Capítulo 4

A carruagem andou por alguns minutos e eu não podia deixar de pensar no castelo e no que estava por vir. A competição poderia parecer algo estúpido para mim, mas sabia que era importante para o príncipe e para a família real; afinal, era a futura rainha que estava sendo escolhida, além de ser a mulher que traria herdeiros para o trono. Era muito relevante, apesar de errôneo. Eu suspirei, passando a mão na testa e tentando aceitar o fato de que agora eu era uma possível candidata ao cargo de rainha, apesar de isso parecer quase impossível. Morar num castelo não parecia ser uma possibilidade que me agradaria, por melhor e mais empolgante que pudesse parecer a outros olhos.

Está ansiosa, senhorita? — o guarda me perguntou, analisando minha expressão. Forcei um sorriso.

Um pouco — confessei. — Nunca estive no castelo antes.

A maioria das pessoas nunca esteve. Mas, posso dizer que é maravilhoso. Repleto de histórias antigas e misteriosas...

Eu sorri e olhei para o chão, pensando em algo que estava preso em minha mente. Criei coragem para perguntar e consegui dizer, vencendo a súbita timidez:

O oficial Jonathan está fora de serviço?

Ean Listern franziu o cenho, me olhando por um segundo. Depois, sua mente pareceu clarear e o entendimento invadiu sua face.

Ah! Sim. Ele não está trabalhando hoje. Voltou ao castelo assim que acabou de visitar as jovens da competição, convidando-as para a estadia no palácio.

Presumo que todas tenham dito sim imediatamente — deduzi amargamente. Recostei-me no banco e olhei pela janela.

Bom, nem todas — o oficial disse, surpreendendo-me e inclinando-se em minha direção para apoiar o cotovelo nos joelhos. Um pequeno sorriso brincou em seus lábios. — Você não disse.

Eu quis dizer com exceção de mim.

Sabe, Jonathan ficou muito surpreso ao ouvir que você não queria participar da competição — Ean disse, franzindo o cenho e me olhando de modo especulativo.

Eu imagino. Todas as garotas desse reino devem babar no famoso príncipe de Cannehor — falei, afinando a voz ao dizer as últimas palavras. Ean abafou um riso com minha imitação.

Presumo que você não seja uma delas.

Presumo que esteja óbvio. Sabe, eu não ligo muito para o fato de ele ser um nobre ou membro da corte — disse e suspirei, olhando pela janela. — Eu sei que é errado julgar alguém antes de conhecê-lo... Mas, meu julgamento não se deriva do fato de ele ser o príncipe, e sim do fato de ele e o rei estarem promovendo essa competição estúpida.

Por que tem tanta raiva da competição, senhorita? — o guarda perguntou, estranhando minhas palavras. Ele se inclinou novamente em minha direção e tombou levemente a cabeça para o lado, como se estivesse muito interessado em saber o que eu teria para dizer.

Eu sei o motivo pelo qual fora criada, eu sei do ex-rei Carlos VIII e sei que ele adorava fazer as mulheres de objeto. Também sei que a lei havia sido abolida, e que fora reconstituída por causa da morte da princesa. Mas ainda tem o mesmo princípio, e eu ainda não gosto dela.

Senhorita, me perdoe, mas você está errada — ele disse, apoiando as costas no banco da carruagem. — Originalmente, não era bem uma competição. Era apenas uma semana de festa, durante a qual, à noite, o príncipe dava bailes com o propósito de dançar com as pretendentes e conhecer seus dotes. No fim, ele escolheria a melhor, baseando-se no dinheiro da família, e a levaria para cama. O rei Stephen mudou isso ao reinstituir a lei e o príncipe concordou, achando melhor a ideia de uma competição fundamentada em caráter pessoal e não financeiro; desse jeito, teria a chance de ao menos conhecer a futura rainha, antes de casar-se.

Eu ergui as sobrancelhas, de repente me sentindo estúpida. Encolhi-me, sem poder encarar o oficial, que ainda me olhava. Então não era tão horrível como eu pensara, afinal... Eu sempre achara que era a única garota a saber da história toda e por isso não gostava da ideia de competir no castelo, mas, aparentemente, ninguém do povo sabia a história toda. O ex-rei fez muito bem escondendo a verdade.

Acho que lhe devo desculpas, oficial — admiti timidamente, encarando meus pés. Ean Listern riu, o que fez seus olhos azuis brilharem, e relaxou no banco.

Não precisa se desculpar, senhorita. Apenas prometa que irá tentar não perder a competição propositalmente — falou, ainda com um sorriso. Acompanhei-o com uma gargalhada e cobri a boca com a mão para abafar o som.

Certamente, senhor. Eu prometo — declarei, estendendo minha mão para selarmos o acordo. Ele apertou-a.

Então estamos entendidos.

Eu sorri e olhei para a janela, me surpreendendo com a vista. Um rio de águas cinzentas e turbulentas passava ao nosso lado, criando uma divisa natural com o lado norte do reino, onde era possível ver montanhas e árvores criando imensas florestas. Era lindo, e fiquei tão distraída observando a paisagem que apenas me dei conta do que acontecia na carruagem quando Ean abriu a porta, tirando-me de meus pensamentos. Havíamos parado. Ele pulou para o chão de terra, virando-se para mim em seguida e estendendo uma mão.

Você não vem? — ele perguntou, quando não soube o que fazer. Rapidamente, aceitei sua ajuda e desci da carruagem.

Por que paramos aqui?

O cavalo precisa descansar, e nós precisamos esticar as pernas — Ean respondeu-me, apontando para o grande corcel branco que trotava lentamente até a margem do rio. Ele abaixou a cabeça e bebeu a água.

Esse rio não é muito sujo para ele? — disse, olhando a cor acinzentada da água.

Na verdade, nunca soubemos o que causa essa cor, mas definitivamente não é algo sujo. Algumas pessoas dizem que é a vegetação do próprio rio, como as algas, mas ninguém tem certeza disso — o guarda explicou, e fez uma pausa antes de voltar a falar. — Nós o chamamos de Storm River.

Dei uma leve risada com o trocadilho da tempestade e olhei para o rio. Aproximei-me da margem, postando-me ao lado do cavalo. Ele tinha uma coleira no pescoço, onde estava escrito seu nome. Maximus. Sorri e tentei alcança-lo para um breve afago, mas Ean me impediu ao segurar meu braço. Embora o toque tenha sido leve, me assustou e me fez recuar do animal.

Eu não faria isso se fosse você. Maximus é realmente muito arisco, e não gosta que o toquem — ele alertou e, quando me afastei, Ean soltou-me, dirigindo-se para a sombra de uma árvore próxima.

O guarda e o cocheiro pegaram comida de uma cesta e me olharam, oferecendo uma fruta. Recusei e voltei a observar o animal à minha frente, sentando-me no chão.

Eu o observei de longe. O garanhão bebia a água com dificuldade por conta da forte correnteza, que ricocheteava nas pedras das margens e erguia-se, atrapalhando o animal a enxergar o que fazia. Contudo, ele não desistiu. Continuava tentando matar sua sede, que parecia ser grande. De repente, tive uma ideia.

Olhei para a correnteza tempestuosa e me concentrei, recheando minha mente de pensamentos positivos e calmos. Lentamente, a água parou de bater nas pedras e se acalmou, por um breve momento. Maximus afundou seu focinho no rio e bebeu uma grande quantidade de líquido, aproveitando a chance que aparecera. Após alguns segundos, o efeito de minha magia se esvaiu, permitindo que Storm River voltasse ao normal.

Quando isso aconteceu, me senti infinitamente mais cansada. Mudar a natureza, mesmo que por um breve momento, tinha o seu preço. A noite havia sido péssima e usar meus poderes esgotara todo o meu estoque de energia. Estava pronta para deitar na grama e fechar os olhos quando uma sombra cobriu meu rosto. Era Maximus. O cavalo abaixou sua cabeça e esfregou o focinho em meu braço, relinchando levemente e balançando sua crina. Sorri e tomei isso como um agradecimento, passando a mão em seu pescoço.

Você é tão bonzinho, não é? — sussurrei e sorri para ele. — Tenho certeza que não é tão bravo quanto Ean disse.

Debaixo da árvore, o guarda e o cocheiro nos olhavam, boquiabertos e alarmados. Aparentemente, viram o corcel se aproximar de mim e acharam que iria fazer algo, mas Maximus era um bom cavalo. Ele estava apenas agradecendo-me por ter possibilitado que tomasse água. Levantei-me e acompanhei o animal até onde os outros dois estavam.

Eu acho que vou voltar para dentro da carruagem — declarei, reprimindo um bocejo. — Não dormi nada esta noite, e a viagem pode ser cansativa.

Fique à vontade, senhorita. Gostaria que eu a acompanhasse?

Não há necessidade, Ean. Apenas me avise quando chegarmos ao castelo, caso eu não acorde antes.

Tudo bem, senhorita.

Agradeci e me despedi de Maximus, prometendo que o visitaria no castelo. Fui até a carruagem e deitei-me no banco, me encolhendo um pouco para que meu corpo inteiro coubesse nele. A superfície de veludo almofadada era muito confortável, embora eu não tivesse muita liberdade de movimento. Fechei os olhos e o sono veio, sem nenhum esforço, juntamente com mais um pesadelo.

Assim como em todos os outros sonhos que eu tinha, eu era uma versão mais nova de mim mesma e estava correndo pela floresta, aparentemente me divertindo. Parei de andar quando cheguei a uma clareira, onde uma toalha de piquenique estava posta, e uma cesta de comidas estava à vista. Eu esperava que o sonho parasse nesse momento e eu acordasse, como aconteceram em todas as outras vezes. Mas, eu estava errada. Dessa única vez, meu pesadelo foi invadido por vozes vagamente familiares. Eu conseguia ouvi-las, mas entender o que diziam era um desafio. Olhei em volta, procurando a origem do som, e foi quando, lentamente, duas pessoas se materializaram na minha frente.

Eram um homem e uma mulher. Eles estavam sentados na toalha, tirando coisas da cesta e me olhando com sorrisos no rosto. Eu me assustei. Nunca havia visto aquelas pessoas na minha vida, mas elas me pareciam remotamente familiares e, de alguma forma, eu sabia que as conhecia. Apenas não me lembrava.

O solavanco que a carruagem deu ao passar por uma pedra na estrada me fez bater com a cabeça no banco e acordar, com dor. Passei a mão onde havia machucado e abri os olhos, me sentando de vagar, ainda tomada pelo sono.

Desculpe por isso, senhorita — Ean disse, e pude ver que seus olhos examinavam o local da pancada. — Dói muito?

Não, estou bem. Obrigada.

Esfreguei os olhos e bocejei, pronta para perguntar se eu havia dormido muito. Quando olhei pela janela, as palavras fugiram de minha mente, e eu encarei o grande e pesado portão pelo qual acabáramos de passar. O ferro antigo e descascado rangia conforme fechava, mas continuava sendo imensamente lindo. Detalhados de forma peculiarmente redonda e contorcida, o portão e o muro que nos cercavam serviam de proteção contra ataques e invasões bárbaras, mas também confinava a todos os que viviam dentro deles.

Chegamos à capital, senhorita — Ean anunciou. — Bem-vinda a Damelok.

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