filho. – George endireita sua postura no banco e, agora já controlando sua vontade de ridicularizar o filho, olha pelo espelho retrovisor enquanto manobra para sair de ré. – Te disse que o ônibus partiria às dez porque sabia que você iria se atrasar.

- Tá de sacanagem, né? Você e a mãe são muito opressores. Falei pra ela que não era para mexer nas minhas coisas, e o que ela fez?! Respeitou minha vontade?! Não! Foi lá e se meteu e fez a minha mala! Agora nem sei quais roupas estou levando.

            Enquanto sua boca dispara mais e mais palavras de ingratidão, os dedos de Terry deslizam agilmente pela tela de seu smartphone. As fotos da festa do reencontro da turma do colégio, na qual ele tinha trabalhado de DJ, já estavam correndo o perfil do evento. Conforme ia curtindo e comentando a foto de todos, uma feição de desânimo e decepção desabrocha no rosto do jovem. Ninguém havia compartilhado ou marcado as fotos em que ele aparecia. Nem um comentário ou simples emoji havia sido deixado em seus registros.

            De repente, as reclamações sessam. Terry se afunda no banco do passageiro.

George sabe que, no fundo, seu filho está aliviado pela mala, mas sua mania de reclamar de tudo não o deixa perceber que, se não fosse por sua mãe, ele jamais conseguiria pegar ônibus a tempo. Para sua sorte, seu filho em seguida puxa seus fones de ouvido do bolso e os conectas no seu celular. Essa seria uma viagem silenciosa para George até a rodoviária.

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